A desigualdade fiscal brasileira escancara um paradoxo em que ao passo que o 0,15% da população mais rica acumula R$ 1,1 trilhão em renda, mais do que a soma de metade da população mais pobre, o sistema tributário vigente pesa muito mais sobre quem ganha pouco. Em média, pessoas de baixa renda destinam quase um terço de seus recursos a tributos, enquanto os mais abastados pagam pouco mais de 10%. Assim, qualquer resistência à taxação dos super-ricos não se limita à defesa de privilégios: revela também aversão a um Brasil mais justo.

O estudo da Oxfam Brasil, intitulado ‘Arqueologia da Regressividade Tributária no Brasil’, amplia essa constatação por recorte racial. Ele revela que os impostos indiretos, cobrados sobre consumo, item que absorve 70% da renda de pobres, representam 14,8% do PIB, quase cinco pontos percentuais a mais do que a média da OCDE (9,7%).

Em contraste, a tributação sobre patrimônio cresce no Brasil mais lentamente do que nos países ricos, apenas 1,5% do PIB contra 2,4% da OCDE. Simultaneamente, os ganhos de capital e salários incididos por imposto somam apenas 3% do PIB, enquanto a OCDE registra média de 9%.

Logo, a estrutura fiscal brasileira é, por essência, regressiva. E essa regressividade atinge com maior dureza as mulheres negras, que formam 65% dos lares mais pobres e ostentam menor capacidade de acumular ativos. Embora o super-ricos represente apenas 0,15% da população, concentram 14,1% da renda total, um bloco socioeconômico em grande parte branco e masculino: 81%, enquanto quem sustenta o país recebe proporcionalmente muito menos.

É justamente nesse contraste que o debate sobre a taxação dos super-ricos é tão pertinente. A proposta do governo federal, em tramitação no Congresso, prevê isentar quem ganha até R$ 5 mil por mês e introduzir alíquotas escalonadas que podem chegar a 10% para ganhos superiores a R$ 1,2 milhão anual.

Assim, daria peso efetivo à redistribuição e permitiria aliviar o ônus sobre quem já está no limite. Do contrário, segundo o secretário de Política Econômica Guilherme Mello, a distribuição de renda continuará estagnada, sem mudança significativa.

Pois bem: permitir que a isenção tributária alcance 10 milhões de pessoas de baixa renda sem exigir contrapartida dos mais ricos é um equívoco ético e fiscal. Ao contrário, cobrar quem possui R$ 1,1 trilhão em patrimônio não é favor, é obrigação social.

A extrapolação fica ainda mais evidente quando se avalia que, hoje, quem ganha mais de R$ 5 milhões por mês efetivamente paga menos imposto de renda proporcional do que um trabalhador comum. Uma professora, policial militar ou enfermeira contribuem proporcionalmente mais do que alguém com renda milionária e isso não apenas desfigura os princípios de equidade fiscal como também reforça a lógica de concentração.

Em um país que já deixou claro que concentra riqueza num punhado de pessoas, e em que essas pessoas pagam, proporcionalmente, menos tributo, a taxação não é uma gratuitidade, mas um passo para corrigir desequilíbrios históricos. Sem essa reforma, seguiremos pagando com precariedade no bem-estar social, na educação, na saúde.