Higor Franco: “Gestão pública eficiente é aquela que antecipa dificuldades e ajusta gastos sem sacrificar o serviço público”
02 novembro 2025 às 07h58

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Nos últimos meses, a crise orçamentária que atinge municípios de todo o Tocantins tem ganhado destaque nas pautas econômicas e administrativas do estado. Quedas nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), oscilações na arrecadação do ICMS e o aumento das despesas com pessoal e previdência têm pressionado o equilíbrio financeiro das prefeituras. Em cidades como Palmas, Porto Nacional, Paraíso do Tocantins e Araguaína, medidas de contenção como cortes de gastos, exonerações, parcelamentos e centralização de despesas, tornaram-se inevitáveis.
Para compreender melhor as causas, os impactos e as possíveis saídas desse cenário, o Jornal Opção Tocantins conversou com o economista Higor Franco, bacharel em Economia, especialista em Orçamento Público, pós-graduado em Administração Pública e Gerência de Cidades, mestre em Auditoria e Perícia em Contratações Públicas e doutorando em Licitações e Contratações Públicas. Com mais de 20 anos de experiência em administrações municipais, estaduais e federal, além de atuação no setor bancário e à frente de uma empresa de auditoria e consultoria econômica, Higor também é conselheiro e ex-presidente do Conselho Regional de Economia do Tocantins.
Nesta entrevista, ele analisa os fatores que levaram à crise, comenta a situação dos municípios tocantinenses e explica quais caminhos podem ajudar as gestões locais a recuperar o equilíbrio fiscal.
Na sua visão, quais fatores econômicos podem estar provocando essas reduções de repasses, já que há uma diferença clara entre as esferas federal, estadual e municipal?
A queda de repasses é consequência direta da redução na arrecadação de impostos, taxas e tributos em todas as esferas. Quando o governo federal arrecada menos, o reflexo chega automaticamente aos estados e municípios, já que o FPM é composto por parte dessestributos federais. No caso de cidades como Porto Nacional, a prefeitura precisou reduzir cerca de 200 funcionários e decretar medidas de contenção porque o planejamento orçamentário não previu uma queda tão brusca no fundo. Isso mostra que há um problema duplo: de um lado, o comportamento econômico nacional que influencia a arrecadação; de outro, a falta de planejamento local, que deixa as gestões vulneráveis a qualquer oscilação de receita.
Muitos municípios estão cortando pessoal. Esse seria o caminho mais adequado?
Cortar pessoal é uma medida extrema, que deveria ser o último recurso. Antes disso, o gestor precisa reduzir o que chamamos de custos de custeio, despesas administrativas que não comprometem o funcionamento dos serviços públicos. Isso inclui gastos com veículos, combustível, impressoras, energia, água, locações de prédios e contratos de manutenção. Quando se corta servidores de imediato, o município compromete atividades essenciais, porque a mão de obra é a base de toda estrutura pública. Se há excesso de pessoal, isso indica que faltou planejamento na contratação, não que o corte vá resolver o problema.
Gestão pública eficiente é aquela que antecipa dificuldades e ajusta gastos sem sacrificar aestrutura de atendimento.
Muitos municípios gastam altos valores em festas e temporadas de praia, mesmo em meio a crises fiscais. Cortar esses gastos seria uma medida eficaz?
Depende. Existem festas que fazem parte da tradição cultural e ajudam a movimentar aeconomia local, como as temporadas de praia, o São João, o Natal ou o Réveillon. O que precisa ser avaliado é de onde vem o recurso e qual o retorno que ele gera. Se a verba é proveniente de emendas parlamentares, por exemplo, é preciso comprovar que o investimento trouxe resultado. No caso de município que gastam milhões numa temporada de praia, a prefeitura tem obrigação de demonstrar que esse evento aqueceu o comércio, gerou empregos temporários e movimentou a rede hoteleira. Agora, se não houve retorno econômico nem social, é sinal de desperdício. Nesse caso, ocorreto seria reduzir, gastar R$ 1 milhão em vez de R$ 2 milhões, por exemplo, planejar melhor e aplicar o restante em áreas prioritárias, como saúde e infraestrutura.
Essa lógica vale para todos os municípios tocantinenses?
Sim, todos os 139 municípios precisam entender que um decreto de contingenciamento não é só uma peça burocrática, é uma ferramenta de planejamento. Ele deve ser usado para rever contratos, realocar recursos e readequar o orçamento à nova realidade. O erro comum é fazer cortes sem critério, o que gera desorganização e até paralisação de serviços. Um decreto bem elaborado define prioridades e garante o funcionamento mínimo das áreas essenciais.
O FPM é uma das principais fontes de receita dos municípios pequenos. Como ele funciona, de forma simples?
O Fundo de Participação dos Municípios é composto por parte da arrecadação de tributos federais, como o Imposto de Renda e o IPI. A União repassa esses valores de acordo com critérios populacionais e de renda, beneficiando principalmente os municípios menores.
O problema é que, nessas cidades, o FPM representa quase toda a receita. É com ele que se paga folha de servidores, manutenção de prédios, contas básicas e pequenos investimentos. Como esses municípios arrecadam pouco de IPTU e taxas locais, qualquer queda no fundo tem impacto imediato. E quando essa queda vem de forma contínua, como estamos vendo agora, as prefeituras entram em colapso.
Mesmo em cidades maiores, como Palmas, houve queda no repasse. O que pode explicar isso?
Isso mostra que o problema é estrutural. Palmas tem outras fontes de renda, como IPTU, ISS, multas e royalties, mas ainda assim sente o efeito. A diferença é que, nos municípios grandes, a queda do FPM não causa colapso, mas exige um planejamento mais estratégico. Se a arrecadação federal diminui, o gestor precisa projetar cenários, antecipar contingências e ajustar o orçamento antes da crise se instalar. Quando isso não é feito, a queda de repasses pega o município de surpresa, e as medidas acabam sendo tomadas de forma emergencial, sem estratégia, o que é sempre ruim para a gestão pública.
E o que causou a queda na arrecadação federal, que afeta o FPM?
O principal fator é a instabilidade política e econômica. Quando há insegurança, o setor produtivo perde confiança, reduz investimentos e retém capital. Isso faz com que o consumo caia, as empresas recolham menos impostos e a arrecadação despenque. No Tocantins, temos ainda o exemplo da prorrogação do pagamento do IPVA anunciado por Laurez Moreira. Essa decisão representou uma renúncia de receita importante, que poderia estar reforçando o caixa do Estado. Quando o governo deixa de arrecadar no prazo, perde liquidez e atrasa repasses, o que prejudica toda a cadeia econômica.
Essa instabilidade então afeta diretamente a economia local?
Sem dúvida. O empresário, ao perceber instabilidade, deixa de vender para o poder público e reduz contratações. Isso impacta diretamente na arrecadação de ICMS e ISS, além de gerar desemprego e inadimplência. É um ciclo em que todos perdem: o Estado arrecada menos, o comércio vende menos e a população perde poder de compra. Por isso, estabilidade política e credibilidade na gestão são fatores fundamentais para manter a economia girando.
E a Lei de Responsabilidade Fiscal, como atua nesse contexto?
Ela é o principal instrumento para garantir equilíbrio. A LRF estabelece limites de gasto compessoal e exige que o gestor aja com prudência. Em momentos de crise, é precisoreadequar contratos, rever licitações e, se necessário, paralisar temporariamente obras.
Isso não significa abandonar projetos, mas ajustar o cronograma à capacidade financeira real. É preferível entregar uma unidade de saúde menor, mas funcional, do que começar uma grande e deixar parada por falta de recursos.
Muitas prefeituras têm recorrido a emendas parlamentares. Essa é uma saída viável?
As emendas parlamentares são válidas, mas não podem ser tratadas como solução permanente. Elas devem ser complementares ao orçamento municipal, não a base dele. Se o município depende exclusivamente de emendas, vive sob risco, porque esses recursos são sazonais e, em anos eleitorais, acabam sendo usados com fins políticos. O ideal é utilizá-las com planejamento, em obras estruturantes e com total transparência.
Há exemplos de gestões que conseguiram sair de crises semelhantes?
São poucos. O que mais se vê são licitações suspensas por irregularidades, aditivos sucessivos e obras inacabadas. Isso acontece porque o planejamento até existe no papel, o Plano Plurianual é bem elaborado, mas a execução falha por falta de controle e fiscalização.
As empresas às vezes participam de licitações com preços inexequíveis, ganham e depois pedem aditivos. Esse ciclo compromete o orçamento e agrava a crise.
Diante disso, o que o cidadão comum precisa saber sobre essa crise fiscal?
Que os efeitos chegam diretamente até ele. Quando o Estado e os municípios arrecadam menos, há menos recursos para saúde, educação, transporte e programas sociais. A inflação cresce, o salário não acompanha e o custo de vida aumenta.
O cidadão precisa entender que a gestão pública é feita com o dinheiro dele. Por isso, deve participar, acompanhar as audiências públicas de orçamento e cobrar transparência. A Lei da Transparência garante esse direito, e quanto mais a sociedade fiscaliza, menor é o espaço para desperdício e má gestão.
E quais os impactos locais, especialmente para os pequenos empresários e comerciantes de Palmas?
O impacto é imediato. Quando centenas de servidores são demitidos, o consumo cai. Essas pessoas deixam de comprar, e o comércio sente na hora. É um efeito dominó: menos renda circulando, menos vendas, menos arrecadação. Por isso, cortar pessoal é sempre a pior alternativa. O caminho é reduzir custeio, enxugar contratos e manter a economia ativa.
Em resumo, qual é o ponto central que os gestores precisam compreender nesse momento?
Que planejamento é a chave. Crise se enfrenta com gestão técnica, e não com improviso. É preciso coragem para rever prioridades, cortar desperdícios e reequilibrar as contas, massem sacrificar o serviço público nem o trabalhador. Quando o gestor planeja, ele consegue passar pela crise de pé. Quando age no impulso, o caos se instala.
