Em dezembro de 2025, Belém do Pará será o centro das atenções mundiais ao sediar a COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Governos, empresas, ambientalistas e especialistas se reunirão na capital paraense para debater soluções contra a crise climática. A cidade será emoldurada por discursos grandiosos sobre sustentabilidade, justiça ambiental e transição verde. No entanto, por trás dos holofotes, Belém carrega um retrato alarmante da desigualdade: fome, pobreza extrema e ausência de saneamento básico.

A ONU acaba de anunciar que o Brasil saiu do Mapa da Fome. O dado é motivo de celebração, mas essa estatística indica melhora na média nacional, e não necessariamente reflete realidades como as de Belém, onde muitas de pessoas ainda passam fome. A retirada do país da lista não significa que a fome foi erradicada, mas sim que, estatisticamente, ela caiu abaixo de um determinado índice. Nas comunidades ribeirinhas, nos bairros periféricos e nas áreas rurais do Pará mostra que a crise alimentar ainda persiste — e em muitos casos, se agrava.

A escolha de Belém para sediar a COP30 carrega simbolismos importantes: trata-se de uma cidade amazônica, diretamente afetada pela destruição ambiental e pelo avanço do desmatamento. Porém, a mesma Belém que será decorada para receber chefes de Estado e investidores é uma das capitais brasileiras com maior índice de insegurança alimentar. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase metade da população do Pará — 45,6%, vive em situação de pobreza ou extrema pobreza. Em muitos bairros periféricos de Belém, falta o básico: comida, água potável, esgoto tratado e moradia digna.

O percentual de domicílios em áreas precárias (favelas ou aglomerados subnormais) em Belém foi estimado em 57,1% — a maior taxa entre as capitais brasileiras, segundo dados do Censo de 2022.

Ainda que o Pará possua riquezas naturais significativas, como minérios e recursos florestais, essas riquezas nem sempre se traduzem em melhorias substanciais para a maioria da população.

Embora a pobreza na capital esteja em queda, o estado do Pará lidera em insegurança alimentar no país: cerca de 20,3% da população encontra-se em situação de insegurança alimentar moderada ou grave (aproximadamente 1,78 milhão de pessoas), e 9,5% vivem em insegurança alimentar grave — o maior índice nacional. Os dados são do módulo Segurança Alimentar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgado também pelo IBGE.

Há uma contradição gritante em organizar uma conferência ambiental de proporções globais em uma cidade onde boa parte da população não tem sequer coleta de lixo. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), cerca de 78% dos moradores de Belém não têm acesso à rede de esgoto. O lixo doméstico é frequentemente descartado em valas, igarapés ou nas ruas, contaminando o solo e a água. Como falar de justiça ambiental quando a própria população local vive em condições insalubres?

A COP30, ao que tudo indica, será cercada de grandes obras de infraestrutura, reformas urbanas e investimentos pontuais. No entanto, a pergunta que precisa ser feita é: para quem será essa transformação? Há o risco de que a cidade seja maquiada para receber visitantes estrangeiros, enquanto seus moradores seguem excluídos das políticas públicas essenciais. A revitalização cosmética de Belém pode encobrir temporariamente os problemas, mas não os resolve.

O Pará é um dos estados brasileiros com maior concentração de população indígena e comunidades tradicionais. Esses povos são os principais protetores da floresta, mas também estão entre os mais afetados pela pobreza e pelo abandono do Estado. Enquanto o discurso da COP será sobre “salvar a Amazônia”, muitos de seus guardiões seguem sem acesso a direitos básicos como saúde, educação e segurança alimentar. A contradição entre a narrativa global e a realidade local precisa ser escancarada.

A realização da COP30 deveria ser uma oportunidade para inverter prioridades. Em vez de apenas buscar visibilidade internacional, o evento poderia servir como catalisador de políticas públicas duradouras para combater a fome, a miséria urbana e a falta de infraestrutura básica. É hora de tratar o combate à desigualdade como parte central da agenda climática, e não como um tema periférico.

É impossível separar a crise ambiental da crise social. A degradação do meio ambiente está intimamente ligada à degradação da vida humana nas periferias urbanas e nas zonas rurais abandonadas. Se a COP30 quiser ser mais do que um espetáculo diplomático, ela precisa incluir a população local como protagonista — e não apenas como figurante de um cenário cuidadosamente montado.

A fome que castiga Belém é um reflexo de um modelo de desenvolvimento que ignora os mais pobres. É também um alerta: não haverá sustentabilidade sem igualdade. Saneamento, comida no prato e moradia segura também são formas de preservar o planeta, pois garantem dignidade e reduzem pressões sobre os ecossistemas.

Belém está no mapa da COP30, mas continua no mapa da fome, da exclusão e do descaso. O desafio é fazer com que o legado do evento não se resuma a discursos e promessas vazias. A verdadeira transformação virá quando o Pará deixar de ser apenas palco simbólico da luta ambiental para se tornar exemplo concreto de justiça social.

Preços abusivos em hospedagens podem tirar Belém da COP30

Lideranças internacionais têm solicitado a mudança da sede da COP30, prevista para ocorrer em Belém, devido aos altos preços das hospedagens na cidade. Países — especialmente nações em desenvolvimento,  manifestaram preocupação com a dificuldade de arcar com os custos de acomodação durante a conferência climática. Um porta-voz do governo holandês chegou a mencionar a possibilidade de reduzir pela metade a delegação tradicional de seu país. Em alguns hotéis, o valor da diária chega a US$ 700 por pessoa, o equivalente a cerca de R$ 3.640,00.

Um grupo formado por, ao menos, 25 países assinou um documento sugerindo que, caso os preços exorbitantes de hospedagem no Pará não sejam resolvidos, o evento deveria, ao menos em parte, ser transferido para outro local. O Brasil tem até o dia 11 de agosto para apresentar soluções concretas para a crise, sob risco de a sede ser alterada.

Delegados de países em desenvolvimento relatam que os preços dos hotéis em Belém estão muito acima da média, chegando a ser até dez vezes superiores ao normal. Representantes de várias nações solicitaram uma reunião de emergência com a ONU para discutir a situação. O governo brasileiro tem sido pressionado a encontrar uma solução até o prazo estabelecido.