Por Fernando Maciel Vieira

Dizem que ser professor é um “ato de amor”. Concordo. Mas é aquele tipo de amor tóxico, que te exige, te desgasta, te humilha e ainda assim você volta no outro dia com uma garrafinha de café e esperança no olhar.

No Tocantins, o professor é uma espécie rara — meio filósofo, meio malabarista, meio ilusionista. Porque só com um bom truque de mágica se consegue pagar as contas, estudar, criar filhos e ainda sorrir na sala de aula.

Capítulo 1: O Despertar do Herói Invisível

O dia começa cedo. Cinco e meia da manhã o despertador toca. Na verdade, nem precisaria — o cérebro do professor já acorda antes, preocupado com o planejamento da aula e com o saldo da conta. Um olho abre pro relógio. O outro, pro extrato bancário.

Enquanto o café ferve, ele já calcula mentalmente:

“Se eu parcelar o gás em três vezes, talvez dê pra comprar o material do curso que o Pós exige, mas que o salário não cobre.”

Depois, o transporte.
Se for da cidade, enfrenta o ônibus lotado e quente.
Se for da zona rural, o carro próprio com tanque em reserva e pneu rezando.
No banco do passageiro, a marmita — fiel companheira — feita na noite anterior, geralmente arroz, feijão e fé.

Capítulo 2: O Show do Conhecimento (Sem Patrocínio)

Na escola, o professor é artista de múltiplas funções. Ensina, orienta, escuta, consola, media briga e, às vezes, empresta o próprio lápis porque o aluno “esqueceu o material”. Quando a aula vai bem, é chamado de “inspiração”. Quando vai mal, é “culpado pela crise da educação”.

Entre uma aula e outra, tenta registrar presença, corrigir provas, preencher relatórios, alimentar o sistema online (que vive fora do ar) e responder mensagens no grupo dos professores com frases do tipo:

“Alguém sabe se o pagamento cai hoje ou amanhã?”
Essa pergunta, inclusive, é o verdadeiro mantra educacional brasileiro.

Capítulo 3: O salário — um mistério brasileiro

Agora vamos ao tema proibido: o salário. Aquele número tímido que aparece na conta e, assim que chega, já começa a se despedir.

Primeiro vai a prestação da moto ou do carro. Depois, a conta de luz, que aumentou mais que o piso salarial. O supermercado leva o resto. E o que sobra é a eterna dúvida: pago o curso de atualização ou compro carne moída?

É nesse ponto que o professor percebe que sua vida financeira é um TCC de sobrevivência: um exercício prático de planejamento, improviso e paciência. Ele faz milagre com o salário e ainda divide o pouco com quem precisa. E o mais bonito — ou trágico — é que ele acredita que tudo isso vale a pena, porque vê valor no que faz.

Capítulo 4: O investimento que não retorna

O professor sabe que precisa continuar estudando. Compra livros parcelados, faz cursos aos finais de semana e sonha com um mestrado — que talvez venha, talvez não, dependendo da passagem e da planilha. Enquanto isso, o boletim do filho chega, o armário da cozinha range e o preço da gasolina sobe. Mas a vocação, essa danada, não abandona o peito.

Ele entra em sala sorrindo, com aquela energia que o próprio salário não explica. Porque, no fundo, ele acredita — acredita que educar ainda é o caminho. Mas quando vai no supermercado e vê o preço do leite, o idealismo dá uma balançada.

Capítulo 5: A vida real bate na porta

Na volta pra casa, o ônibus quebra. Ele chega tarde, cansado, com o cheiro de giz misturado ao de suor e esperança. Os filhos já dormem. A esposa pergunta: — “Amor, vai dar pra pagar o material das crianças esse mês?” E ele responde, com aquele humor que é a única coisa que ainda não foi taxada: — “Se eu vender umas correções de prova e umas aulas extras, talvez dê pra comprar pelo menos os lápis.”

E dorme assim, com o coração cheio e o bolso vazio.

Capítulo 6: O preço da dignidade

Dizem que o salário é proporcional ao valor que a sociedade dá ao trabalho. Se isso for verdade, o professor está ouvindo, há décadas, que seu valor é simbólico — e simbólico não paga aluguel.

Enquanto políticos aumentam verbas para propaganda, o professor aumenta o número de turmas para conseguir completar a renda. E, quando ousa reclamar, ouve:

“Mas você trabalha só meio período, né?”
(Como se preparar aula, corrigir provas e estudar não contassem como trabalho — talvez o professor devesse cobrar hora extra da própria consciência.)

Epílogo: Entre o amor e a fatura

Ser professor no Brasil é viver num paradoxo: o país cobra resultados de primeiro mundo, pagando salários de realidade paralela.
Mas ainda assim, ele insiste.
Insiste porque sabe que cada aluno é uma semente, e que mesmo o solo mais árido pode florescer — desde que alguém tenha coragem de plantar.

Só que, convenhamos, plantar esperança com conta de energia atrasada exige um tipo de fé que nem os santos têm.

E você, já agradeceu hoje ao professor que ensinou a escrever seu próprio salário… ou só lembrou dele quando precisou reclamar da escola?