A Justiça Federal suspendeu, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), a licença concedida para a remoção das rochas do Pedral do Lourenço, no Rio Tocantins, no Pará. A medida atinge diretamente o projeto da hidrovia Araguaia-Tocantins, planejado para facilitar o escoamento de grãos e minérios até os portos da região amazônica. A licença havia sido emitida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O processo de licenciamento tramitava desde 2014 e foi autorizado em maio de 2025. A proposta previa a remoção de rochas do leito do rio para ampliar a largura e profundidade do canal, o que permitiria a passagem segura de grandes embarcações, especialmente em períodos de seca. O governo federal apresentou a obra como parte de uma estratégia de logística sustentável, que pretende reduzir custos e emissões no escoamento de grãos e minérios.

No entanto, segundo o MPF, a autorização foi concedida sem o cumprimento de exigências legais e judiciais. O principal questionamento diz respeito à ausência de consulta prévia a comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas que vivem nas proximidades, como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

De acordo com o procurador da República Rafael Martins da Silva, essas populações deveriam ter sido ouvidas desde o início do processo. Ele afirma que o projeto foi conduzido sem diálogo suficiente, o que pode gerar consequências permanentes para a vida das comunidades locais.

Pedral do Lourenço, rio Tocantins, Pará – Foto: Ronaldo Macena/ Divulgação

Comunidades atingidas

Apesar da alegação de que não haveria comunidades diretamente atingidas, documentos do próprio Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), responsável pela obra, reconhecem pelo menos dez comunidades impactadas. Entre elas, está a Vila Santa Terezinha do Tauiri, apontada como área estratégica para o andamento do projeto.

Além das questões sociais, o MPF também aponta falhas técnicas e ambientais. Estudos sobre os impactos das explosões em espécies ameaçadas, como o boto-do-Araguaia e a tartaruga-da-Amazônia, são considerados inconclusivos. Para o órgão, ainda há lacunas importantes nas análises sobre os efeitos da obra na fauna aquática.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou, entre os dias 17 e 21 de junho, o Mutirão dos Atingidos do Baixo Tocantins contra a Hidrovia Tocantins-Araguaia – Foto: Jordana Ayres

Outro ponto questionado pelo MPF é a postura adotada pelo DNIT, que ora classifica a obra como um grande projeto de infraestrutura, ora como uma intervenção pontual. Para o Ministério Público, essa ambiguidade visa reduzir o alcance das obrigações legais e limitar as compensações socioambientais.

No Tocantins, a liberação da licença havia sido comemorada por autoridades políticas. Em maio de 2025, o governador Wanderlei Barbosa, o vice-governador Laurez Moreira, o deputado federal Ricardo Ayres e a ex-senadora Kátia Abreu destacaram a obra como estratégica para o desenvolvimento da região, sobretudo para a logística do agronegócio.