Ruralistas e a tanatopolítica indígena: omissão que expõe povos a violência e morte
27 novembro 2025 às 08h29

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A persistente invasão de terras indígenas por agricultores, pecuaristas, mineradores e madeireiros não é resultado apenas de disputas territoriais isoladas. Segundo pesquisadores, lideranças indígenas e entidades de direitos humanos, há um movimento articulado — e muitas vezes tolerado — por setores influentes do agronegócio que opera como engrenagem de avanço sobre territórios tradicionais.
Esse processo, afirmam especialistas, tem exposto deliberadamente povos indígenas a situações de violência extrema, doenças e vulnerabilidade. Trata-se de um fenômeno que vai além da negligência: configura um ato tanatopolítico, conceito que descreve práticas de poder nas quais o Estado — ou grupos econômicos que influenciam suas ações — decide quais vidas são protegidas e quais podem ser sacrificadas em nome de interesses estratégicos.
Exposição deliberada ao risco
Relatórios de entidades indigenistas apontam que, ao permitir ou participar diretamente de invasões, atores ruralistas ampliam o risco de confrontos armados, disseminação de doenças e destruição ambiental. Em regiões onde há garimpo ou extração ilegal de madeira, crianças e idosos estão entre as principais vítimas de contaminação por mercúrio, desnutrição e doenças respiratórias.
“Quando a lógica econômica se sobrepõe à vida humana, o resultado é previsível: povos inteiros são empurrados para a morte lenta”, afirma um servidor indigenista que atua na região Norte e pediu anonimato por segurança.
Omissão de órgãos oficiais agrava cenário
A crítica também recai sobre órgãos como IBAMA, FUNAI e estruturas locais de segurança pública. Especialistas denunciam que a ausência de Bases de Proteção Territorial bem equipadas, com equipes treinadas e transporte adequado, deixa extensas áreas indígenas à mercê de invasores.
A falta de pessoal, investimentos irregulares e disputas políticas entre governo federal, estados e municípios aprofundam o quadro. Em várias regiões da Amazônia Legal, equipes de fiscalização chegam a operar com viaturas sucateadas, combustível insuficiente e efetivo reduzido, enquanto invasores utilizam drones, veículos de luxo e redes logísticas sofisticadas.
Um modelo que funciona: o caso Avá-Canoeiro
Apesar das dificuldades, exemplos pontuais mostram que é possível garantir proteção real. Na Terra Indígena Avá-Canoeiro, em Goiás, onde vivem apenas oito pessoas, duas Bases de Vigilância Territorial foram instaladas com estrutura completa.
Ao todo, 16 vigilantes — entre servidores especializados e jovens indígenas capacitados — trabalham em regime de revezamento, monitorando a área, realizando rondas, identificando focos de risco e acionando rapidamente órgãos de segurança.
O resultado é considerado exemplar:
- queda acentuada de invasões;
- preservação ambiental mais efetiva;
- maior autonomia e segurança para o povo Avá-Canoeiro.
Para especialistas, o modelo prova que o problema não é técnico, mas político: quando há decisão institucional, os resultados aparecem.
Disputa política amplia tensão
A responsabilização recíproca entre governo, Congresso e bancada ruralista alimenta um ambiente de instabilidade. Enquanto setores do agronegócio alegam insegurança jurídica e contestam demarcações, lideranças indígenas e organizações socioambientais afirmam que há uma estratégia de desgaste e paralisia para facilitar invasões e dificultar a fiscalização.
“É uma disputa assimétrica”, afirma um pesquisador de políticas públicas. “De um lado, povos com pouquíssimos recursos. Do outro, grupos com grande influência política, econômica e institucional. Sem ação firme do Estado, a violência tende a aumentar.”
Consequência direta: vidas sacrificadas
A combinação entre avanço ilegal, omissão governamental e tensões legislativas cria um ambiente onde povos indígenas continuam sendo empurrados para condições que comprometem sua sobrevivência física, cultural e ambiental.
Neste cenário, o termo tanatopolítica não surge como metáfora, mas como diagnóstico: vidas indígenas seguem sendo tratadas como descartáveis no cálculo econômico e político de setores poderosos do país.
