O assassinato do vigia Dhemis Augusto Santos, de 35 anos, em uma galeria em Palmas, não é um caso isolado, tampouco um episódio que possa ser reduzido a “uma discussão” ou “um desentendimento”. É mais um capítulo de um padrão brutal que atravessa o Brasil há séculos: pessoas negras seguem morrendo por serem vistos como vidas descartáveis.

Dhemis era um trabalhador. Um homem que saiu da Bahia após morar em Sergipe e decidiu tentar uma vida melhor no Tocantins. Dormiu quatro dias no escritório da empresa até conseguir alugar uma casa. Queria tirar habilitação, comprar um carro, juntar dinheiro. Tinha sonhos simples, humanos, legítimos. Era descrito como tranquilo, brincalhão, afetuoso. Era o único irmão de Dhemysson. Era o que restava de uma família órfã de pai e mãe.

E, ainda assim, toda essa humanidade não o protegeu.

Ele foi morto após orientar um motorista de carro de luxo que havia estacionado irregularmente. Uma orientação — parte do seu trabalho — bastou para que Waldecir José de Lima Júnior, homem branco sacasse uma arma e atirasse. A cena registrada por câmeras é explícita: não houve ameaça, não houve agressão, não houve risco. Houve apenas uma hierarquia silenciosa e brutal, construída socialmente: um homem negro tentando cumprir sua função e um homem branco que não admite ser contrariado.

É impossível não perguntar: se Dhemis fosse branco, teria sido morto por pedir que alguém recuasse o carro? E se o motorista fosse negro, teria se sentido tão confortável em apontar uma arma? A resposta, ainda que dolorosa, é evidente.

O racismo no Brasil não se sustenta apenas em xingamentos ou discursos de ódio. Ele opera na percepção de quem merece respeito, de quem merece obediência, de quem merece viver. Ele decide quem é tratado como ameaça. Ele alimenta um sistema em que pessoas negras são mais facilmente encaradas como alvos — e pessoas brancas, como intocáveis.

O fato de o crime ter ocorrido justamente durante o mês da Consciência Negra não é coincidência: é um lembrete de que a luta por vidas negras continua urgente. A repercussão imediata do caso mostra que a sociedade ainda se choca, ainda se indigna — mas é preciso mais que indignação. É necessário reconhecer que não se trata de uma tragédia individual, mas de um sintoma estrutural, um mal coletivo.

Enquanto a cor da pele continuar determinando quem pode morrer por “desobedecer”, quem deve pedir desculpas, quem pode sacar uma arma — e quem nunca será visto como uma ameaça — seguiremos enterrando homens como Dhemis.

E repetindo, a cada novembro: não, a vida das pessoas negras não vale menos. Mas, no Brasil, ela continua sendo tratada como se valesse.