Neste domingo, 5 de outubro, o Tocantins celebra 37 anos de criação, o mais jovem estado brasileiro, fruto de reivindicações e mobilizações, nasceu oficialmente em 1988.

Entre memórias de quem viveu os primeiros passos e os sonhos de quem já olha para o futuro, é possível entender como a identidade tocantinense vem sendo firmada ao longo de pouco mais de três décadas.

A reportagem ouviu duas vozes de gerações diferentes, mas ligadas pela experiência de viver e transformar o Tocantins: o poeta, jornalista, escritor e ativista cultural Zacarias Martins, 68 anos, que chegou ao território ainda quando era norte de Goiás, acompanhou os primeiros anos do estado e se tornou um dos poetas contemporâneos mais destacados da região, com obras publicadas e participação ativa na literatura e cultura local; e a jovem jornalista e modelo Gabriela Carneiro, 22 anos, nascida e criada em Palmas, vencedora regional de prêmios de comunicação, autora de um livro-reportagem sobre racismo e saúde mental, e que observa e participa da construção do futuro do Tocantins.

Começando do zero

“Os maiores desafios enfrentados pelo povo tocantinense, no início da criação do Estado, foram decorrentes do fato de que estávamos começando do zero. Faltava muita coisa, era um trabalho pioneiro”, lembra Zacarias Martins. Para ele, o Tocantins surgiu de uma necessidade histórica de autonomia, após décadas de dependência administrativa de Goiás. “Antes, para conseguir benefícios para as cidades do norte e nordeste, era preciso ir até Goiânia. Políticos apareciam apenas em época de eleição, a cada quatro anos.”

O poeta recorda os esforços de dois deputados que marcaram a trajetória do novo estado: José Wilson Siqueira Campos e José dos Santos Pereira, conhecidos como Zé dos Santos. “Apesar de serem de partidos rivais, tinham algo em comum: o amor pela região. Na primeira eleição do Tocantins, ambos disputaram o governo. Foi uma disputa acirrada, praticamente um massacre”, lembra.

Palmas em construção

Zacarias estava presente na criação da capital, Palmas, e em Miracema, capital provisória. Ele recorda o Palácio Araguaia em Miracema funcionando em um prédio simples adaptado, e o cotidiano improvisado em Palmas: “As secretarias funcionavam em prédios de madeira, e era comum servidores dormirem em colchões dentro dos próprios locais de trabalho, pois não havia hotéis suficientes. Restaurantes eram improvisados em barracões, e lobos-guarás circulavam à procura de comida. Era tudo muito simples, mas havia entusiasmo e espírito de pioneirismo.”

Primeiro prédio da prefeitura em Miracema | Foto: Divulgação

Ele também relembra o engajamento cultural mesmo em condições adversas. Como diretor de Cultura da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Gurupi, participou ativamente da luta pela escolha da capital provisória.

Cultura e literatura como identidade tocantinense

Para Zacarias, a cultura sempre foi um pilar importante do Tocantins. Ele destaca manifestações tradicionais como a dança da Suça, em Natividade e Dianópolis, e a Jequitinhonha, em Porto Nacional, elementos que expressam uma identidade própria, ainda que influenciada por outras regiões.

Susseiros dançando em roda na cidade de Natividade | Foto: Divulgação/Emerson Silva

Na literatura, o papel das academias de letras foi decisivo para consolidar a produção local. “Hoje temos vários escritores com livros publicados, reunidos em torno da Academia Tocantinense de Letras e de outras academias espalhadas pelo interior. Isso fortalece a identidade literária, genuinamente tocantinense.”

Zacarias é um desses autores publicados, seu mais recente trabalho ‘Pinga-Fogo’ | Foto: Eliosmar Veloso

Ele também alerta para os desafios atuais da formação de leitores: “Viajo pelo estado promovendo rodas de conversa literária, uma espécie de aula-show de uma hora e vinte minutos, tratando de temas sérios de forma lúdica e bem-humorada. A concorrência com as redes sociais é grande, e precisamos ser criativos. Embora o acesso à informação seja maior do que nunca, o conhecimento realmente adquirido é mínimo. Cerca de 30% dos estudantes universitários são analfabetos funcionais, e nos níveis básico e médio, o número é ainda maior.”

Zacarias durante rosa de leitura em Gurupi | Foto: Divulgação

Crescendo com o Tocantins

Gabriela Carneiro nasceu em Palmas e cresceu acompanhando a evolução do estado. “Crescer no Tocantins foi descobrir cada canto, aprender com as pessoas e ver tudo se transformar junto comigo. Tive a oportunidade de estudar Jornalismo na Universidade Federal do Tocantins, o que me fez enxergar ainda mais o valor da nossa cultura e da nossa gente.”

Ela destaca a força criativa presente na população tocantinense: “Admiro que sejamos um estado novo, em constante transformação, mas já cheio de artistas, compositores e criadores que fazem a cultura todos os dias. Mas ainda precisamos olhar com mais carinho para o que é nosso, reconhecer as riquezas dos povos que formam o Tocantins e valorizar as histórias que vêm daqui.”

Gabriela já modelou exibindo modelitos do estilista tocantinense Luiz Fernando Carvalho | Foto: Arquivo Pessoal

Gabriela também enfatiza o papel da juventude na construção do futuro: “Vejo uma voz ainda tímida, mas importante. Precisamos ocupar e criar espaços como museus, galerias e centros culturais, deixando registrado o que está sendo construído aqui. O jovem tocantinense tem muito a dizer, só precisa de escuta e de caminhos.”

Ensaio de Gabriela para empresa internacional que vende peças feitas de capim dourado do Tocantins | Foto: Arquivo Pessoal

Passado e presente em diálogo

A experiência de Zacarias e a visão de Gabriela mostram como diferentes gerações se entrelaçam. Os pioneiros enfrentaram desafios de infraestrutura, improvisaram cidades e consolidaram bases culturais e literárias. A nova geração busca expandir essas conquistas, reivindicar espaços, oportunidades e políticas públicas que fortaleçam a identidade local.

“Aos jovens que constroem o futuro, deixo a mensagem de que continuem firmes, estudando, lendo e se informando. Representar o estado em eventos culturais pelo Brasil me enche de orgulho, e quero que a nova geração dê continuidade ao trabalho iniciado pelos pioneiros”, afirma Zacarias.

Gabriela complementa: “Fazer parte dessa geração é se descobrir ao mesmo tempo em que o estado se descobre. O Tocantins amadurece enquanto aprendemos, erramos, recomeçamos e sonhamos com um futuro melhor para quem vem depois.”