Mauro Carlesse (Agir) não era figura central da política tocantinense até assumir a presidência da Assembleia Legislativa do estado em 2016 e desembarcar no governo em 2018, quando a cassação de Marcelo Miranda e Cláudia Lelis o colocou, de forma inesperada, no comando do Palácio Araguaia. Primeiro como interino, depois eleito em mandato tampão e, na sequência, em eleição geral, ele conseguiu se sustentar no poder. O empresário e agropecuarista do sul do Estado, que se apresentava como gestor prático, sem vínculos com a “velha política”, projetou-se como liderança estadual com um discurso direto: “esse é um governo do povo”.

Quatro anos depois, o mesmo Carlesse deixou o cargo pela porta estreita da renúncia, em março de 2022, quando a Assembleia Legislativa se preparava para votar seu impeachment. A decisão, segundo o ex-governador, foi uma forma de preservar direitos políticos e se defender na Justiça das acusações que o afastaram do cargo por determinação do STJ. À época, ele classificou o processo como uma “bagunça” movida por adversários, e disse ter “chegado ao limite” diante de ataques e pressões.

Após renúncia em 2022 e passagem pela prisão, Carlesse projeta retorno político e garante: só aceita disputar o governo. Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção Tocantins, o ex-governador fala sobre o período turbulento, rebate acusações, revisita o legado de sua gestão e, sobretudo, deixa claro o plano de disputar novamente o governo em 2026

Jornal Opção Tocantins – Ex-governador, o senhor tem publicado vídeos na sua conta pessoal falando sobre perseguição política desde o afastamento e a renúncia. O senhor acredita que os processos e operações contra o senhor foram tentativas de inviabilizar o nome de Mauro Carlesse no Tocantins?

Mauro Carlesse – Sim, com certeza. Temos que voltar um pouco para entender essa perseguição. Quando assumi em 2017, o Estado estava deficitário, sem recursos, atrasando folha, devendo para municípios, com problemas graves em saúde, educação e infraestrutura. Reestruturamos secretarias, enxugamos gastos e começamos a colocar as coisas no lugar.
Em 2018, a folha já estava em dia, medicamentos voltaram a ser fornecidos, os repasses às prefeituras foram regularizados e conseguimos retomar obras. Em 2019, mesmo com a pandemia, o Estado estava organizado, enquadrado na Lei de Responsabilidade Fiscal, e reduziu o índice da folha de 58% para 42%.

Fizemos hospitais, escolas de tempo integral, estradas, tudo com planejamento.

Jornal Opção Tocantins – O senhor disse que a perseguição começou quando o governo começou a se estruturar. O que exatamente incomodou?

Mauro Carlesse – O incômodo veio porque eu não abria espaço para a velha política. Não tinha processo grave contra mim, apenas questões pontuais corrigidas no dia a dia. Mesmo assim, fui afastado sem prova de desvio ou corrupção. Não existe documento que mostre que eu peguei dinheiro ou enriqueci ilicitamente. Foi uma perseguição velada, mas devastadora: me afastaram, me prenderam. Se isso não é perseguição, o que é?

Jornal Opção Tocantins – O senhor falou em “vícios” que enfrentou dentro da máquina pública. Que vícios eram esses?

Mauro Carlesse – Corrupção e contratos milionários com pouca entrega. Vou dar um exemplo: a frota do Estado era velha e caríssima. Nós reestruturamos, aumentamos em cinco vezes a quantidade de carros para segurança e saúde, gastando apenas 30% do valor que se pagava antes. Isso gerou sobra de recursos. Mas mexer nesses contratos criou inimigos. Entrei na política em 2014 e cheguei ao governo em 2018. Estruturamos o Estado, demos crédito e segurança jurídica, mas isso desagradou os caciques.

Jornal Opção Tocantins – O senhor pode citar nomes de quem teria o perseguido?

Mauro Carlesse – Prefiro não citar, porque é essa perseguição “branca” que não aparece. Mas um nome eu posso falar: o deputado federal Vicentinho. Ele declarou publicamente que iria aonde eu pisasse. Para mim, isso é perseguição clara. Talvez porque eu tenha vencido o pai dele em uma eleição.

Mas, fora isso, meu perfil sempre foi de gestor, de união. Não guardo rancor.

Jornal Opção Tocantins – Como o senhor avalia sua gestão, de 2018 a 2022? Quais pontos considera como legado positivo?

Mauro Carlesse – Foi um todo. Peguei um Estado quebrado, pagando folha parcelada e fornecedores atrasados. Corrigimos contratos abusivos, como o do plano de saúde dos servidores. Fizemos auditoria, cortamos fraudes e criamos o Servir, que hoje funciona com eficiência e transparência. Também investimos em educação: fortalecemos a Unitins, que estava prestes a fechar, e criamos o curso de medicina no Bico do Papagaio. Transformamos a Unirg em universidade.

Jornal Opção Tocantins – A educação parece ter sido uma prioridade da sua gestão. O senhor destaca algum projeto em especial?

Mauro Carlesse – A escola de medicina no Bico e a transformação da Unirg foram fundamentais. Mudam a vida de uma cidade. Mas também deixamos projetos estruturantes, como a ponte de Porto Nacional, que estava condenada havia anos e ninguém tomava atitude. Eu fechei, enfrentei desgaste político, mas a ponte nova está lá, quase toda pronta no fim da minha gestão, com recurso garantido.

Jornal Opção Tocantins – E na saúde?

Mauro Carlesse – Estruturamos UTIs durante a pandemia, sem improvisar hospitais de campanha. Criamos o hospital infantil dentro do HGP, com 120 leitos, usando recursos da ITPAC que estavam parados. Montamos equipe em Araguaína para cirurgias cardíacas em recém-nascidos, reduzindo mortalidade e custos. Além disso, entregamos mais de 3 milhões de cestas básicas durante a pandemia, garantindo comida na mesa de quem dependia da merenda escolar.

Jornal Opção Tocantins – O senhor lançou o programa Tocando em Frente, mas pouco depois foi afastado. Que projeto era esse?

Mauro Carlesse – O Tocando em Frente era um projeto gigante: 2,5 milhões de reais para cada município, mapeando necessidades locais e gerando 100 mil empregos. Era planejado para cinco anos, com até 20 bilhões em investimentos. Dois meses depois de lançado, a Polícia Federal bateu na minha porta. Criaram narrativas sobre o plano de saúde, sobre o aeroporto no Jalapão, que não era na minha terra e hoje está sendo construído no mesmo lugar que planejamos. Não havia escândalo nenhum no Tocantins durante a pandemia, mas me afastaram.

Jornal Opção Tocantins – O senhor relata que deixou programas e obras encaminhadas, mas a atual gestão pouco reconhece seu trabalho. Isso incomoda?

Mauro Carlesse – Não espero reconhecimento. Não se trata de “agradecer o Carlesse”, mas de entender o projeto. O Tocando em Frente, por exemplo, não foi inventado de um dia para o outro. Foram dois anos de estudos para um planejamento de 30 anos, com foco no municipalismo. Porque um Estado só é forte se suas cidades tiverem estrutura. Uma cidade pequena, mas com estrada, ponte, posto de saúde e apoio, atrai investimento e cresce. Sem isso, vira região esquecida. E foi isso que incomodou: mexemos na lógica de “ir onde tem voto” para investir onde havia necessidade.

Jornal Opção Tocantins – O senhor pode dar exemplos desse contraste?

Mauro Carlesse – Claro. Cidades como Novo Acordo ficaram paradas por anos por pura falta de estrada. Empresário nenhum investe onde só tem buraco e poeira. O Tocando em Frente mapeava estradas, pontes e ligações entre municípios, criando condições de desenvolvimento. Esse era o espírito: dar resultado, não apenas “mandar milhões” para obras que não transformam nada. Mas os políticos antigos continuam pensando pequeno.

Jornal Opção Tocantins – O senhor também tem criticado a questão ambiental, especialmente o zoneamento.

Mauro Carlesse – O zoneamento, como foi proposto, era um absurdo. Travava quem já produzia e afastava quem queria investir. Cobrei publicamente porque um Estado pobre não pode se dar ao luxo de espantar empresários. Licenciamento ambiental precisa ser ágil e justo. Não pode levar anos, como acontece hoje.

Quem cumpre a lei não pode ser tratado como criminoso.

Jornal Opção Tocantins – Uma das acusações contra o senhor foi no caso do plano de saúde dos servidores. Como responde a isso?

Mauro Carlesse – Fui afastado justamente porque decidi enfrentar irregularidades. Criei um grupo gestor para analisar pagamentos. Se devia, negociava; se não devia, não pagava. Simples. Encontramos aberrações: médicos registrando centenas de consultas por dia, valores sem comprovação, auditorias apontando fraudes. Quando cortamos, a arrecadação dessas empresas caiu, e vieram as ações judiciais.

Mas nunca houve propina ou esquema meu. É um contrassenso: me acusaram de receber para liberar algo que eu estava bloqueando.

Jornal Opção Tocantins – E sobre o aeroporto no Jalapão, outra denúncia?

Mauro Carlesse – Aquilo foi narrativa. O local do aeroporto foi definido dentro do programa Tocando em Frente com apoio do BNDES. Não tinha nada a ver comigo pessoalmente. Mesmo que a terra fosse de alguém conhecido, onde está o crime? O projeto era do Estado, não meu.

Jornal Opção Tocantins – O senhor mencionou auditorias e fraudes, inclusive na compra de medicamentos. Pode detalhar?

Mauro Carlesse – Quando assumi, 40% do estoque do HGP era de remédio vencido. Médicos reclamavam da falta de insumos, mas descobrimos que o problema era mais grave: laboratórios entregavam medicamentos com validade curta, já de dois meses, e depois recolhiam vencidos. Era rolo, alguém ganhando por trás. Acabamos com isso. Em um ano, o estoque estava 100% regularizado. Fizemos auditorias também na oncologia, porque descobrimos esquemas que prejudicavam pacientes e drenavam recursos.

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Ex-governador afirma que só entra na disputa 2026 se for para eleição de governador | Foto: Tom Lyra/Divulgação

Jornal Opção Tocantins – O senhor também foi preso. Como foi essa experiência?

Mauro Carlesse – Muito ruim. Passei por buscas da Polícia Federal de madrugada, com minha filha pequena em casa. Fui preso com a acusação absurda de que eu fugiria para a Itália. Usaram uma conversa antiga, de 2021, sobre alugar uma casa para temporada, e apresentaram como se fosse atual. O próprio ministro depois anulou essa prova e suspendeu a prisão. Mesmo assim, fiquei 64 dias preso, entre Natal, Ano Novo e Carnaval. Foi cruel. Queriam me destruir publicamente, me transformar em bandido, porque sabiam que eu tinha potencial de voltar à política.

Jornal Opção Tocantins – Esse período na prisão mudou o senhor?

Mauro Carlesse – Mudou. Eu já estava pensando em deixar a política, mas percebi que, se estavam fazendo tudo isso, era porque eu incomodava. E decidi voltar. Não por vingança, mas para continuar o trabalho iniciado. Quem me conhece sabe: eu ando no shopping, vou à feira, converso com prefeitos e vereadores, de peito aberto. Não vivo cercado de seguranças. As pessoas me tratam com respeito porque sabem que honrei palavra e entreguei resultados.

Jornal Opção Tocantins – Essa volta tem também autocrítica? O que faria diferente se eleito de novo?

Mauro Carlesse – Sim, faria. Talvez me aproximasse mais da classe política. Quando assumi, não conhecia ninguém. Depois veio a pandemia, que dificultou ainda mais o diálogo. Reuniões eram virtuais, o contato com deputados e senadores quase não existia. Hoje sei que qualquer projeto precisa de governabilidade e diálogo constante. Sem isso, você não entende os problemas de dentro.

Jornal Opção Tocantins – Não existe possibilidade de disputar outro cargo, só se for o governo?

Mauro Carlesse – Não. Só governo. Essa decisão eu já tinha tomado. Não tenho interesse em disputar Senado, deputado federal ou estadual. Minha disposição é apenas para uma pré-candidatura ao governo, porque quero terminar o trabalho que iniciei e que ficou pela metade. Fizemos muitas coisas positivas para o Tocantins, e nenhuma foi negativa para o Estado. Se o povo entender e me colocar novamente naquela cadeira, não vou decepcionar. Vou fazer melhor do que já fiz e muito mais, porque esse Estado precisa crescer, se desenvolver e gerar oportunidades em todas as regiões.

Jornal Opção Tocantins – O senhor pretende seguir no Agir?

Mauro Carlesse – Não, provavelmente vou mudar de partido. Tenho conversado com três legendas, mas ainda não há definição. Tudo depende das alianças que eles fizerem até lá. Prefiro um partido pequeno a um grande cheio de amarrações. Não sou de esquerda nem de direita, me considero de centro. Olho para todos, sem perseguição. O que me interessa é um projeto para melhorar o Tocantins. Tenho certeza de que tenho capacidade, e, se um dia voltar ao governo, o povo vai poder cobrar: tudo o que falei eu vou fazer, e muito mais.