“Entre muros, mofos e metáforas” ou “A arquitetura da educação falida”
02 novembro 2025 às 14h08

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Por: Fernando Maciel Vieira
Dizem que a escola é o coração da sociedade. Se for verdade, o meu colégio está em parada cardíaca há tempos, esperando uma UTI que nunca vem — e que, sinceramente, talvez nem esteja prevista no orçamento.
É curioso: basta visitar qualquer prédio público para sentir a diferença. Entre no fórum, por exemplo. O ar-condicionado sopra um vento divino (com manutenção em dia, pasme!), as cadeiras são tão confortáveis que dá até vontade de ter um processo só pra poder ficar lá mais tempo. As portas são de vidro, os jardins parecem cenário de propaganda de margarina e o café tem gosto de poder. A Defensoria, idem — parece uma catedral da burocracia, reluzente, com tudo no lugar certo.
Aí eu chego na escola. Ah, a escola!
A pintura já virou lembrança de um tempo em que alguém acreditou em cor. As paredes descascam como se tivessem vergonha do que veem. As grades — onipresentes — mais parecem obra inspirada em “Vigiar e Punir”, de Foucault. Dividem blocos e alas como se o ensino fosse uma penitência. Tudo dá a impressão de que a escola foi construída a partir de sobras: sobra de verba, de tempo e de esperança.
E a biblioteca… bom, ela tem cheiro de “um dia a gente faz algo digno aqui”. Mais parece depósito de livros que esperam aposentadoria. Os funcionários se desdobram para manter o espaço vivo, e o fazem com heroísmo. Enquanto isso, lá nos palanques, os discursos são belos: “A educação é prioridade!”. Só esqueceram de avisar ao pedreiro, ao pintor e ao eletricista.
A quadra, quando existe, é uma metáfora perfeita do país: rachada, mas ainda resistindo. Lugar que deveria ser de alegria e movimento virou território de sobrevivência esportiva. Os alunos jogam bola desviando de buracos, e a trave, coitada, já deveria ter aposentadoria especial por insalubridade.
E quando vem uma reforma? É sempre “a tapa”, feita com a tinta mais barata que o mercado permite e, claro, no colégio modelo — aquele, no centro da capital, onde as câmeras da imprensa chegam antes do pincel. Já nas escolas de verdade — as do interior, das periferias, dos subúrbios — o tempo passa e a estrutura vai se desfazendo como um castelo de areia em dia de temporal. A manutenção é uma lenda urbana. Tudo é “pra depois”. E o “depois” nunca chega.
E quando algum projeto dá certo, é fruto do suor (e do bolso) dos professores. A verba? Sai do hiper-salário do magistério, claro! Depois, as fotos viram propaganda institucional: “Veja como estamos revolucionando a educação!” — dizem. A revolução, no caso, é de indignação.
Ninguém tira foto na sala de aula, né? Talvez porque ali o cenário não tem filtro que salve. Falta tudo — menos boa vontade.
E o discurso da segurança? As grades viraram símbolo da nossa lógica educacional: proteger trancando. Será que não daria pra investir em câmeras, tecnologia, transparência? Ah, desculpa, esqueci: falta dinheiro até pro papel higiênico, quem dirá pra uma revolução pedagógica.
E no meio desse caos, vem o novo vilão: o SAEB.
A escola virou um grande cursinho de prova padronizada. Parece até reality show: quem tira a melhor nota ganha um troféu invisível, e quem não alcança o índice… bem, ganha mais uma reunião sobre metas.
Tem vídeo nos grupos da escola o tempo todo: aluno dançando, professor implorando por atenção, coordenação tentando salvar o que resta de sanidade. É uma mistura de comédia e tragédia — versão educacional do teatro grego.
E me pergunto: depois do SAEB, o que sobra da escola? Será que a gente ainda ensina a pensar ou só a marcar bolinhas corretas? A avaliação é importante, claro, mas não é o coração do ensino. É o termômetro — e não o remédio. Só que andamos medindo tanto a febre que esquecemos de curar a doença.
A estrutura física, emocional e simbólica da escola está doente. E nós, educadores e alunos, somos os pacientes em fila de espera. Mas continuamos aqui, com humor, ironia e fé — porque se a esperança fosse matéria, todos já teríamos doutorado.
E você, tá vendo aquele edifício, nosso?
Diz aí: quando foi a última vez que você entrou numa escola pública e sentiu vontade de ficar?
