Sandoval Araújo Fontoura Júnior *

A locação de imóveis por diária, impulsionada por plataformas digitais como o Airbnb, tornou-se um ponto de tensão dentro de condomínios residenciais em todo o país. Entre os direitos dos proprietários e a convivência em comunidade, surgem questões legais importantes que precisam ser analisadas com cautela.

Na maioria dos casos, é possível identificar que os proprietários oferecem o imóvel com serviços típicos de hotelaria, como fornecimento de roupa de cama, toalhas, acesso à academia, piscina e outras áreas comuns. Isso caracteriza um contrato de hospedagem, e não uma simples locação por temporada, conforme o artigo 48 da Lei do Inquilinato.

O ponto-chave para entender a legalidade da prática está na convenção condominial. É ela que determina se o uso das unidades é estritamente residencial e se há permissão ou vedação expressa para locações por diária. Quando a convenção define o condomínio como exclusivamente residencial e proíbe o uso comercial ou locações de curta duração, a prática de alugar por plataformas digitais pode violar diretamente essas normas internas, abrindo espaço para medidas judiciais e sanções administrativas.

Há uma diferença jurídica clara entre locação por temporada e hospedagem comercial. A locação por temporada tem prazo máximo de 90 dias e não inclui serviços típicos de hotelaria. Já a hospedagem comercial é um contrato atípico, em que o imóvel é oferecido com serviços adicionais, configurando uma atividade empresarial. Essa distinção não é apenas teórica: ela impacta diretamente a classificação da atividade e interfere no direito condominial, que visa preservar sossego, segurança e a destinação das áreas comuns.

Outro aspecto essencial é o respeito às decisões coletivas. Assembleias condominiais têm soberania, desde que respeitem o quórum legal e estejam alinhadas à convenção e à legislação. Isso inclui a possibilidade de proibir locações por diária, especialmente quando motivadas por questões sanitárias, de segurança ou pelo comprometimento da tranquilidade dos moradores.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou sobre o tema. Em julgamento recente, o tribunal entendeu que a locação por diária pode ser proibida em condomínios exclusivamente residenciais. Reconheceu-se que, embora o direito de propriedade garanta o uso do imóvel, esse direito deve ser exercido de forma compatível com os interesses coletivos dos condôminos. Como destacou o voto vencedor no REsp 1819075/RS, “a convenção condominial é o instrumento adequado para definir a destinação do imóvel, e sua violação representa um desvio de finalidade que compromete a convivência condominial”.

A crescente tensão entre o uso econômico do imóvel e a vida comunitária exige equilíbrio. O direito de alugar por plataformas como o Airbnb não é absoluto. Em muitos casos, esbarra em regras previamente pactuadas pelos próprios condôminos. Em condomínios estritamente residenciais, o fluxo constante de hóspedes desconhecidos, a alta rotatividade e o uso intensivo das áreas comuns por não moradores afetam diretamente o cotidiano dos demais condôminos.

Daí a importância de respeitar as normas internas e buscar soluções coletivas, sempre com base no bom senso e na legislação vigente.

* Advogado (OAB/TO 6.129), especialista em Direito Civil, Processo Civil e Direito Condominial