Entre o cuidado e o oportunismo: a causa animal precisa mais que visibilidade

08 maio 2025 às 15h05

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Nos últimos anos, temos testemunhado um movimento crescente em defesa da causa animal em todo o Tocantins. Projetos, eventos, postagens nas redes sociais e falas públicas de autoridades parecem demonstrar uma atenção inédita aos direitos dos animais, especialmente aos cães e gatos em situação de abandono. Para quem sempre sonhou com políticas públicas voltadas ao bem-estar animal, esse novo cenário poderia representar uma conquista histórica. Mas é preciso olhar com cuidado.
A causa animal é legítima, urgente e merece ser tratada com seriedade. No entanto, seu potencial de mobilização emocional também a torna terreno fértil para o oportunismo político. Há, sim, pessoas bem-intencionadas atuando com coerência e compromisso. Mas há também quem use o tema como vitrine momentânea, surfando na onda da sensibilidade pública para conquistar likes, aplausos e, claro, votos.
O problema não está em dar visibilidade à causa. Pelo contrário, é positivo que finalmente se fale dela com mais força. A questão é como e com que finalidade essa visibilidade é construída. Quando usada apenas como peça publicitária, a pauta animal corre o risco de ser reduzida a um hype, uma moda passageira que se desfaz assim que termina a eleição, a campanha ou o mandato.
É importante registrar, porém, que há exemplos positivos em andamento, como o caso de Palmas. A capital está na vanguarda dessa discussão no Tocantins e tem desenvolvido uma política pública específica por meio da Secretaria Municipal de Bem-Estar Animal (Sebem). Trata-se de uma iniciativa que, ao que tudo indica, vem se estruturando com seriedade, planejamento e propósito — algo que deveria servir de inspiração para outros municípios tocantinenses.
O risco da pauta animal virar mero símbolo político é ainda mais preocupante quando a comoção com os bichos serve de cortina de fumaça para ocultar falhas graves em outras áreas essenciais, como saúde, educação, saneamento, transporte ou o próprio meio ambiente. Há uma linha tênue entre usar uma causa para avançar políticas públicas e usá-la para esconder omissões ou ineficiências.
Se queremos que o cuidado com os animais seja mais do que um discurso bonito, precisamos cobrar dos gestores ações concretas e duradouras: criação de centros de controle de zoonoses com estrutura, programas permanentes de castração, incentivo à adoção responsável, parcerias com ONGs e clínicas veterinárias, campanhas educativas e uma legislação que seja mais do que letra morta.
Pautas sensíveis, como a proteção animal, não podem ser tratadas como modismos. Elas precisam ser política pública perene, com orçamento, planejamento, metas e continuidade. Somente assim deixaremos de depender da boa vontade de quem estiver no poder para garantir o que deveria ser direito — tanto dos animais quanto da sociedade.
É possível — e necessário — acolher a causa animal sem alienar outras. Que a compaixão não seja seletiva, e que o olhar crítico da população se mantenha firme, mesmo quando o discurso parecer “fofo”. Afinal, o verdadeiro cuidado não se mede por curtidas, mas por coerência, compromisso e transformação real.