A libertação dos jegues: quando uma cidade tocantinense celebrou a chegada da água encanada

14 setembro 2025 às 09h12

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Há histórias que se confundem com a própria alma de uma cidade. Pedro Afonso guarda a sua numa data curiosa e simbólica: 13 de maio de 1968, quando a cidade tocantinense ainda fazia parte do norte goiano. Enquanto o Brasil lembrava a abolição da escravatura, por lá se celebrava a libertação de outro cativeiro: o da água carregada em lombo de jegue. Até então, o dia a dia dos moradores dependia dos carregadores que, ao lado de seus animais, levavam latas cheias d’água pelas ruas empoeiradas. Cada família tinha sua cota diária, e no sábado a carga dobrava, pois no domingo os jegues descansavam.
Foi o prefeito Ademar Amorim quem mobilizou a cidade para a festa da emancipação hídrica. A alvorada de fogos anunciou a novidade, e a missa na Matriz de São Pedro, celebrada por Dom Jaime, deu o tom solene. Mas o inesperado aconteceu na pista de pouso: um avião da Força Aérea Brasileira trouxe a Banda da Escola Naval do Rio de Janeiro, que desembarcou tocando “A Banda”, arrancando lágrimas e aplausos.
O desfile ficou na memória coletiva. Os jegues, vestidos a rigor, com chapéus, lenços, flores e laços, foram enfileirados diante das autoridades, entre elas o governador de Goiás, Otávio Lage. Uma porção de milho à frente de cada animal simbolizava o novo tempo. As escolas passaram em marcha, um carro alegórico trouxe um jegue em destaque. O ápice foi quando o chafariz recém-instalado jorrou a água abundante, transformando o ato oficial em um banho coletivo de alegria.
Entre churrascos, bailes e até o tradicional beirarubu, servido no Mangal, a festa se estendeu por dois dias. Foi, como lembram as irmãs Albertina e Raimunda, “um presente”: a água finalmente chegava às casas, e os jegues, libertos da lida, tornavam-se parte de uma celebração que ainda ecoa.
Essa é uma das histórias reunidas no livro Memória Viva: Nossa Gente, Nossa História, do jornalista e escritor Fred Alves de Oliveira, obra que resgata personagens e fatos marcantes de Pedro Afonso. Disponível em versão impressa e digital (link), o livro mantém viva a memória de um povo que, naquele 13 de maio, celebrou não só a água encanada, mas a própria identidade de uma comunidade que sabe transformar suas lutas em festa.
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