No Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, celebrado neste sábado, 28 de junho, o Jornal Opção Tocantins destaca os desafios enfrentados pela população trans no estado — marcados pela exclusão social, violência e ausência de políticas públicas específicas —, bem como os avanços conquistados por meio da resistência e da articulação institucional.

Em entrevista exclusiva, a técnica de enfermagem e ativista Byanca Marchiori, presidenta da Associação de Travestis e Transexuais do Estado do Tocantins (Atrato) e vice-presidenta do Conselho Estadual dos Direitos das Pessoas CELGBTQIA+ no Tocantins, relata que a comunidade continua enfrentando preconceito, vulnerabilidade social e falta de acesso a direitos básicos, mas também tem ocupado espaços importantes de luta e representação.

Byanca Marchiori, presidenta da Associação de Travestis e Transexuais do Estado do Tocantins (Atrato) e vice-presidenta do Conselho Estadual dos Direitos das Pessoas CELGBTQIA+ no Tocantins | Foto: Rozeane Feitosa

“Representa a nossa resistência e a nossa existência. A cada ano, vencemos barreiras. Espero que a sociedade abra mais espaços e veja que pessoas LGBTQIA+ podem estar onde quiserem estar. Eu amo o que faço e quero que outras mulheres trans, por exemplo, se empoderem e busquem seus direitos como cidadãs”, afirma Byanca, sobre o significado do Dia do Orgulho LGBTQIAPN+.

Entre os principais obstáculos enfrentados pela população LGBTQIAPN+ no Tocantins, ela aponta o mercado de trabalho excludente, a evasão escolar e a falta de moradia. “Sem acesso à educação, moradia e emprego, elas enfrentam grandes dificuldades para se inserir na sociedade.” Embora haja iniciativas pontuais do poder público, Byanca avalia que as políticas ainda são limitadas. “A distribuição de preservativos é importante, mas essa ação é voltada para o público em geral, não especificamente para pessoas trans.”

20ª Parada LGBTQIA+ – Foto: José Eduardo Azevedo

Ambulatório Juliete: marco na saúde trans

Uma das conquistas mais significativas para a comunidade no Tocantins nos últimos anos, segundo Byanca, é o funcionamento do Ambulatório Juliete, voltado à saúde trans, dentro do Ambulatório Municipal de Atenção à Saúde Dr. Eduardo Medrado (Amas), em Palmas. A criação da unidade foi fruto de articulações iniciadas em 2017 pela Atrato, com apoio de órgãos como o Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-TO) e Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO). “Mas só em 2024, com a judicialização feita pela associação, o serviço realmente começou a funcionar.”

Ambulatório Amas, em Palmas | Foto: Rozeane Feitosa

Ela destaca que o ambulatório já conta com equipe multiprofissional, oferecendo os primeiros atendimentos psicológicos e endocrinológicos, com previsão de ampliação. “Estou à frente da gestão dessa pauta.”

A unidade tem como foco o atendimento específico à população trans e travesti, promovendo inclusão e cuidado especializado no Sistema Único de Saúde (SUS). “O atendimento no ambulatório visa a melhoria da qualidade dos serviços oferecidos à comunidade como um todo, dentro do SUS. No entanto, o foco do ambulatório é justamente atender às demandas específicas da população trans e travesti.”

Segundo Byanca, há expectativa de expansão do modelo para outras cidades do estado, como Araguaína, Gurupi e Paraíso. Além do acompanhamento psicológico e com endocrinologista, o ambulatório prevê a oferta gratuita de hormonioterapia e cirurgias relacionadas à transição, como histerectomia, mastopexia e retirada do pomo de adão. “A feminização facial ainda não está incluída, mas estamos lutando por isso. Esse é um grande marco.”

Avanços institucionais e políticas públicas

Byanca destaca ainda outras medidas já existentes, como o uso do nome social, a possibilidade de retificação no RG e ações voltadas à integridade de mulheres trans no sistema prisional. “É importante ter uma política eficaz. Fora isso tem o uso do nome social, tem a retificação do nome no RG. E quem não tem a retificação do nome, tem também a opção de inserir o nome social.”

A defensora pública Elydia Leda Barros Monteiro, coordenadora em substituição do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (NDDH) da Defensoria Pública do Tocantins, avalia que houve avanços importantes nos últimos anos na garantia de direitos à população LGBTQIA+, com atuação da Defensoria. “A retificação dos registros, independente de processo transexualizador, tem um valor simbólico importante e ele é muitas vezes um fator que faz com que as pessoas repensem os seus comportamentos preconceituosos. Então, ações de natureza reparatória e também de acompanhamento na esfera penal também auxiliaram o debate e a reflexão social sobre a diminuição do preconceito.”

DPE-TO | Foto: Divulgação

Elydia destaca que o trabalho da Defensoria é transversal e envolve diversos núcleos, a depender da demanda apresentada. Questões de saúde são atendidas pelo Núcleo da Saúde; casos relacionados à família são acompanhados pelas defensorias especializadas em Direito de Família.

“Entendendo que muitas vezes a estrutura, o problema não está apenas na questão LGBT, mas em todas as vulnerabilidades que também cercam aquela questão. Vulnerabilidades sociais com recorte de raça, de gênero e então vamos atuando de uma forma coletiva dentro da Defensoria mesmo”, disse Elydia.

Embora haja avanços, ela reconhece que os obstáculos ainda são numerosos. “Estamos lidando com uma população altamente vulnerabilizada, e esse trabalho exige tempo e esforço contínuo.”

Participação social e entraves

A Atrato, fundada em 2016, mantém articulação com o poder público e integra conselhos de participação social. A entidade promove audiências públicas com a Câmara Municipal, Ministério Público do Tocantins (MP-TO) e órgãos como o Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública e OAB-TO, com o objetivo de construir políticas públicas nas áreas de saúde, empregabilidade e segurança.

Apesar da interlocução com o poder público, Byanca aponta que os direitos da população trans têm enfrentado um momento de estagnação no Tocantins. “O atual governo abraça a causa, mas ainda não avançou com políticas públicas mais robustas.” Ela cita, como exemplo, a dependência de regulamentação do ambulatório por normativas do Ministério da Saúde. “Há muita burocracia e lentidão.”

Capacitação e atendimento

Na área da saúde, um dos gargalos identificados por Byanca é a falta de qualificação de profissionais para atender a população LGBTQIAPN+. “Ainda há muitos profissionais sem preparo, que usam pronomes errados ou demonstram preconceito no atendimento. Temos lutado para qualificar esses profissionais.”

Parada LGBT reúne pessoas em prol da garantia e igualdade de direitos | Foto: Uendel Souza

Dados sobre LGBTfobia no Tocantins

Levantamento feito pelo Jornal Opção Tocantins com base nos Anuários Brasileiros de Segurança Pública de 2023 e 2024 mostra oscilações nos registros de violência contra a população LGBTQIAPN+ no Tocantins. Os dados foram repassados pelas Secretarias Estaduais de Segurança Pública ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Entretanto, os números divulgados podem estar abaixo da realidade, uma vez que muitos crimes não são notificados ou não recebem o enquadramento correto como LGBTfobia.

Em 2021, o estado registrou 30 casos de lesão corporal dolosa contra pessoas LGBTQIAPN+, segundo o Anuário de 2023. Em 2022, o número caiu para 18, uma redução de 40%. No entanto, em 2023, o total voltou a crescer, com 33 registros — um aumento de 83,3% em relação ao ano anterior.

Foto: Vitoria Soares/Governo do Tocantins

Os homicídios dolosos se mantiveram estáveis entre 2021 e 2022, com dois casos registrados em cada ano. Em 2023, houve uma queda, com um caso registrado. Quanto aos crimes de estupro, o Tocantins contabilizou quatro ocorrências em 2021 e 2022, e três em 2023 — uma redução de 25%.

Apesar das estatísticas, Byanca afirma que a violência contra pessoas trans continua sendo uma realidade grave. “A violência verbal e física ainda é muito presente. E o assassinato de pessoas trans, principalmente no norte do Estado, ocorre com frequência — muitas vezes sem que a associação sequer fique sabendo.” Ela critica a falta de respeito ao nome social nas delegacias e a ausência de um banco de dados eficiente.

“Precisamos urgentemente de mais sensibilidade e compromisso dos órgãos públicos”, alerta.

Panorama nacional

No cenário nacional, o Brasil registrou 230 mortes violentas de pessoas LGBTQIAPN+ em 2023, de acordo com o Observatório de Mortes e Violências LGBTI+. Foram 184 assassinatos, 18 suicídios e 28 mortes por outras causas. Também foram contabilizados 3.673 casos de lesão corporal dolosa, 214 homicídios dolosos — aumento de 41,7% em relação a 2022 — e 354 casos de estupro.