Apontamentos para um quase impossível, improvável conto
12 dezembro 2025 às 10h32

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Antônio Egno*
Era o mês de julho quando o ônibus singrava. À esquerda, pela janela eu via passar os pequizeiros floridos. Os ipês amarelos, ipês rosa… Ou que se chamam de ipê. As flores rosas, amarelas, pardas, mistas. O cerrado. Os pássaros. Os algodoeiros, esparsos, às margens do asfalto.
As arvores, poucas, de caules retorcidos, enegrecidos, balouçam ao vento, resistindo. E eis aqui, agora, o ambiente já totalmente aberto, dominado por touceiras de colonhão ou qualquer outro capim. O cerrado.
Vez ou outra, a mata cede. Cessa. Se pode perceber o rio, ao longe, ou perto, muito perto. O ônibus passa a poucos metros, quase, das águas frias – às vezes escuras, às vezes azuladas. O rio serpeia. O rio Tocantins.
As árvores, como carapaças, se aproximam de crocodilos do reino vegetal. Como se fossem árvores pré-históricas, preservadas: contra o tempo, contra o vento ressequido, contra a luminosidade ofuscante e cegante – sucumbidas.
As águas azul-escuras do Tocantins, anis em alguns pontos, arroxeadas em outros, recebem a luminosidade. A aparência de beleza, de profundidade.
Os pequenos bangalôs. As praias. Os tizius. Ó, Rio!
Muros. Placas.
Árvores de caules escuros, oxidados, pelo fogo enfurecidos. Pequenos brotos verdes, revelando o instantâneo, o eterno ciclo da vida.
Serra do lajeado – se mostram vários montes – altiva e bela. De verde. E azulado. Do azul celeste, um sonho intenso. De longe, o que mais se destaca de seu dorso são as famílias de babaçus. Dentre várias árvores, espécies, os babaçuais se destacando.
Sinfonia de montes e serras. Esse vale conduzindo até o Tocantins.
A hidrelétrica de lajeado.
Agora só um pulo, beirando o rio. Agora é isso. E chácaras.
Os cajueiros apodrecidos. Os buritizais. Calados.
As boloteiras – belas. Nos morrotes, as pedras lindas, lisas, subindo ao pé da pista. Às vezes, enegrecidas – quase – como asfalto; basalto; petróleo, atendendo ao reflexo do sol, sugadas por ele.
No alto da serra, os lajedos. Como moinhos. Muralhas de cidade antiga.
Lajeado, com suas praias. Miracema do Norte, com seu princípio das terras dos confins.
Esta vidinha basta, Deus meu!
Esta mancha de mato… Os matagais do Sul do Pará já são diferentes. Já não são o cerrado. A mata é muito mais fechada. As arvores são outras. Até onde a vista alcança,
tudo limpo e caos: pequenas nesgas de florestas. Nada aqui me lembra a impressão daquele primeiro retorno de Natal. Era 98… Depois de décadas e décadas de boi, agora se apascentam pés de soja.
O céu faz um tom de claro cinza no horizonte. O crepuscular se aproxima do sojal ao longe. Babaçu quase nenhum mais. Sulparaenses tinham ranço dele, considerado praga. Eles o venceram. Extirparam.
Mas quando você vê um babaçu você entende por que não o vê em parte alguma. Ele domina a paisagem, não aceita ser um entre outros. Predominante. Parece uma floresta, mas propriamente um babaçual.
Os pântanos adjacentes aos rios. Garças. Os pequenos mangues. Os pica-paus, os patos selvagens. Muita, muita traíra – provavelmente – nesses poços. Jacarés também – sucuris.
Às seis e onze da tarde o sol se pondo por trás de um morrote de tons alaranjados, tangerinados. Os restolhos de nuvem logo acima recebem exalações vermelho-roxo. Os mastros ao longe. Entardecer.
Seis e quarenta. Agora, uma lua belamente simulada no limite da janela.
Nuvens sugerem ares poéticos num céu em todos os tons de azul: azul violáceo; azul claro, azul anil, azul esclarecido…
* Antônio Egno do Carmo Gomes nasceu em Bandeirantes do Tocantins (TO) em 1974. Foi alfabetizado pela mãe e introduzido ao mundo literário pelas rodas de cordel promovidas pelo pai. Realizou seus estudos universitários na Universidade Federal de Goiás e é professor de Letras na Universidade Federal do Tocantins (UFT) desde 2011.
Tentou escrever seu primeiro enredo policial aos 15 anos, mas só lançou o primeiro romance em 2018, aos 46 anos, marcando o início da trilogia “Beleza & Temor”, da qual já publicou também o segundo volume.
Além disso, é autor do cordel “As desventuras de Nóis Mudemo”.
