O Brasil está a menos de vinte dias de sediar a COP30, evento em que promete liderar o debate sobre transição energética e proteção da Amazônia. Mas a recente autorização para que a Petrobras inicie a perfuração de um poço de petróleo na bacia da Foz do Amazonas joga uma sombra sobre essa promessa. É o tipo de decisão que escancara a distância entre o discurso e a prática — uma contradição que ameaça corroer a credibilidade ambiental do país.

O governo federal defende a licença como resultado de um processo técnico rigoroso, conduzido dentro das regras e amparado por compensações ambientais. O Ibama, que passou anos analisando o pedido, sustenta que não cabe a ele decidir sobre “oportunidade e conveniência”, apenas sobre a legalidade. Mas o argumento burocrático não mascara o óbvio: o Brasil optou por abrir uma nova fronteira de exploração de petróleo em uma das regiões mais sensíveis do planeta, às portas de um evento que deveria simbolizar o compromisso com a descarbonização global.

Localização da bacia | Foto: EIA/Petrobras

Essa escolha revela mais que pragmatismo energético. Ela denuncia o peso do velho modelo de desenvolvimento, baseado em combustíveis fósseis, sobre qualquer ambição de futuro sustentável. Ao mesmo tempo em que o país fala em transição verde, continua apostando em poços, barris e bilhões — como se a economia do século XXI pudesse se erguer sobre as ruínas ecológicas do passado.

Os defensores da medida alegam que a perfuração é apenas exploratória, uma etapa inicial que permitirá avaliar o potencial da Margem Equatorial. Argumentam também que o Brasil precisa garantir autossuficiência e receitas para financiar sua própria transição energética. Mas há algo perverso nessa lógica: ela transforma a destruição em pré-condição para a sustentabilidade. Explorar para depois preservar é uma contradição em termos.

O discurso da responsabilidade técnica não apaga os impactos potenciais. O risco de vazamentos em águas profundas, a ameaça à fauna marinha — como o peixe-boi — e a ausência de consulta adequada a povos indígenas são alertas ignorados em nome da pressa e da conveniência política. Não é coincidência que a licença tenha sido concedida em meio a um contexto de disputa entre ministérios e de pressão por resultados econômicos. Quando a política fala mais alto que a ciência, o meio ambiente é o primeiro a pagar a conta.

Há também o simbolismo da decisão. Às vésperas de uma conferência que será sediada em Belém, no coração da Amazônia, o governo autoriza uma perfuração que pode comprometer justamente o ecossistema que pretende defender diante do mundo. É um gesto que enfraquece o discurso brasileiro sobre liderança climática e que oferece munição a quem sempre duvidou do compromisso real do país com a agenda verde.

A licença na Foz do Amazonas não é um ato isolado; é o retrato de um dilema moral e político. O Brasil quer ser protagonista climático, mas ainda se comporta como dependente do petróleo. Quer liderar a transição energética, mas hesita em se desprender das velhas fórmulas de crescimento. A verdade é que não há transição possível sem coragem para enfrentar o poder dos interesses fósseis — e, até aqui, essa coragem parece faltar.

Se o país deseja ser visto como líder ambiental, precisa mais do que discursos bem ensaiados e compromissos diplomáticos. Precisa de coerência. E coerência, neste caso, significaria dizer não ao petróleo na Amazônia, mesmo que isso custe caro. Porque, no fim das contas, o preço da omissão sempre será maior: o colapso do bioma que sustenta a própria vida no planeta.