O Estado de Goiás ingressou com uma Ação Cível Originária (ACO) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o Estado do Tocantins nesta semana, alegando ocupação irregular de uma área de 12,9 mil hectares localizada ao norte do município de Cavalcante próximo à Paranã, no Quilombo Kalunga dos Morros, região do Complexo do Canjica, na Chapada dos Veadeiros. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) de Goiás afirma que o Tocantins teria avançado sobre o território goiano, amparando-se em um erro topográfico registrado em 1977 pelo Exército Brasileiro.

De acordo com o governo goiano, a confusão se deve à troca de nomes de cursos hídricos, o Rio da Prata e o Córrego Ouro Fino, em uma carta elaborada pela Diretoria de Serviço Geográfico (DSG) do Exército. O equívoco teria levado o Tocantins a considerar como seu um território historicamente administrado por Goiás, onde vivem cerca de 300 pessoas.

A ação protocolada no STF atende a um pedido da Prefeitura de Cavalcante, que denunciou movimentações recentes de agentes públicos tocantinenses na região. Segundo o prefeito Vilmar Kalunga (PSB), a presença do Tocantins começou a ser notada em 2019, quando o governo vizinho entregou painéis de energia solar à comunidade. Ele afirma que o município de Cavalcante sempre prestou serviços básicos à população da área disputada, incluindo manutenção de estradas, educação e saúde. Além disso, acrescenta que o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) caiu em cerca de R$ 200 mil por mês, porque parte da população deixou de ser contabilizada no Censo.

O procurador-geral de Goiás, Rafael Arruda, afirmou que o governo goiano tenta resolver o impasse há mais de cinco anos. “Foram feitas tratativas com o Exército, o IBGE e até com a Procuradoria do Tocantins, mas não houve resposta ou abertura para conciliação”, disse. Segundo ele, o portal turístico instalado na estrada vicinal que dá acesso ao Complexo do Canjica com a frase “Bem-vindo ao Tocantins” é uma das evidências da “ocupação inconstitucional” do território.

O Instituto Mauro Borges (IMB) elaborou um relatório técnico que embasa a ação. O documento confirma a confusão na denominação dos cursos d’água e reforça que, pela lei de criação do Tocantins (Lei nº 8.111/1976), os limites entre Cavalcante e Paranã seriam definidos pelo Córrego Ouro Fino até sua junção com o Rio da Prata.

Na prática, o erro cartográfico alterou a fronteira natural, gerando efeitos em diferentes áreas: sociais, fundiárias, eleitorais e tributárias. Há relatos de moradores que perderam o acesso a programas como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) por não conseguirem comprovar o município de residência. 

Tocantins ainda não se manifestou

A Procuradoria-Geral do Tocantins (PGE-TO) foi procurada, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.

A área em disputa é conhecida do governador afastado Wanderlei Barbosa (Republicanos). Em março deste ano, ele visitou a região e lamentou o vandalismo de uma placa que demarcava a suposta divisa entre os dois estados. Na ocasião, o governador defendeu o diálogo e afirmou que o limite entre Tocantins e Goiás “deve ser definido de modo racional, respeitando a Constituição e a história da criação do Estado”.

“Não há necessidade de destruir uma placa ou um portal. A divisa será definida sentando-se à mesa, de forma racional. Estamos seguindo a definição constitucional. Conversando tudo se resolve, sem trauma”, disse Wanderlei em uma publicação nas redes sociais. Segundo um relatório de buscas da Polícia Federal no âmbito da Operação Fames-19, uma propriedade rural, que seria do governador e foi alvo da ação policial, fica localizada na região. O gestor afastado não quis comentar o caso.

Com o processo no STF, caberá à Corte decidir a quem pertence oficialmente a área. Até lá, Goiás pede liminar para que o Tocantins suspenda obras, serviços e intervenções na região e remova o portal turístico instalado no acesso ao Complexo do Canjica.