Natural de Guarulhos (SP), o conselheiro Alberto Sevilha, 70 anos, tem uma trajetória que mistura advocacia, atuação no Ministério Público de Contas e quase três décadas dentro do Tribunal de Contas do Tocantins (TCE-TO). Formado em Direito pela Universidade Mackenzie, foi advogado em Goiás, procurador de Contas, procurador-geral e, desde 2014, ocupa a cadeira de conselheiro. No currículo, soma duas passagens como vice-presidente da Corte e, desde fevereiro deste ano, preside o Tribunal para o biênio 2025/2026.

Na posse, Sevilha cravou: “Somos passageiros e finitos, mas a instituição TCE ficará para sempre”. A frase resume o tom que ele pretende imprimir à gestão. menos personalismo e mais fortalecimento institucional. Transparência, inovação tecnológica e fiscalização preventiva são palavras que ele repete como mantra. Entre as apostas está o programa “TCE de Olho”, criado para fiscalizar in loco hospitais e UPAs com visitas surpresa. O objetivo é simples, mas ousado: corrigir falhas e aproximar o controle externo da realidade da população.

Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção Tocantins, Sevilha fala sobre a mudança de postura do TCE, de órgão visto como apenas punitivo para uma Corte que orienta e acompanha em tempo real os atos da gestão pública. Ele comenta a relação com prefeitos e governo do Estado, explica os limites orçamentários para convocar novos servidores e detalha projetos voltados à primeira infância. Sem rodeios, defende que não cabe ao Tribunal “agradar ou desagradar”: o que é certo é certo, o que é errado é errado.

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Sevilha defende maior diálogo institucional com municípios e sociedade para fortalecer a fiscalização | Foto: Edivan Cavalcanti / Ascom TCETO

Jornal Opção Tocantins: O senhor ingressou no TCE em 2014 como procurador de contas, foi vice-presidente em duas gestões e agora ocupa a presidência. No discurso de posse, falou em estar “cada vez mais próximo dos prefeitos, secretários e dirigentes de órgãos”. O que significa, na prática, essa proximidade?

Alberto Sevilha: Se me permite, vou resumir. Até pouco tempo atrás, os tribunais de contas tinham a imagem de órgãos fechados, carrancudos, apenas apontando a espada para os gestores e julgando o passado. Isso não é saudável. Muitas vezes se aplica multa, débito de milhões, mas esse dinheiro não retorna ao erário. O modelo de apenas punir não resolve. Hoje a ideia é acompanhar os atos a priori, de forma concomitante, evitando a ilegalidade ou o desvio antes que aconteça. Quando assumi a 6ª relatoria, em 2014, quase 90% dos atos tinham algum tipo de irregularidade. Em 2023, esse índice caiu para cerca de 20%. Isso mostra resultado.
Além disso, é preciso lembrar que 85% dos municípios do Tocantins têm menos de 15 mil habitantes e sofrem para ter pessoal técnico.

O TCE, por ser multidisciplinar, coloca engenheiros, contadores, administradores, advogados à disposição para orientar. O objetivo é ajudar o gestor a acertar.

Jornal Opção Tocantins: Depois que assumiu a presidência, houve algum impacto diferente? A cadeira “pesa”?

Alberto Sevilha: É diferente, sim. No dia da eleição já senti isso. Eu disse: gestor não tem que esperar elogio, tem que cumprir sua obrigação. Não podemos ter medo de agradar ou desagradar A ou B.

O que é certo é certo, o que é errado é errado, em qualquer circunstância.

Jornal Opção Tocantins: Como o senhor define o seu perfil, é mais técnico ou também político?

Aberto Sevilha: O cargo de conselheiro tem, sim, um componente político, não o político partidário, mas no sentido amplo. O Judiciário decide basicamente pela legalidade. Já os tribunais de contas precisam considerar também economicidade, eficiência, eficácia e transparência, todos no mesmo patamar. Exemplo: um processo licitatório pode ter falha formal, mas gerar economia e eficiência. Cancelá-lo pode atrasar um serviço essencial por meses ou até anos, além de judicializar a questão. Então, analisamos o conjunto. É aí que entra essa dimensão política-administrativa, sempre pensando no interesse da população.

Jornal Opção Tocantins: Gestores ainda enxergam o TCE como um órgão punitivo. Isso o incomoda?

Alberto Sevilha: Não. Nós orientamos. Cabe ao gestor aceitar ou não. Se ele não quer, se insiste no erro, não tem jeito: precisa ser punido. Não gosto de punir ninguém, mas se não cumpre a obrigação, não há alternativa.

Jornal Opção Tocantins: Nesse contexto, como o TCE tem orientado os prefeitos na prática?

Alberto Sevilha: Cada relator tem sua forma de atuar, mas no meu gabinete, por exemplo, monitorávamos diariamente portais de transparência, diários oficiais e editais. Quando víamos falhas, chamávamos o gestor para corrigir antes que virasse problema. Isso facilita inclusive a prestação de contas, porque boa parte já está analisada ao longo do ano. Também incentivamos que cada prefeitura tenha controle interno estruturado.

Muitas vezes o gestor não gosta de ouvir, mas é a orientação que evita punições maiores.

Jornal Opção Tocantins: Um projeto que ganhou destaque é o TCE de Olho, com vistorias nas UPAs. Como funciona?

Alberto Sevilha: As visitas são surpresa, de madrugada, fim de semana, qualquer horário. A equipe verifica presença de médicos, enfermeiros, medicamentos, estrutura física, ambulâncias. O relatório é enviado ao gestor, que tem cinco dias para responder. A meta é 48 horas. Se há ausência de médico ou falta de remédio, o gestor precisa corrigir imediatamente. E os resultados aparecem. Uma senhora me contou que, depois da visita do TCE ao posto do Luzimangues, o atendimento melhorou da água para o vinho. Saúde é urgente, não dá para esperar. Agora vamos expandir para hospitais de pequeno porte no interior.

Jornal Opção Tocantins: E se os problemas não forem resolvidos?

Alberto Sevilha: Retornamos. Já tivemos casos, como em Gurupi, em que todas as falhas foram corrigidas. Mas há situações estruturais que exigem prazo maior, seis meses, oito meses, dependendo do caso. Nossos engenheiros analisam e definem prazos razoáveis.

Jornal Opção Tocantins: O senhor também tem dado destaque para o TCE de Olho no Futuro, voltado à primeira infância. O que significa essa proposta?

Alberto Sevilha: É uma aliança em defesa das crianças de 0 a 6 anos, amparada no Marco Legal da Primeira Infância. Reúne instituições parceiras e busca transformar a primeira infância em prioridade absoluta. Não é projeto de gestão, é institucional e coletivo, para melhorar indicadores sociais nessa faixa etária.

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Presidente durante lançamento do TCE de Olho no Futuro | Foto: Ascom/TCE

Jornal Opção Tocantins: O TCE tem estrutura suficiente para acompanhar 139 municípios?

Alberto Sevilha: É um desafio. A pandemia mudou tudo: home office, processos digitais, sessões online. Isso exigiu adaptação, e muitos servidores próximos da aposentadoria também impactam. Estamos numa transição, revendo rotinas, enxugando despesas e ajustando.

Jornal Opção Tocantins: E quanto à convocação de aprovados no último concurso?

Alberto Sevilha: A possibilidade existe, mas dependemos do orçamento. Hoje, aposentados entram no cálculo da despesa de pessoal. Então, quando alguém se aposenta e chamamos um concursado, a despesa dobra. É complicado.

Temos vontade de trazer sangue novo, mas precisamos respeitar os limites fiscais.

Jornal Opção Tocantins: Há auditores trabalhando em áreas fora da auditoria. Isso é adequado?

Alberto Sevilha: São pouquíssimos casos, sempre por necessidade específica. Às vezes aparece um servidor com perfil excepcional em orçamento ou TI, por exemplo, e ele rende muito mais ali do que na função original. O regimento permite esse remanejamento.

Jornal Opção Tocantins: Qual a relação do TCE hoje com o governo do Estado? Há independência?

Alberto Sevilha: Independência total não existe, porque não temos receita própria. Dependemos do orçamento aprovado pela Assembleia e executado pelo governo. Mas hoje vivemos um momento positivo: nossas demandas têm sido atendidas e há diálogo.

Jornal Opção Tocantins: Recentemente o TCE cogitou contratar uma “identidade olfativa”. Não soa contraditório falar em corte de gastos e ao mesmo tempo propor algo assim?

Alberto Sevilha: Foi uma sugestão de servidores, pensando em bem-estar. O valor não era alto, mas quando surgiram questionamentos, suspendemos e o assunto morreu.

Jornal Opção Tocantins: E, por fim, que legado o senhor gostaria de deixar como presidente do TCE?

Alberto Sevilha: Não tenho pretensão pessoal. Defendo que a instituição deve ser forte, não o gestor. Mas, se algo ficar como lembrança, quero que seja o exemplo de honestidade, coerência e de fazer as coisas pelo bem das pessoas. Isso já seria suficiente, até para minhas netas verem o valor de ser correto