Por que o Cerrado é tratado como o patinho feio dos biomas?
15 janeiro 2024 às 16h09
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Na semana passada, não faltaram comemorações do governo federal quanto aos dados mais recentes divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), referentes ao desmatamento na Amazônia. De acordo com o Instituto, foram cerca de 5 mil quilômetros desmatados desse bioma em 2023. Parece muito (e é). No entanto, o número representa uma queda de quase 50% se comparado a 2022.
Os dados do Inpe foram um bálsamo imediato para as preocupações do governo em passar para o mundo e a população a imagem de estar no caminho de cumprir uma de suas principais promessas: extinguir o desmatamento ilegal da Amazônia. Pudera.
Vale lembrar que, neste mês de janeiro de 2024, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou que a União Europeia vai doar 20 milhões de euros (equivalentes a 100 milhões de reais) para o Fundo Amazônia, além das contribuições que estão sendo feitas individualmente por diversos países. Ou seja: as fichas do mundo foram apostadas com gosto no comprometimento ambiental de Lula, e ele sabe que não pode falhar nisso – sob o risco de empurrar o País de volta ao ostracismo no qual havia se metido no governo anterior.
No entanto, o que o governo parece esquecer de mencionar – e abordar, mesmo em que debates sobre o tema -, é que, enquanto o desmatamento na Amazônia caiu, o do Cerrado aumentou: e muito. Ainda conforme os dados do Inpe, a área desmatada do Cerrado em 2023 foi 43% maior que em 2022. O Instituto apontou ainda que foi a primeira vez em que uma área desmatada no Cerrado foi maior que a da Amazônia.
De acordo com o ICMBio, com base em dados do Ministério do Meio Ambiente, estima-se que o Cerrado possua mais de 6 mil espécies de árvores e cerca de 800 espécies de aves. Acredita-se, ainda, que mais de 40% das espécies de plantas lenhosas e 50% das abelhas sejam endêmicas.
Ainda conforme o ICMBio, ao lado da Mata Atlântica, o Cerrado é considerado um dos hotspots mundiais, ou seja, um dos biomas mais ricos e também mais ameaçados do mundo.
Já o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) – sociedade civil sem fins econômicos – o Cerrado conta com aproximadamente 12 mil plantas catalogadas, das quais mais de 4 mil também são endêmicas.
Estamos falando de um bioma que cobre cerca de 25% do território nacional, perfazendo uma área entre 1,8 e 2 milhões de Km² nos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, sul do Mato Grosso, oeste de Minas Gerais, Distrito Federal, oeste da Bahia, sul do Maranhão, oeste do Piauí e porções do Estado de São Paulo.
Por que, então, um bioma tão grandioso, tão vasto em vida – tanto em fauna quanto em flora – é tratado com tanto desprezo e desmerecimento? Por que os dados do desmatamento referentes ao Cerrado não ganham tanto destaque – e esmero na solução – quanto os da Amazônia?
O nome do Cerrado parece não entrar nem na argumentação do governo anterior para criticar o atual. Ora, erros para apontar não faltam, não é? Onde estão os (necessários) pareceres e censuras quando mais precisamos?
E aqui, vale dizer, não cabe qualquer comparação entre um bioma e outro, mas sim no zelo e no empenho (ou a falta desses) para preservar o que deveria ser alvo de orgulho e ênfase global, tal qual a Amazônia.
Enquanto o Cerrado continuar a ser tratado como o “patinho feio” dos biomas, a diversidade natural não só dele, mas a de todos os outros biomas que parecem não merecer um fundo de proteção só deles, com doações de organizações internacionais, continuará minguando. Talvez, nos lembremos da importância e unicidade de cada bioma quando a lista desses passar a refletir com fidelidade e o que gringos que vêm ao Brasil acham que aqui existe: a Amazônia e nada mais.