‘Investir lá em cima’: Operação Sisamnes descobriu que lobista negociava até R$ 20 milhões para garantir decisões no STJ
28 outubro 2025 às 14h27

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A Polícia Federal identificou um suposto esquema de compra e venda de decisões judiciais que teria alcançado o Superior Tribunal de Justiça (STJ). As apurações fazem parte da Operação Sisamnes, que investiga contratos milionários de advocacia e consultoria usados, segundo os investigadores, para garantir “decisões previamente combinadas” em tribunais superiores. As informações foram obtidas pelo Estadão.
Um dos principais alvos é o advogado Roberto Zampieri, apontado pela PF como lobista de venda de sentenças. Em diálogo interceptado pela investigação, ele orienta o também lobista Andreson de Oliveira Gonçalves a preparar “uns R$ 20 milhões para investir lá em cima”, expressão que, segundo a PF, seria uma referência ao STJ. A conversa ocorreu em março de 2022, pouco antes de Zampieri ser assassinado em Cuiabá, em dezembro de 2023.
As mensagens analisadas pela Polícia Federal levantam suspeitas sobre servidores ligados aos gabinetes das ministras Isabel Gallotti e Nancy Andrighi e do ministro Og Fernandes. Nenhum dos ministros é alvo da investigação.
Em nota, o gabinete de Gallotti afirmou desconhecer o conteúdo do inquérito, que corre sob sigilo, mas informou estar à disposição para colaborar. A assessoria de Andrighi declarou que processos de responsabilização estão em curso para esclarecer os fatos. Já Og Fernandes afirmou, por meio de sua assessoria, que não tem conhecimento dos novos desdobramentos e defendeu a punição de eventuais responsáveis.
Entre os servidores citados estão Daimler Alberto de Campos, ex-chefe de gabinete de Gallotti; Márcio José Toledo Pinto, que também atuou no STJ e foi exonerado após sindicância interna; e Rodrigo Falcão, ex-chefe de gabinete de Og Fernandes. Todos são investigados por possível manipulação de decisões e vazamento de informações sigilosas.
“Mercado paralelo” de influência
Relatório da PF, assinado pelo delegado Marco Bontempo e obtido pelo Estadão, descreve o funcionamento de um “mercado paralelo de influência” sustentado por contratos de advocacia que, na prática, serviriam para viabilizar decisões favoráveis. O documento, de 426 páginas, é conduzido sob sigilo pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal.
Segundo a investigação, o esquema operava em duas frentes: uma “de fora para dentro”, quando empresários e advogados buscavam corromper agentes do Judiciário; e outra “de dentro para fora”, em que assessores de gabinetes ofereciam decisões em troca de pagamentos — transformando processos em objetos de negociação e até “leilão”.
Movimentações milionárias e indícios de lavagem
A quebra de sigilo bancário de Zampieri revelou movimentações consideradas atípicas. Entre 2019 e 2023, ele transferiu R$ 7,18 milhões à empresa Florais Transportes, de Andreson Gonçalves. A PF identificou ainda R$ 12,7 milhões em saques em espécie, além da compra de relógios Rolex, o que os investigadores apontam como tentativa de dissimular patrimônio.
Mensagens também mostram repasses relacionados à empresa Fource Participações, do empresário Haroldo Augusto Dias, que seria representado por Zampieri em causas de recuperação de crédito. A PF encontrou 43 transações entre contas ligadas ao grupo Fource e o espólio de Zampieri, somando R$ 14,5 milhões.
As investigações seguem em sigilo, e a PF avalia que novos nomes ainda podem ser identificados no suposto esquema.
Origem da operação
A Operação Sisamnes — nome inspirado em um juiz corrupto da mitologia persa — começou investigando a venda de sentenças em tribunais estaduais. As apurações evoluíram após surgirem menções a gabinetes do STJ, o que levou o caso ao Supremo Tribunal Federal.
O inquérito já atingiu tribunais de Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, São Paulo, Espírito Santo e Maranhão, onde há suspeitas de decisões negociadas em troca de propinas. As investigações levaram ao afastamento de 16 desembargadores e sete juízes de primeira instância. No campo administrativo, os casos são acompanhados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), enquanto as apurações criminais seguem sob supervisão do STF.
No Tocantins, a Operação Sisamnes teve desdobramentos importantes, com a prisão de figuras conhecidas da política e do meio jurídico, entre elas o prefeito de Palmas, Eduardo Siqueira Campos, o advogado Thiago Marcos Barbosa de Carvalho, sobrinho do governador Wanderlei Barbosa, o policial civil Marco Augusto Velasco Albernaz e o advogado Antônio Ianowich Filho. As investigações da Polícia Federal indicam que o grupo teria participado de um esquema de vazamento de informações sigilosas e possível interferência em investigações e processos judiciais, conectando-se ao núcleo nacional suspeito de comercializar decisões no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
