A paisagem agrícola do Tocantins entrou em 2025 sob um cenário que já não pode mais ser chamado de atípico: a irregularidade das chuvas voltou a atingir praticamente todas as regiões do estado, afetando tanto grandes produtores quanto agricultores familiares. Os efeitos são visíveis nas lavouras, mas também na rotina de quem depende da água para plantar, colher e sobreviver.

Dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) mostram que 101 municípios tocantinenses enfrentaram algum nível de seca em novembro de 2025, sendo 32 em condição severa. A situação acendeu alertas para quem planta feijão, milho, hortaliças e frutas, culturas extremamente sensíveis ao déficit hídrico.

Ao mesmo tempo, a safra de soja 2025/26, carro-chefe do agronegócio tocantinense, iniciou com atraso histórico. Entre os dias 1º e 21 de novembro, segundo o Boletim de Monitoramento Agrícola da Conab, as chuvas foram irregulares, mal distribuídas e insuficientes para garantir a umidade mínima do solo.

Só na terceira semana do mês a situação começou a melhorar, com a recuperação gradual do armazenamento hídrico.

“Plantio complicado”: Aprosoja fala em atraso generalizado e risco para a safrinha

O vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Tocantins (Aprosoja), Thiago Stefanello Facco, afirma que o início da safra foi um dos mais difíceis das últimas décadas. Segundo ele, a janela que normalmente se abre na segunda quinzena de outubro simplesmente não se consolidou como deveria.

“A gente está com um plantio bem complicado, bastante atrasado. O início do plantio se intensifica a partir da segunda quinzena de outubro. Este ano, porém, tivemos alguns índices pluviométricos no começo de outubro. Algumas propriedades soltaram o plantio, porém depois houve uma janela sem chuva muito grande. Houve bastante problema nessa soja plantada. Algumas estão sofrendo, perdendo potencial, e outras áreas vão precisar de replantio. Tem relatos de áreas com 17, 18 dias sem chuva. O início do plantio está bastante complicado, já aparecendo perda por replantio, perda de potencial e também atraso, que vai acarretar atraso no milho safrinha.”

O atraso se espalhou pelo estado. Segundo Thiago, menos de 30% da área prevista estava plantada no período em que já deveria haver mais da metade concluída.

Com isso, a janela da safrinha praticamente se fechou:

“A soja para plantio da safrinha já deveria estar plantada. Estamos com menos de 30% no estado, bem abaixo da média dos últimos anos. Isso vai atrasar o plantio da safrinha. Muitos produtores já estão abandonando a área de milho para outras culturas, feijão, sorgo, ou simplesmente deixando como braquiária. Com custos altos e margem apertada, o produtor não vai arriscar. Vamos ter uma diminuição muito grande da área de milho safrinha.”

Vice-presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Tocantins (Aprosoja), Thiago Stefanello Facco | Foto: Kiw Assessoria

A avaliação geral da Aprosoja é de um ano de grandes incertezas, e de poucas garantias de margem, mesmo com alguma reação do mercado internacional.

“Eu estou há 22 safras. Para mim, é a mais desafiadora. Tivemos custo elevado, falta de crédito, juros caros e agora um problema climático inesperado. Outubro teve propriedades onde não caiu nenhuma chuva, isso não é normal no Tocantins. O produtor precisa fazer a parte dele, fazer com capricho e contar com muita fé. É isso que a gente precisa neste momento.”

Início da colheita da safrinha em Porto Nacional | Foto: Wilson Rodrigues

Questionado sobre a orientação para comercialização, Thiago foi direto ao ponto:

“O mercado deu oportunidade nesses primeiros dias de novembro. Chicago subiu, o dólar em 5,40 ajudou. Não são preços que remuneram muito, mas pelo menos não deixam prejuízo. O problema é que existe previsão de chuva, mas ela não está vindo. Tem muita área sem capacidade de campo. O produtor é forte, sabe fazer isso, tem seus insumos comprados. Ele tem que ter resiliência e fé em Deus para que as coisas se ajeitem.”

Agricultura familiar: “Trabalhei sozinho e gastei mais para não perder”

Enquanto grandes produtores analisam custos e janelas de plantio, a agricultura familiar sente o impacto de forma ainda mais direta, e mais cara.

No município de Rio dos Bois, o pequeno produtor Francisco Andrade, que cultiva abacaxi, precisou improvisar para salvar a lavoura:

“O abacaxi precisa de água para crescer e se desenvolver. Quando chegou perto do período de chuva, eu fiquei com medo de a chuva não vir direito. Aí comprei uma mini-irrigação, achando que seria só para o início, mas acabei tendo que usar por mais tempo do que esperava. Quando chegou o tempo da chuva, ela veio muito irregular. Tive que gastar mais dinheiro porque, para abastecer o sistema, precisa de gasolina. Fiz isso sozinho. Tive que trabalhar mais, bem mais. Ainda não tive prejuízo, mas foi a forma de salvar a lavoura.”

A alternativa, esperar a chuva, não existia.

Histórias como a dele se tornaram mais frequentes em 2025, especialmente em municípios classificados pelo Cemaden com alto risco de problemas agrícolas devido à seca.

Abacaxi necessita de bastante água para de desenvolver | Foto: Joatan Silva

O que explica tanta irregularidade? Especialista aponta padrão que já dura anos

O professor e pesquisador José Luiz Cabral, doutor em Meteorologia Agrícola e professor da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), explica que o Estado vive uma combinação de fatores climatológicos que vêm se repetindo com maior intensidade nos últimos anos.

professor e pesquisador José Luiz Cabral durante palestra na em Manaus | Foto: Unitins

Ele evita superlativos, mas confirma que o padrão já se tornou recorrente:

“Estamos em um período chuvoso atípico. Estamos em um ano de La Niña. A irregularidade do nosso período chuvoso já vem ocorrendo há pelo menos cinco anos.”

Segundo Cabral, trata-se de um La Niña de intensidade fraca, mas suficiente para alterar o regime de chuvas no estado. O fenômeno climático é caracterizado pelo resfriamento das águas do Pacífico Equatorial, o que altera a circulação atmosférica e influencia o regime de chuvas no Brasil. Em grande parte do país, especialmente no Norte e Nordeste, a La Niña costuma favorecer chuvas mais frequentes e melhor distribuídas, mas isso não impede que ocorram períodos de irregularidade no início da estação chuvosa, como acontece neste ano no Tocantins.

Apesar do atraso no início da estação, o pesquisador afirma que, a partir da segunda quinzena de novembro, os modelos indicaram melhora:

“As chuvas devem retornar nesta semana em todo o Tocantins. Os bons acumulados devem se concentrar nas regiões centro-sul.Os modelos projetam para a segunda quinzena de novembro boa distribuição de chuvas no estado.”

A pergunta que segue é inevitável: esse padrão deve continuar nos próximos anos?
Cabral não faz previsões categóricas, mas reconhece a tendência crescente de irregularidade e variabilidade climática.

La Niña é caracterizado por resfriamento das águas do Pacífico Equatorial | Foto: NOAA

Impactos na safra 2025/26 e o desafio de produzir sob incerteza

Apesar do cenário adverso, a Conab manteve estável a projeção da safra nacional de grãos. O Tocantins, inclusive, não registrou redução na estimativa estadual, mas isso não significa tranquilidade.

O atraso no plantio, a redução da área de safrinha, o custo extra com irrigação e o risco crescente para agricultores familiares mostram que a pressão sobre o campo ainda não diminuiu.

E, segundo especialistas e produtores, o maior problema não é apenas a falta de chuva, mas a imprevisibilidade. No Tocantins, agricultores de todos os portes estão aprendendo a conviver com um novo desafio: produzir alimentos em um clima que já não segue mais padrões confiáveis.