Cerca de 100 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) denunciaram prisões e ameaças durante uma ação da Polícia Militar do Tocantins no acampamento Beatriz Bandeira, em Marianópolis, no Vale do Araguaia, nesta segunda-feira,18. A ação policial teria sido acompanhada por um fazendeiro, seu advogado e funcionários. Entre os quatro detidos estão duas mulheres, uma delas mãe de uma recém-nascida.

O caso envolve o lote 24 do Loteamento Marianópolis, com 1.003 hectares, que segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é terra pública da União. O órgão já vistoriou a área e prevê a criação de assentamento para famílias cadastradas em 2024.

“Diante da falta de amparo legal, o MST exige a manifestação imediata da Câmara de Conciliação Agrária do Incra, da Secretaria de Segurança Pública do Tocantins, da Superintendência Regional do Incra no Tocantins e da Ouvidoria Agrária Nacional. Enquanto isso, as demais famílias permanecem acampadas na área, aflitas e preocupadas com o que pode acontecer”, disse o MST.

A entidade acrescenta que a “luta dessas famílias é para que o lote 24, área de terra pública da União localizada na região do Cantão, Vale do Araguaia, seja destinado para fins de reforma agrária. A região já conta com vários assentamentos criados pelo Incra, reforçando a legitimidade da demanda por justiça social e acesso à terra”.

Segundo o Incra, a ação ocorreu sem que o órgão fosse notificado. Nesta terça-feira, 19, o instituto informou ao Jornal Opção Tocantins que a Câmara Nacional de Conciliação de Conflitos Agrários enviou ofício ao governo do Estado e ao Comando da PM solicitando esclarecimentos sobre eventual decisão judicial ou ato administrativo que tenha autorizado a operação.

O Incra lembra que o título definitivo da área, emitido pelo Instituto de Terras do Tocantins (Itertins), foi declarado nulo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Civil Originária nº 478. A decisão cancelou também registros subsequentes em cartório, reconhecendo o terreno como federal.

Em contrapartida, a Polícia Militar afirma que agiu dentro da legalidade, em atendimento a uma ocorrência de esbulho possessório. De acordo com a corporação, o solicitante apresentou documentos e alegou posse legítima. A operação, segundo a PM, garantiu o exercício do “desforço possessório imediato”, previsto no artigo 1.210 do Código Civil, que autoriza a retomada direta da posse, sem necessidade de ordem judicial, desde que de forma proporcional.

A PM sustenta que não houve excessos e nega ameaças ou violência contra as famílias, afirmando que todas as ações seguiram protocolos técnicos e respeito aos direitos humanos.

O que diz a PM

A Polícia Militar do Tocantins (PMTO), em resposta aos questionamentos sobre a atuação no Acampamento Beatriz Bandeira, em Marianópolis, esclarece os fatos:

A PMTO informa que foi acionada na data de 18 de agosto para atender a uma ocorrência de esbulho possessório em uma propriedade rural cujo solicitante apresentou documentação da terra e afirmou que a posse era exercida de forma legal e pacífica pelo mesmo no local.

A atuação da corporação se deu em estrito cumprimento da lei, para garantir a segurança e o exercício do desforço possessório imediato, prerrogativa legal assegurada ao possuidor pelo Artigo 1.210 do Código Civil. Tal dispositivo autoriza a autodefesa da posse, desde que realizada de forma imediata e proporcional, não exigindo prévia ordem judicial para sua execução. A função da Polícia Militar, nestes casos, é garantir que o exercício desse direito ocorra sem excessos e dentro da ordem pública.

A PMTO reitera que todas as suas ações, especialmente em situações de conflito agrário, são pautadas por rigorosos protocolos técnicos e pelo absoluto respeito aos Direitos Humanos. Alegações de ameaças ou violência por parte do efetivo policial são infundadas e não correspondem à conduta adotada na operação.

A Polícia Militar do Tocantins reafirma seu compromisso com a atuação técnica, imparcial e legal, visando a manutenção da ordem e a garantia dos direitos de todos os cidadãos.

O que diz o Incra

O Incra esclarece que o Lote 24 da Gleba 2 do Loteamento Marianópolis é terra pública federal, situada no município de Marianópolis (TO).

O lote tem área de 1.003 hectares e foi vistoriado pelo Incra para destinação ao Programa Nacional de Reforma Agrária. Na área em questão será criado assentamento para promover a seleção de candidatos e a destinação de lotes aos aprovados como beneficiários da reforma agrária.

Sobre o despejo de famílias do acampamento Beatriz, o Incra informa que não foi notificado da reintegração de posse, efetuada pela Polícia Militar do Estado do Tocantins em área pública federal. Diante do ocorrido, a Câmara Nacional de Conciliação de Conflitos Agrários do Incra enviou ofício, hoje (19/08), solicitando informações à Secretaria de Segurança Pública do Estado do Tocantins e ao Comando Geral da Polícia Militar sobre eventual decisão judicial ou ato administrativo determinando a intervenção na área de propriedade da União.

O Incra esclarece que o referido lote foi objeto da Ação Civil Originária nº 478, transitada e julgada, com decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu pela nulidade do Título Definitivo nº 1.449, emitido pelo Instituto de Terras do Estado do Tocantins (Itertins), incidente no Loteamento Marianópolis. A decisão do STF determinou o cancelamento da matrícula efetuada em nome de particulares pelo Registro de Imóveis do Município de Marianópolis do Tocantins com base no título do Itertins. A ação estendeu também a nulidade aos negócios e aos registros subsequentes, visto que a área do loteamento foi arrecadada pela União.