Para especialista, mudança da Lei 15.270/2025 pode levar Receita a tributar lucros isentos sem ata e segregação contábil
07 dezembro 2025 às 08h00

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A Lei 15.270 de 2025, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 26 de novembro e publicada no Diário Oficial da União (DOU) no dia seguinte, introduziu a tributação de 10% sobre lucros e dividendos pagos por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física quando excederem R$ 50 mil mensais, a partir de janeiro de 2026. Na entrevista desta semana ao Jornal Opção Tocantins, o contador e advogado tributarista Fernando Silva Marques de Oliveira analisou as mudanças trazidas pela Lei 15.270 de 2025 e explicou como as novas regras devem afetar a distribuição de lucros e a declaração de Imposto de Renda nos próximos anos.
O especialista acumula mais de dez anos de experiência profissional, é graduado em Direito e Ciências Contábeis e possui especialização em Direito e Processo Tributário. Fernando atua também como diretor operacional de uma empresa de contabilidade, é autor do livro Os Impactos Práticos da Reforma Tributária para Contadores, integra a Junta de Recursos Fiscais do Município de Palmas e fundou o escritório Marques & Oliveira Advogados Associados.
Segundo o governo federal, alguns tipos de rendimentos ficam fora dessa apuração, entre eles ganhos de capital, heranças, doações, rendimentos recebidos acumuladamente, aplicações isentas, poupança, aposentadorias por moléstia grave e indenizações. A legislação também estabelece limites para impedir que a soma dos tributos pagos pela empresa e pelo contribuinte ultrapasse percentuais definidos para empresas financeiras e não financeiras. Se esses limites forem excedidos, o valor deverá ser restituído na declaração anual.
O que muda na prática com a entrada em vigor da Lei 15.270/2025 em relação à tributação de lucros e dividendos?
A grande mudança é que, a partir de janeiro de 2026, lucros e dividendos passam a ser tributados pelo Imposto de Renda quando ultrapassarem R$ 50 mil mensais pagos por uma mesma empresa a uma mesma pessoa física.
Além disso, a partir de 2029, mesmo quem recebe abaixo desse limite mensal poderá pagar imposto extra se a soma das rendas do ano exceder R$ 600 mil. A boa notícia é que lucros apurados até 31/12/2025 continuam isentos, desde que a empresa cumpra os requisitos societários de aprovação.
Como você avalia o impacto dessa legislação para empresários e profissionais liberais no Tocantins?
No Tocantins, a maior parte das empresas é de capital fechado, familiar e com forte presença nos setores de comércio, serviços e agronegócio.
Essas empresas costumam distribuir lucros como forma de remuneração dos sócios. Com a nova lei, haverá uma pressão para reorganizar o planejamento societário, contábil e financeiro, especialmente onde a retirada mensal supera o limite de R$ 50 mil.
Profissionais liberais que operam como pessoa jurídica — médicos, advogados, dentistas, consultores — também sentirão impacto, principalmente aqueles com faturamento mais elevado e que utilizam a distribuição de lucros como estratégia tributária.
A lei prevê isenção sobre os lucros apurados até 31 de dezembro de 2025. Quais cuidados as empresas do Tocantins precisam tomar para garantir essa proteção tributária?
Dois cuidados são fundamentais: aprovar em ata societária, até 31 de dezembro de 2025, o valor dos lucros já apurados, e separar contabilmente, no Patrimônio Líquido, os lucros acumulados até 2025 daqueles que forem gerados a partir de 2026. Sem essas providências, a Receita pode entender que os valores distribuídos depois de 2026 pertencem ao novo regime e, portanto, são tributáveis.
Além disso, é importante que a empresa mantenha toda a documentação organizada e coerente com a escrituração contábil, porque qualquer inconsistência pode levantar questionamentos durante uma eventual fiscalização. Também é recomendável que o empresário consulte seu contador ou advogado tributário antes de registrar ou distribuir qualquer valor, justamente para evitar que um detalhe formal acabe gerando uma tributação indesejada.
O registro da ata de aprovação de lucros até 31/12/2025 é suficiente para blindar esses valores da tributação futura? Quais erros costumam acontecer nesse processo?
A ata é indispensável, mas não basta ser escrita: ela deve identificar claramente o valor dos lucros acumulados até 2025, descrever a forma e o cronograma de distribuição e evitar qualquer mudança posterior nas condições aprovadas.
Os erros mais comuns envolvem a elaboração de uma ata genérica, sem discriminar valores; a aprovação feita após 31/12/2025; a alteração posterior no prazo de pagamento, o que pode descaracterizar a disponibilidade do lucro antigo; e a falta de registro no órgão competente quando aplicável, como no caso de contratos sociais.
Na sua avaliação, qual a melhor forma de separar contabilmente os lucros anteriores à vigência da lei dos lucros apurados a partir de 2026?
A orientação técnica é criar duas contas específicas no Patrimônio Líquido: “Lucros acumulados até 31/12/2025 – Isentos” e “Lucros acumulados a partir de 2026 – Tributáveis conforme Lei 15.270”. Essa segregação facilita auditorias, evita questionamentos e comprova a origem do lucro distribuído, além de permitir um controle contábil mais transparente e organizado para futuras fiscalizações.
Com as contas separadas, a empresa consegue demonstrar com precisão quais valores estão efetivamente protegidos pela regra de isenção e quais já se enquadram no novo regime tributário, reduzindo riscos de autuação e conflitos de interpretação com a Receita Federal.
A partir de 2026, lucros distribuídos acima de R$ 50 mil mensais passam a ser tributados. No Tocantins, esse limite atinge principalmente empresas de quais setores?
No Tocantins, esse limite impacta diretamente negócios que possuem maior volume de resultados e distribuição frequente de lucros aos sócios. Os setores mais afetados são o comércio atacadista — especialmente distribuidores de alimentos, bebidas, material de construção e agroinsumos, que possuem margens estreitas, mas alto giro e, por consequência, costumam remunerar os sócios com valores acima de R$ 50 mil mensais — e também o varejo de médio e grande porte, como redes de supermercados, lojas de departamentos, autopeças e grandes farmácias que, mesmo sob tributação pelo Lucro Presumido, geram resultados significativos para os sócios.
Além desses, frigoríficos e indústrias ligadas ao agro, que em regra têm forte capacidade de geração de caixa e distribuição expressiva de lucros, também estão entre os mais atingidos, especialmente no Tocantins, onde esse setor representa parte relevante da economia. O impacto também alcança empresas tributadas pelo Lucro Presumido ou Real que já adotam a distribuição recorrente de lucros como forma de remuneração dos sócios.
Em resumo, no Tocantins, a maioria das empresas diretamente afetadas está no comércio atacadista e varejista, além dos frigoríficos e agroindústrias, setores que normalmente distribuem lucros em patamares superiores ao novo limite mensal e que precisarão revisar seu planejamento societário para evitar surpresas tributárias.
Existe risco de empresários aumentarem a retirada de lucros antes da virada do ano para evitar a tributação? Essa estratégia é segura?
Retirar lucros de forma precipitada pode ser perigoso se a contabilidade não estiver completamente fechada, se o lucro não estiver devidamente comprovado no Patrimônio Líquido ou se a retirada desrespeitar a capacidade financeira da empresa. O correto é aprovar formalmente o lucro e seguir o plano de distribuição definido na ata, e não fazer retiradas artificiais apenas para “fugir” da lei.
Além disso, antecipações sem respaldo técnico podem gerar questionamentos fiscais, comprometer o fluxo de caixa e até caracterizar distribuição disfarçada de lucros, aumentando o risco de autuações futuras.
Em 2029, mesmo quem recebe lucros abaixo de R$ 50 mil por mês poderá pagar imposto extra se ultrapassar R$ 600 mil anuais. Como isso deve impactar profissionais liberais e empresários de médio porte no Estado?
Profissionais liberais, médicos, advogados, prestadores de serviços e empresários de médio porte podem ser diretamente atingidos.
Eles podem ter tributação adicional na declaração anual, mesmo com retiradas mensais modestas, se a soma de rendimentos ultrapassar R$ 600 mil no ano. Isso exige planejamento de fluxo de caixa e organização societária.
O que contadores e consultores do Tocantins devem priorizar nos próximos meses para evitar autuações?
As três prioridades são garantir o fechamento seguro da contabilidade até 2025, promover a revisão societária com a elaboração das atas de aprovação de lucros e realizar a segregação dos lucros no Patrimônio Líquido, acompanhada da orientação sobre a distribuição futura.
Essas etapas precisam caminhar juntas para assegurar conformidade, evitar riscos fiscais e permitir que a empresa faça a transição para as novas regras com organização e segurança.
Como você orienta empresários que têm lucros acumulados, mas ainda não distribuídos, em relação à ata e ao registro?
A recomendação é elaborar uma ata detalhada aprovando os lucros acumulados até 2025, registrar o documento quando necessário e manter toda a documentação suporte organizada, incluindo balanço, demonstrações e cálculos. Essa formalização é essencial para comprovar a origem dos valores e garantir segurança jurídica na distribuição dos lucros.
Quais são os principais riscos para empresas familiares, que são maioria no estado, caso deixem de registrar corretamente os lucros de 2025?
Há risco direto de tributação indevida a partir de 2026, porque a Receita poderá entender que não havia disponibilidade do lucro antes da mudança e que a distribuição posterior está sujeita à nova regra.
Em empresas familiares, onde as retiradas são frequentes e muitas vezes informais, isso pode significar imposto a pagar sobre valores que eram originalmente isentos.
O Tocantins tem muitas empresas do agronegócio e do comércio. Esses setores devem sentir o impacto fiscal de forma diferente?
Sim. O comércio costuma ter margens menores, mas distribuições elevadas, podendo ultrapassar o limite mensal, enquanto o agronegócio — especialmente agroindústrias, frigoríficos e comercializadoras — geralmente apresenta resultados maiores e maior dependência da distribuição de lucros como forma de remuneração.
Ambos sentirão impacto, mas o agro tende a sofrer mais pela concentração de capital e pelo volume de lucros distribuídos.
Temos que considerar também que setores ligados ao agro geralmente operam com ciclos financeiros mais longos, o que aumenta a sensibilidade a mudanças tributárias. Com isso, qualquer restrição na distribuição de lucros pode afetar diretamente o planejamento e a liquidez dessas empresas.
Qual o pior cenário para quem não regularizar a aprovação dos lucros em ata neste ano?
O pior cenário é que lucros antigos sejam tratados como lucros novos, entrando automaticamente na regra de tributação de 10%.
Ou seja, valores que seriam 100% isentos podem virar base de cálculo para imposto. Isso abriria espaço para autuações, multas e cobrança retroativa, caso a Receita entenda que não houve comprovação adequada da disponibilidade dos lucros até 2025.
Como o empresário tocantinense pode se preparar para evitar prejuízos com as novas regras entre 2026 e 2029?
É importante revisar a estrutura societária, especialmente em empresas familiares, avaliando a necessidade de holdings ou reorganizações para distribuir renda entre sócios de forma eficiente.
Também é essencial planejar a distribuição de lucros, simulando mensalmente o limite de R$ 50 mil e evitando retiradas aleatórias que possam gerar tributação inesperada. Outro ponto é ajustar a proporção entre pró-labore e dividendos, buscando o equilíbrio entre custo previdenciário e economia tributária.
Além disso, é fundamental segregar os lucros apurados até 2025, aprovando-os formalmente em ata e registrando-os em conta contábil própria para preservar a isenção. É necessário ainda reforçar a governança contábil, com balanços atualizados, atas bem redigidas e controle documental, reduzindo riscos de autuação. Por fim, projetar cenários para 2029 é indispensável, já que a regra dos R$ 600 mil anuais poderá gerar imposto extra mesmo para quem recebe menos de R$ 50 mil por mês.
Em resumo, preparar-se desde agora permite atravessar a transição com segurança, enquanto a falta de planejamento pode transformar lucros isentos em valores tributados. O empresário precisa compreender que a transição não se resume ao limite mensal de R$ 50 mil, mas envolve uma nova lógica de tributação sobre renda ao longo dos próximos anos.
Deseja acrescentar algo a mais na entrevista?
Sim. A Lei 15.270 traz mudanças relevantes e, como toda transição, exige organização, documentação e planejamento.
Empresas que se anteciparem agora terão economia tributária significativa e segurança jurídica nos próximos anos. As que deixarem para a última hora podem pagar imposto desnecessário.
A Receita Federal será extremamente rigorosa na fiscalização dessa transição. Quem estiver bem documentado estará protegido. Quem improvisar, não.
