Feira do Bosque completa quase 30 anos entre queixas de abandono e reivindicações por estrutura em Palmas
16 novembro 2025 às 10h16

COMPARTILHAR
Inaugurada em 17 de dezembro de 1995 e reconhecida como Patrimônio Turístico e Histórico do Tocantins desde 2009, a Feira do Bosque consolidou-se como um dos principais espaços de convivência e cultura de Palmas. Criada para concentrar artesãos que, nos primeiros anos da capital, trabalhavam de forma dispersa, a feira tornou-se referência para quem busca comida típica, artesanato e encontro comunitário.
Mas, apesar da relevância histórica, o espaço convive com problemas que, segundo feirantes, têm afetado o público e reduzido a renda, especialmente no período chuvoso.
Feirantes pioneiros relatam dificuldades que passam por falta de fiscalização sanitária, insegurança, deficiências estruturais e ausência de incentivo cultural. Para muitos, a soma desses fatores tem diminuído o fluxo de visitantes e prejudicado diretamente o trabalho no local.
“Estrutura? Nada. Zero.”
“A vigilância sanitária não anda aqui, nem nessa feira e nem na 112. Manipula alimento, serve sem nenhum tipo de controle, nenhuma verificação. A gente faz tudo certinho, mas a maioria faz aqui mesmo. Faz muito tempo que não aparece ninguém, muitos anos, nem sei dizer quanto”, contou João de Paulo de Nárcia, responsável há 12 anos por uma barraca de milho tradicional. Ele afirma que a situação deixa vendedores e consumidores vulneráveis e que a estrutura básica reforça essa precariedade.
Segundo o feirante, problemas como esgoto exposto, banheiros deteriorados e falta de local adequado para higienização se arrastam há anos. “Estrutura? Nada. Zero. Vai ali ver o esgoto. Aquela salinha com a pia é o que tem para lavar as mãos. A gente usa tudo descartável, mas quem precisa lavar alguma coisa sofre. A pia tá quase caindo.”

Para tentar manter os banheiros minimamente utilizáveis, os próprios feirantes organizavam uma vaquinha. “Tava vindo duas mulheres limpar. A gente contribuía com cinco reais cada. A limpeza quem paga é a gente. É básica, não tem como fazer uma limpeza boa. Quando chovia, entupia tudo. Eu entrava de chinelo com dificuldade.” Ele acredita que essa condição afasta turistas. “O povo daqui ainda vem, porque o povo é meio grosseiro. Mas turista? Vem de longe e encontra um banheiro nojento. Aí não volta mais.”

Há cinco anos trabalhando na feira, dois deles como feirante e três no apoio, Neide, responsável por uma barraca de tapioca e comidas veganas, aponta a segurança como a principal preocupação. “Eu não falo em melhorar. Eu falo em mudança. Segurança é o principal. Já teve furto várias vezes, aqui não tem segurança, não tem policiamento, não tem nada.”

Ela também relata frequentes quedas de energia e critica a retirada do palco que, segundo ela, movimentava a feira. “Energia cai muito. E derrubaram o palco, não sei para quê, só para embolsar dinheiro. Aquele palco era para o povo, atraía gente.” Com a chegada do período chuvoso, afirma que o movimento cai drasticamente. “Dizem que tem um projeto, mas acho que nem saiu do papel. Não tem assistência nenhuma quando chove.”
A feirante também cita dificuldades para atuar em outras feiras da cidade devido à burocracia e ao valor da taxa anual. “Eu pago R$ 2.000 por ano para a prefeitura. Para não ter nada, eu pago para trabalhar. Ainda tem a taxa mensal de R$ 200 para montar a barraca, e quem monta fala com grosseria.”
No setor de artesanato, o feirante Gildázio, que há duas décadas trabalha com capim-dourado, afirma que a Feira do Bosque já viveu dias de maior movimento. “Essa feira já foi muito boa. Quem quiser entrar hoje tem que ter coragem, porque não dá mais o que dava. Não temos incentivo do governo estadual nem municipal. Nada.” Para ele, a retirada do palco também prejudicou a atração de turistas. “Antigamente tinha palco, apresentação ao vivo. Acabou. Arrancaram. Não tem nada que atraia o turista. No fim de ano, levam tudo para outras praças e aqui fica esquecido., pode ver que muitas feiras recebem decoração de natal e aqui nada”

Durante as chuvas, diz que muitos artesãos chegam a retornar para casa sem nenhuma venda. “Não existe feira no período chuvoso. Não tem tenda grande, não tem estrutura para ninguém ficar. A gente estica lona na barraca e espera passar, mas perde a tarde de venda. Muitas vezes volta para casa sem vender nada.” Ele afirma pagar cerca de R$ 60 de taxa de montagem por domingo e aproximadamente R$ 245 anuais para atuar no espaço.

Há cinco anos na Feira do Bosque com uma barraca de produtos naturais e fitoterápicos, Mateus diz esperar que a gestão municipal tenha uma presença mais constante no espaço e ofereça apoio básico aos empreendedores. Segundo ele, a falta de acompanhamento do poder público se reflete em problemas simples que acabam comprometendo o funcionamento da feira.
“Eu acho que é fácil, é só vir mais e participar mais. A gente vê muita participação só em épocas de eleição, mas a prefeitura precisava estar mais presente. Coisas básicas, como hoje mesmo: os próprios servidores ali estavam se organizando para tentar custear uma reforma no banheiro. São coisas pequenas, simples, que deveriam ser feitas pela gestão”, afirmou.


Ele relata que até mesmo a energia elétrica tem se tornado um obstáculo. “A luz caiu quatro vezes na semana passada, no domingo passado mesmo. Essa oscilação é muito ruim para o feirante. Às vezes a gente monta tudo, deixa tudo pronto e a luz acaba. Aí não tem como vender. A gente fica esperando e lidando com essas oscilações.”

Para Mateus, o que falta é um cuidado mais regular da prefeitura, especialmente em espaços que movimentam tanto a cidade. “É mais um cuidado pontual da prefeitura com a cidade como um todo, mas principalmente nesses pontos de comércio, que movimentam tanto a cultura quanto a economia local.”
Feirantes também ressaltam que muitos dos empreendedores dali participam do Festival Gastronômico de Taquaruçu, contribuindo para a economia criativa local. Com a queda no movimento e a falta de incentivo, temem que essa rede também se enfraqueça.


O que diz a Prefeitura de Palmas
Em nota, a Prefeitura informou que mantém cronograma de limpeza dos banheiros e lavatórios às segundas e sextas e que realiza vistoria técnica semanal em toda a estrutura. Disse ainda que, se algum problema for apontado por feirantes ou identificado nas inspeções, a manutenção é executada imediatamente. Sobre depredações, orientou que denúncias sejam feitas ao Disque 153.
A Secretaria Municipal da Saúde informou que a Vigilância Sanitária realizará ações educativas no local, com orientação a feirantes e visitantes, e que as fiscalizações seguem ocorrendo rotineiramente na capital conforme planejamento.
A gestão não esclareceu, até o fechamento desta matéria, o valor oficial da taxa anual cobrada dos feirantes da Feira do Bosque, ponto que apresenta divergências entre os relatos.
Um espaço histórico que pede novos cuidados
Tombada como patrimônio municipal e referência cultural de Palmas, a Feira do Bosque segue como um dos pontos de encontro mais tradicionais das famílias palmenses. Para quem trabalha ali, porém, os desafios têm se acumulado: estrutura insuficiente, insegurança, problemas de iluminação, queda no público e ausência de políticas de incentivo.
Os feirantes dizem esperar que a nova gestão municipal recupere o espaço, garanta condições dignas de trabalho e valorize uma feira que, há quase três décadas, ajuda a contar a história da capital.
