STJ não proíbe agentes públicos de divulgar atos de gestão em redes sociais, mas impede promoção pessoal custeada por recursos públicos

22 setembro 2025 às 11h27

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* Leandro Manzano Sorroche
Nos últimos dias foram publicadas inúmeras matérias jornalísticas afirmando que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) teria “proibido” prefeitos e outros agentes públicos de utilizarem suas redes sociais pessoais para divulgar obras ou ações governamentais.
As referidas afirmações, embora capazes de prender a atenção do público, desvirtuam o real sentido e a profundidade das deliberações judiciais e do ordenamento jurídico aplicável.
De plano, é fundamental esclarecer que não há uma proibição generalizada para que agentes públicos, incluindo prefeitos, utilizem suas redes sociais pessoais para divulgar atos de gestão. Pelo contrário, tanto a legislação quanto a jurisprudência mais recente têm buscado equilibrar a liberdade de expressão com os princípios da Administração Pública, reconhecendo a legitimidade da presença digital dos gestores, porém, estabelecendo limites claros para evitar o uso indevido de recursos públicos e a promoção pessoal.
A celeuma surgiu a partir do julgamento do Recurso Especial Nº 2175480 – SP. Neste caso, o STJ não impôs uma “proibição” de postagens em redes sociais. Os Ministros decidiram no sentido de restabelecer o prosseguimento de uma ação de improbidade administrativa, protocolizada em desfavor do ex-Prefeito de São Paulo, João Dória, e que havia sido rejeitada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.
Assim sendo, o STJ entendeu que havia indícios mínimos que justificavam a continuidade do processamento da ação de improbidade.
Os indícios que levaram a essa decisão foram:
- Apropriação indevida de conteúdo institucional custeado com verba pública: O ex-prefeito utilizou imagens publicitárias de um programa municipal (“Programa Asfalto Novo”), que foram custeadas com recursos públicos, e as reproduziu em suas contas pessoais nas redes sociais. A decisão judicial inferiu que, mesmo que a campanha institucional original pudesse não conter seu nome ou imagem de forma explícita, a mera reprodução em seus perfis privados, naquele contexto, constituiu um forte indício de que a campanha pública poderia ter objetivado sua promoção pessoal. O acórdão do STJ explicitou: “O fato de que o réu se utilizou das imagens publicitárias do Programa ‘Asfalto Novo’, para publicá-las em suas contas pessoais em redes sociais (…) constitui indício mínimo suficiente de que a contratação da aludida campanha publicitária poderia ter ocorrido objetivando a promoção pessoal do requerido (…). Tal indício, por si só, seria suficiente para justificar o processamento da ação de improbidade.
- Desproporcionalidade do Gasto Publicitário: Verificou-se que o valor empregado na campanha publicitária era desproporcional ao montante total do próprio programa de asfaltamento (mais de 20% do valor, e, em um mês, superando o investimento na obra em si). Essa desproporção, aliada ao fato notório de que o gestor renunciaria ao cargo no ano seguinte para se candidatar a governador, reforçou a suspeita de que a finalidade da publicidade era a autopromoção. Como consta na decisão: “a circunstância de que o valor empregado na campanha publicitária do ‘Programa Asfalto Novo’, correspondia a mais de 20% (vinte por cento) do montante utilizado no referido programa de asfaltamento (…) evidencia uma desproporcionalidade que constitui indício de intenção de promoção pessoal, mormente quando, como narrou a petição inicial, e é fato notório, no ano seguinte (2018), o requerido renunciou ao mandado de prefeito para candidatar-se ao cargo de Governador do Estado.”
Nesse diapasão, o STJ não proibiu a divulgação dos atos de gestão nas redes sociais dos agentes públicos. Indicou que quando uma campanha publicitária é financiada com recursos públicos, apresenta gastos desproporcionais e seu conteúdo é apropriado pelo gestor em suas redes particulares, isso pode configurar indícios de dolo para promoção pessoal, justificando o processamento de uma ação por ato de improbidade. A essência da problemática não é a postagem em si, mas a finalidade desviada na origem e a instrumentalização da máquina pública para fins eleitorais e/ou pessoais.
Ademais, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) corrobora essa perspectiva de equilíbrio, uma vez que permite a reprodução, nas redes sociais de agentes públicos, de peças publicitárias extraídas dos veículos oficiais da administração pública, desde que se trate de uma mera replicação de conteúdo já disponibilizado. As condições essenciais para a licitude dessa conduta incluem a ausência de adjetivação indevida, de menções explícitas a eleições, ao candidato ou a pedidos de voto, e, crucialmente, que não haja desvirtuamento na utilização dos recursos públicos, mantendo-se o caráter estritamente informativo. [1]
Destarte, contrariamente do que fora amplamente afirmado em várias matérias jornalísticas veiculadas nos últimos dias, não há uma proibição dirigida aos agentes públicos no sentido de utilizar suas redes sociais para comunicar com a sociedade, notadamente, na divulgação dos atos de sua gestão. A vedação incide sobre o desvio de finalidade nas campanhas publicitárias institucionais, por meio da utilização do dinheiro e da estrutura pública para a promoção pessoal.
* Advogado, especialista em Direito Eleitoral, Público, Tributário e Estado de Direito e Combate à Corrupção. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político – Abradep. Vice-Presidente do Instituto de Direito e Político do Tocantins-IDETO. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/TO.