Tocantins e o desafio de abandonar os lixões a céu aberto

10 agosto 2025 às 16h48

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No Tocantins, falar de lixo é falar de um desafio que atravessa décadas e persiste, mesmo após promessas e prazos legais. Em 2025, a paisagem de descarte ainda é marcada por cerca de 110 lixões ativos, segundo dados da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), que ainda destinam seus resíduos de forma inadequada.
Os números, apresentados pela Semarh, mostram um contraste: Palmas, Gurupi, Araguaína e outros polos regionais mantêm estruturas licenciadas e operacionais, ao mesmo tempo em que 80% dos municípios seguem utilizando áreas a céu aberto, em desacordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
Mapa do lixo no Tocantins
Dos nove aterros sanitários em funcionamento, seis são públicos e três privados. Eles variam de pequeno a grande porte, atendendo desde apenas um município até 11 cidades, como é o caso do aterro privado da Litucera, em Araguaína, que recebe resíduos de mais de 200 mil habitantes.
Cobertura atual:
- Araguaína (privado): Atende Aragominas, Babaçulândia, Muricilândia, Bandeirantes, Barra do Ouro, Carmolândia, Nova Olinda, Santa Fé, Arapoema e Pau D’arco
- Couto Magalhães (público): Atende Juarina
- Gurupi (público): Atende Sucurpira e Santa Rita sob condicionantes de TAC.
- Palmas (público): exclusivo da capital, com 323 mil habitantes.
- Porto Nacional (privado): Atende Ipueiras, Lajeado, Monte do Carmo, Brejinho e Aliança.
- Dois Irmãos (público).
- Santa Rosa (público).
- Wanderlândia (privado): Atende Xambioá e Araguanã
- Palmeirópolis (público).
“Nós temos um mar de trabalho pela frente para fazer com que os pequenos municípios se consorciem, porque eles não têm condições. Um município pequeno, com cerca de 3 mil habitantes, como vai abrir um aterro só para si?”, destaca o titular da Semarh, Marcelo Lellis, durante entrevista do Jornal Opção Tocantins, ao elencar os desafios da temática no Estado.
A cobertura atual dos aterros disponíveis soma 29 municípios e cerca de 753 mil habitantes, o que representa pouco mais da metade da população estadual. Na outra metade, cerca de 90 municípios com estrutura potencialmente próxima a aterros ainda não realizaram a transição.
Segundo a Semarh, 99 cidades já poderiam encerrar seus lixões imediatamente se utilizassem as estruturas disponíveis. Mas fatores como custos de transporte, resistência política e falta de consórcios regionais atrasam o processo.
A lei e a pressão legal
A Lei nº 12.305/2010 estabeleceu que todos os municípios deveriam encerrar os lixões e encaminhar resíduos para aterros licenciados. O prazo original era 2014, mas as prorrogações estenderam a data final para agosto de 2023.
Apesar da proibição oficial da operação desses locais desde agosto de 2024, o país ainda convive com cerca de 3 mil lixões ativos. Assim como no Tocantins, muitos municípios brasileiros, sobretudo os pequenos e médios, enfrentam dificuldades para implementar a destinação correta de seus resíduos, consequência da falta de compromisso efetivo das gestões municipais e a falta de sustentabilidade econômico-financeira dos serviços de manejo.
A partir daí, a manutenção de lixões passou a ser passível de ações judiciais e responsabilização por danos ambientais. No Tocantins, o Ministério Público atua por meio de vistorias, firmando Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) e ajuízam ações contra municípios irregulares.
O Painel de Resíduos Sólidos, mantido pelo MPTO, é atualizado continuamente. Em 2024, foram registradas cinco denúncias sobre resíduos sólidos na Ouvidoria; em 2025, já são nove. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) também informou que tem emitido alertas aos municípios sobre as obrigações legais relativas à regularização da disposição final dos resíduos sólidos e realiza procedimentos de fiscalização, como inspeções e auditorias, com objetivo de responsabilizar gestores públicos pelo não cumprimento das normas ambientais.
O Plano Anual de Fiscalização para 2025 prevê a realização de quatro inspeções relacionadas aos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos, com foco na disposição final ambientalmente adequada, duas delas já em andamento.
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Exemplos
O exemplo de Couto Magalhães é o mais recente citado pela Semarh, com continuidade de gestão por 20 anos, o município construiu seu próprio aterro e agora recebe resíduos de Juarina, que realizou o chamado velório do lixão.
“É um sepultamento feliz, onde a gente está enterrando doenças, poluição, queimada, contaminação de lençol freático”, descreve o secretário Marcelo Lelis sobre as cerimônias de encerramento dos lixões, eventos que ele batizou de “velório do lixão”. A metáfora busca criar impacto na população e nos gestores.
Marcello Lelis, enfatizou que a ação faz parte do programa Lixão Zero, que tem sido um grande aliado dos municípios na gestão de resíduos sólidos. “Nosso objetivo é oferecer suporte técnico e estrutural para que os municípios possam sepultar seus lixões e adotar soluções sustentáveis, preservando o meio ambiente e garantindo qualidade de vida para a população”, ressaltou.
Há também movimentos regionais como o Consórcio Manuel Alves, no sudeste do estado, que reúne nove municípios interessados em dividir custos e infraestrutura. O secretário vê nisso não só uma solução ambiental, mas também oportunidade de negócio: “Tem uma oportunidade de negócio aqui. Para você que mexe com isso, construa o aterro e faça a negociação com os municípios.”
Os lixões a céu aberto não são apenas depósitos de lixo, são áreas onde trabalhadores informais, os catadores, sobrevivem em condições insalubres, expostos a lixo hospitalar, metais pesados e riscos de acidentes.
Além disso, são focos de incêndios. “Muito do fogo nasce com o pessoal botando fogo lá no lixão, a céu aberto”, alerta Lelis. Isso amplia o impacto ambiental, contribuindo para emissões de metano e outras substâncias nocivas.
A vida útil e a tecnologia dos aterros
Em Palmas, o engenheiro civil Bruno Mouzinho da Secretaria de Infraestrutura e Obras Públicas (Seiop) acompanha diariamente a operação de uma estrutura que já ultrapassou 20 anos de atividade e foi concebida para durar 40. A equipe do Jornal esteve no local para entender de perto como o aterro considerado referência na Região Norte do Brasil funciona.
“O aterro de Palmas já tem mais de 20 anos de operação. Ele iniciou em novembro de 2001. Costumo dizer que aqui não é onde o aterro começa; aqui é apenas a disposição final, um empreendimento para dispor rejeitos, aquilo que não pode ser reaproveitado ou reciclado”, explica.
Bruno destaca que o aterro da Capital é visto como referência, pois antes mesmo da Política de Resíduos Sólidos ser fomentada, a Capital já planejava e executava ações voltadas para o aterro.
O local opera hoje com cinco células encerradas, uma ativa e uma sétima em construção. O diferencial está no conjunto de medidas técnicas: manta de proteção, tubos de gases, drenagem de chorume e lagoas de estabilização. Caminhões chegam em horários escalonados, passam pela balança para pesagem e seguem para a frente de descarga.
“Eu costumo também dizer que, dentro desse empreendimento, a parte mais importante para mim é a balança, é a entrada. Aqui a gente mensura dados: quem está entrando, quem é o motorista, o horário, a saída, qual é a empresa, que tipo de resíduo. O nosso aterro é só para resíduos inertes, né? A gente não recebe resíduo de saúde, não recebe empresas de resíduo de saúde e também não recebe animal morto. O que a gente recebe são as cinzas que já passaram por um tratamento, tratamento térmico e, depois disso, elas são pesadas e encaminhadas para a célula de disposição de rejeito.’’, explicou Bruno.
A sétima célula, cuja obra está prevista para ser concluída em dezembro deste ano, será a última etapa do aterro. Mas afinal, o que acontece quando um aterro atinge sua capacidade máxima? Entre as alternativas possíveis estão a transformação da área em parque ou em usina de energia solar. Como explica o engenheiro:
“A sétima célula terá vida útil de cinco anos e ainda temos espaço para ampliar. Quando um aterro se encerra, ele precisa ser monitorado por pelo menos 20 anos, gases, odores, chorume. Em alguns lugares, transformam-se áreas encerradas em parques ou usinas de energia solar; aqui estudamos essa possibilidade.”
Durante a visita ao aterro sanitário, o engenheiro explicou que diariamente é aplicada uma camada intermediária sobre o lixo deixado pelos caminhões, composta por até dez camadas de cobertura, geralmente feita com galhos e outros materiais orgânicos.
Essa cobertura serve para afastar vetores como urubus, ratos e outros animais que proliferam doenças, problema característico dos lixões a céu aberto. Além disso, o engenheiro explicou que o aterro conta com um sistema de tubos para drenagem de gases gerados pela decomposição dos resíduos, iniciando a 22 metros de profundidade, garantindo o controle dos gases produzidos no processo de decomposição.
Uma das inovações em teste no aterro é o projeto de hidrosemadura, técnica que consiste em pulverizar uma mistura de sementes, fertilizantes e polímeros sobre os taludes das células já encerradas. “Essa vegetação fixa o solo e evita a erosão durante o período chuvoso. Com a cobertura verde, a infiltração de água também diminui, reduzindo a quantidade de chorume gerada”, explicou o engenheiro. Segundo ele, o teste está em fase inicial, mas já apresenta bons resultados na estabilização das encostas.
Mas mesmo com tecnologia e monitoramento, a equação é prejudicada pelo comportamento social. “Infelizmente, um dos maiores gargalos é que a população ainda envia muito material reciclável para cá, que poderia ter outro destino. Só na estrada de terra que leva ao aterro, retiramos, em um único dia, 301 toneladas de lixo”, relata.
O município conta com 40 ecopontos espalhados pela cidade, mas, nesses locais, são coletadas apenas 8 toneladas de resíduos por dia, um número pequeno diante das 400 toneladas que chegam diariamente ao aterro. Bruno relatou um episódio recente que evidencia o desafio cultural enfrentado: ao longo da estrada que leva ao aterro, pessoas despejavam lixo na beira do caminho acreditando que, por estar próximo, o material seria recolhido pela prefeitura. Apenas nessa área, foram removidas 300 toneladas de lixo, quase a mesma quantidade gerada por uma cidade inteira em um único dia.
Planos, investimentos e o futuro
O Plano Estadual de Resíduos Sólidos mapeou áreas com capacidade para receber resíduos de vários municípios. Um dos exemplos é o aterro privado de Porto Nacional, que pode atender até 22 cidades.
Há também um projeto aprovado no Ministério das Cidades, prevendo R$ 31 milhões para estruturar a gestão de resíduos em dez municípios do sul do estado, com base em Gurupi.
Mas, como resume Bruno Mouzinho, sem mudança cultural, nem mesmo o melhor projeto terá efeito pleno: “Culturalmente, ainda é comum a ideia de que ‘a prefeitura tem que fazer’, sem perceber que recursos são limitados. Se um container é destruído, o maior prejudicado é o próprio morador que fica sem onde descartar o lixo.”
No fim das contas, o problema do lixo no Tocantins não está só nas estruturas ou nas leis, está também na consciência, que precisa avançar junto dos gestores e da população. Enquanto muitos municípios ainda mantêm lixões por falta de diálogo, planejamento ou vontade política, a população muitas vezes desconhece o impacto do descarte incorreto.
O aterro sanitário de Palmas abriga um pequeno museu ,espaço criado a partir de objetos resgatados nas áreas de descarte, revela que o lixo não é apenas resíduo, mas também conta histórias. Assim, tratar o lixo com dignidade e planejamento é, mais do que uma obrigação ambiental, um ato de respeito à memória e principalmente ao futuro da população tocantinense.