Recém-eleito presidente estadual do Partido dos Trabalhadores (PT) no Tocantins, Nile William Hamdy, concedeu entrevista ao Jornal Opção Tocantins para falar sobre os rumos da legenda no estado. Advogado, professor de Direito no Instituto Federal do Tocantins (IFTO) e doutor em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Nile tem trajetória marcada pela militância estudantil e atuação institucional, foi conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil no Tocantins (OAB-TO) por seis anos.

Nille venceu o segundo turno do Processo de Eleições Diretas (PED), realizado no último domingo, 27, com 1.848 votos, contra 1.064 recebidos por seu adversário, Diego Montelo, que era apoiado por Zé Roberto, presidente da sigla nos últimos oito anos. Ao todo, foram computados 2.965 votos, sendo 2.912 válidos, 19 brancos e 34 nulos. A posse está prevista para setembro.

Na entrevista, o novo presidente avalia que o PT sai fortalecido da disputa interna, defende o alinhamento da sigla ao campo da oposição ao governo Wanderlei Barbosa (Republicanos) e projeta a construção de uma candidatura própria ao governo do Estado em 2026. Também enfatiza a necessidade de diálogo com outros setores da sociedade e de fortalecimento da unidade interna do partido, superando divisões históricas.

Elâine Jardim – Qual o sentimento de ter tido uma vitória histórica para a presidência do PT Tocantins, derrotando Diego Montelo, apoiado por Zé Roberto?

Eu não derrotei ninguém. O PT venceu, porque mostrou sua organização democrática interna, que difere o partido dos demais. Maior que a alegria e a honra da vitória, só a responsabilidade que sinto por conduzir o partido neste momento tão importante da nossa quadra histórica.

O PT Tocantins, com o Zé Roberto no comando, estava sendo atrelado à extrema direita. Tiveram alianças com o PL no interior, e há relatos de que ele apoiava candidatos de outros partidos, em vez de apoiar os do próprio PT. Como você vê isso? E como vai ser a organização quando você assumir, agora em setembro?

O ideal é que apoiemos os candidatos do PT e façamos campanha dentro dos limites da federação. Fora disso, é quebra de disciplina partidária. Esses casos do passado não vão nos nortear. Vamos exigir que todos os companheiros e companheiras prestigiem as chapas do PT. Tanto que eram práticas equivocadas, que hoje me colocaram como presidente eleito.

Essas práticas do Zé Roberto, consideradas pelo partido como equivocadas, serão deixadas para lá ou haverá alguma ação institucional?

Sobre o julgamento da gestão do Zé Roberto, as urnas deram a resposta. Agora, ele e todas as pessoas que carregam a estrelinha vermelha do PT são nossos companheiros para reeleger o presidente Lula, vencer a extrema direita e derrotar o fascismo.

Como vocês pretendem fortalecer o PT nos municípios do interior e na capital?

Em Palmas, o PT elegeu uma das melhores quadros políticos do partido, a professora Rosimar, que venceu o candidato apoiado pelo Coletivo Somos. No Estado, vamos trabalhar com unidade. O PT não será mais fatiado ou fracionado. Não existe subpartido. Trabalharemos dentro da disciplina partidária para construir nossas chapas de deputados estaduais, federais, senadores e governador, e reeleger o presidente Lula.

Como integrar as diferentes correntes do partido?

Nossos 45 anos de história mostram uma participação plural. A democracia petista inclui mulheres, população LGBTQIA+, negros, jovens, idosos, trabalhadores do campo e da cidade. É na diversidade que crescemos. E ela já faz parte da nossa rotina.

Há espaço para o Diego Montello na sua gestão?

Como eu disse, eu não venci ninguém. O PT venceu um processo. O Diego é um companheiro que tem seu valor, representa uma fração importante do partido e terá, como todos os demais, espaço e apoio para projetos alinhados à luta contra a fome, redução das desigualdades e à reeleição do presidente Lula.

A relação com o grupo deles continua tranquila?

Da minha parte, totalmente. Eu ainda espero uma ligação, que até agora não aconteceu. O Diego me mandou mensagem, mas o Zé Roberto não ligou. Mas, da minha parte, o diálogo está aberto. Agora, temos um inimigo de verdade que é o ódio, a intolerância, a extrema direita, o fascismo.

Quais serão suas primeiras ações no partido?

Vamos levantar a situação jurídica, administrativa e contábil do partido. Também estruturar uma sede que ofereça conforto aos companheiros do interior que vêm a Palmas. Além disso, vou visitar os diretórios e comissões provisórias, planejando e organizando as macro e microrregionais do PT. A administração do partido será descentralizada, com militância ativa em todo o Estado.

Sobre alianças no interior, o PT pretende cortar algumas ou manter como está?

Vamos respeitar a autonomia dos diretórios municipais. Às vezes, uma pessoa do PL é lulista. Os partidos da direita nos municípios não têm coerência nem organicidade; são cartoriais. Já os partidos de esquerda têm isso. Claro, aliança com bolsonarista declarado, não.

E em relação ao governador Wanderlei Barbosa? O PT fará oposição?

O PT apresentará um projeto político para o Tocantins em 2026, com candidatura própria. Esse projeto será baseado no combate à fome, à desigualdade social e regional, defesa da soberania alimentar e da produção agrária. O governo Wanderlei Barbosa não representa nada disso. Não faz sentido fazermos parte desse governo, até porque a forma como o PT entrou foi subterrânea, não foi clara, nem discutida. Não há legitimidade na participação atual.

Já existem nomes para a candidatura?

Vamos construir um projeto. O nome virá a partir disso. Primeiro, faremos um diagnóstico dos problemas estruturantes do Estado, definindo eixos prioritários, como infraestrutura de transportes e assistência.

Como o PT pretende se alinhar a outros partidos de esquerda?

O projeto é de desenvolvimento do Tocantins. Todos que queiram colaborar estarão convidados, desde que não estejam no governo Wanderlei Barbosa. Vamos ser o verdadeiro palanque do presidente Lula no Estado.

Nossos eixos prioritários serão o combate à fome, combate à desigualdade social regional, priorizar uma infraestrutura de transportes e agregar valor à produção do Estado. 

Você falava na campanha que o PT precisa falar para além dele. Quais setores da sociedade serão prioridade nesse diálogo externo?

Toda a sociedade. Eu quero realizar o fórum de discussão do agronegócio com o PT. Não existe segmento que tenha recebido mais subsídio do governo federal do que o agronegócio. E mesmo assim, acreditaram num conto de sereia de um sujeito irresponsável que quase fez a China parar de comprar do Brasil. Eu desafio qualquer segmento do agro a bancar um bloqueio econômico com a China. Não vão fazer isso. E é por isso que eu quero conversar com o agronegócio.

Também quero dialogar com o setor industrial, com o setor de empregadores. Porque o PT tem um projeto de desenvolvimento econômico que melhora para todo mundo, quando se inclui os mais pobres no mercado de consumo. Então nós vamos conversar com todo mundo.

E dentro da estrutura do partido, vocês vão fortalecer também os núcleos temáticos, como os de mulheres, jovens, meio ambiente?

Sim, vamos prestigiar muito o fortalecimento dos núcleos setoriais, porque são fundamentais para a promoção dos direitos das minorias e para a renovação do partido. O PT não pode ter o rosto apenas de homem, branco e hétero. O partido tem que representar a pluralidade do povo tocantinense.

O Zé Roberto foi presidente do PT por oito anos, inclusive durante o governo Bolsonaro. Agora, você, Nile, assume com Lula presidente. Qual é o peso disso?

É mais desafiador. O presidente Lula sobreviveu a uma tentativa de sequestro da sua agenda política. O Congresso tentou sequestrar a agenda para a qual ele foi eleito. E hoje, setores internos do Brasil, liderados pela família Bolsonaro, se aliam aos Estados Unidos para tentar dar um golpe na soberania do país.

Então, é nesse momento que o PT precisa mostrar para a sociedade quem de fato defende o Brasil. Quem defende você é o PT. Quem defende a família, defende o Minha Casa, Minha Vida – porque proteger a família é garantir que ela tenha casa própria, e não o medo de ir morar na rua.

Quem defende a família, defende o Bolsa Família – porque pai e mãe não podem aceitar qualquer coisa só porque o filho está com fome. Quem defende a família, defende as universidades e os institutos federais, que garante educação de qualidade do ensino médio até a pós-graduação. Ou seja, quem defende a família, defende os projetos e os governos do PT.

Um deles é a taxação dos super-ricos. Chegou a hora dos bilionários darem a sua contribuição para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Porque, em 525 anos, só dos trabalhadores foi exigido.

Qual legado você quer deixar para o PT do Tocantins?

Um PT respeitado. Um PT construindo um projeto duradouro de desenvolvimento socioeconômico para o Estado. E um PT que seja o porto seguro da classe trabalhadora.

E que mensagem você gostaria de deixar para os mais de 21 mil aliados e militantes do PT no Tocantins, nesta nova fase que começa em setembro?

As grandes transformações demandam esforço e trabalho coletivo. Que a gente nunca perca a fé de que o bem comum sempre deve prevalecer sobre o interesse individual. A política é um instrumento para fazer o bem.