A economia brasileira entra em 2026 cercada por expectativas de alívio, mas também por riscos silenciosos que ainda pressionam o orçamento das famílias. Depois de anos marcados por inflação elevada, perda de poder de compra e endividamento crescente, o cenário começa a dar sinais de reorganização: inflação dentro da meta, aumento real do salário mínimo, mudanças no Imposto de Renda e melhora gradual da renda média.

No Tocantins, esse debate ganha contornos próprios, a alta no custo da moradia, a dinâmica dos serviços e o comportamento do consumo local influenciam diretamente a forma como as famílias sentem a inflação e lidam com o dinheiro no dia a dia. Para além dos indicadores nacionais, compreender como essas variáveis se manifestam na realidade regional é importante para avaliar quem tende a sair fortalecido desse novo ciclo econômico, e quem continuará vulnerável.

É nesse contexto que o economista Autenir Carvalho de Rezende, doutor em Planejamento Urbano e Regional e referência em estudos sobre custo de vida e economia regional, analisa o que muda — e o que ainda preocupa, nas finanças das famílias brasileiras em 2026. Em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, ele detalha impactos concretos no orçamento doméstico, aponta hábitos que comprometem o equilíbrio financeiro e alerta para armadilhas que podem transformar um ano de melhora econômica em uma nova rodada de endividamento.

Em 2026, a rotina financeira das famílias tende a melhorar de forma perceptível, especialmente pela conjuntura favorável: IPCA fechando 2025 dentro da meta, com preços dos alimentos controlados (após início do ano desafiador); aumento real do salário-mínimo (acima da inflação); isenção ou redução do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 7.350,00; rendimento médio crescente – atingindo os maiores valores conforme série histórica da PNAD.

Na prática, isso significa mais renda líquida no bolso, menos desconto na folha e maior capacidade de planejamento mensal. Famílias que antes operavam “no limite” passarão a ter margem para organizar prioridades, renegociar dívidas e destinar parte da renda a objetivos estruturais, como reserva financeira, formação profissional e melhoria do padrão de consumo. O alívio fiscal (isenção do IR) e o reajuste real do salário-mínimo funcionarão como uma “injeção financeira”, permitindo a quitação de dívidas, a reorganização dos gastos, maior independência do crédito e até mesmo poupança e pequenos investimentos.

Contudo, altas taxas de juros, consumo (digital) compulsivo, jogos online (como nas bets), e endividamento crescente, se colocam como grandes riscos à saúde financeira e aos projetos de médio e longo prazos.

Resumindo: 2026 tende a ser um ano de transição para melhor, no qual famílias poderão, de fato, sair da lógica de sobrevivência para uma lógica de construção, desde que aproveitem o ganho real de renda para se reorganizarem, e não apenas para ampliar consumo e despesas.

Hoje o dinheiro acaba antes do fim do mês. Em 2026, isso tende a ser regra ou exceção?

Para quem está neste quadro, a tendência é que haja redução da sensação de aperto, mas não o suficiente para uma mudança substancial de vida. O ganho de renda deve aliviar o curto prazo, porém, o alto custo do crédito e o endividamento continuarão drenando parte dessa melhora. Há no Brasil uma propensão natural ao consumo maior que à poupança, e isso pode ser determinante. Para quem está fora do rotativo e não usa crédito para o consumo recorrente, 2026 deve trazer grande melhora. Para quem não se planeja e financia a vida no cartão ou no parcelamento, o fim do dinheiro continuará chegando antes do fim do mês.

Quais hábitos domésticos mais comprometem o equilíbrio financeiro das famílias atualmente?

Vejo três fatores com destaque: uso do cartão de crédito como extensão de renda – e não como meio de pagamento; consumismo digital – impulsionado por redes sociais, influenciadores e compras por impulso; gastos com jogos online e bets – que vêm capturando renda e gerando inadimplência silenciosa.

Ou seja: o problema não é só falta de renda; é o vazamento emocional e comportamental do dinheiro.

O crédito continuará sendo um aliado do consumo ou um fator de fragilização da renda familiar?

Primeiramente devo destacar que, há clara tendência de redução dos juros em 2026, a ver. Não é possível seguirmos sustentando a segunda maior taxa de juro real do planeta. Dito isso, com os juros mantidos elevados, o crédito tende a ser mais fragilizador que aliado. Para quem o usa como ponte para manter o padrão de vida, ele se torna corrosivo. Porém, usando-o para consolidar dívidas caras, reduzir rotativo ou financiar capacitação profissional, ele ainda pode ser estratégico. A questão não é o crédito, é o propósito de seu uso: crédito que financia renda é solução; crédito para consumo e para tapar buraco pode virar problema.

Onde as famílias devem concentrar mais atenção nos próximos anos: gastos fixos ou variáveis?

Em um cenário de renda maior, o erro será “subir o padrão de vida antes da hora”. O foco prioritário deve ser reduzir (ou controlar melhor) os gastos fixos: aluguel incompatível com renda, carro financiado que pesa no fluxo mensal, escola ou serviços acima da capacidade real de pagamento. Os gastos variáveis exigem gestão semanal, mas são os fixos que aprisionam a renda. 2026 tem tudo para ser o ano da retomada do controle e, quem sabe, de dar passos sólidos rumo à sustentabilidade financeira.

A inflação do dia a dia é percebida mais no mercado, na conta de casa ou nos serviços?

De fato, a inflação tem sido mais percebida na alimentação e no mercado, onde vai grande parte da renda dos mais pobres, especialmente com a alimentação dentro e fora do lar, onde os choques de oferta são imediatos; nos serviços, em particular os especializados, como saúde e educação, e os que compõem o status social, pois estes, com a elevação da renda, têm seus preços pressionados pela alta da demanda; e na habitação, já que nos últimos anos aluguéis e imóveis têm tido reajustes e valorização acima da inflação, e Palmas tem se destacado neste quesito.

No caso da inflação dos alimentos, 2025 trouxe grande alívio. Em Palmas por exemplo, verificamos, segundo as pesquisas do Naepe, queda nos preços da maioria dos itens da Cesta Básica e uma deflação acumulada, até novembro, de 3,97% (só de março a novembro a queda foi de 11,3%). Por outro lado, a inflação ainda é muito evidente na habitação (moradia) e nos serviços.

Quem não planeja hoje estará mais vulnerável financeiramente em 2026?

Sim. Em 2026, não planejar será mais caro do que hoje, porque haverá mais renda em jogo, e também, mais tentações ao endividamento. Tecnologias, estreams, facilidades de compra, consumo compulsivo e jogos online elevam o risco de endividamento, mesmo com melhora econômica. Planejar deve deixar de ser apenas prudência, mas também oportunidade e estratégia.

A tecnologia ajuda a organizar as finanças ou estimula ainda mais o consumo impulsivo?

Ela faz as duas coisas – e é aí que mora o risco. Aplicativos de controle, IA financeira, bancos digitais, carteiras eletrônicas, PIX e ferramentas automáticas de controle de gastos ajudam a organizar; mas, redes sociais, marketplace e publicidade direcionada estimulam o gasto emocional. O celular virou o maior concorrente da educação financeira. Em última instância, a tecnologia amplia tanto o poder de compra quanto o poder de erro.

Qual decisão financeira tomada hoje pode fazer mais diferença no orçamento até 2026?

A mais decisão mais impactante é planejar uma redução no custo da dívida e assim que possível: sair do rotativo; renegociar dívidas; transferir saldo; quitar as dívidas de juros maiores.

Em seguida, ou para aqueles que não possuem dívida: aproveitar isenção do IR para tentar criar reserva e não aumentar gasto; planejar consumo à vista para fugir de juros caros; reter parte do ganho real do mínimo, em vez de converter tudo em padrão de vida. Enfim, ajustar padrão de vida antes de aumentá-lo. A renda que aumentará no futuro só será progresso se não estiver comprometida com o passado.

É possível reorganizar a vida financeira sem aumentar renda ou isso se torna inevitável?

Sim, será um bom ano para tal. O ganho real do salário-mínimo e a isenção do IR abrem espaço para reorganização, mas quem está preso em dívidas caras vai precisar combinar ajuste de gastos com outras atitudes pessoais.