Fernando Marques: “Nova faixa de isenção do Imposto de Renda pode trazer alívio real para os tocantinenses”

19 outubro 2025 às 08h00

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Com 69 mil tocantinenses potencialmente beneficiados pela nova faixa de isenção do Imposto de Renda, o Projeto de Lei nº 1087/2025, aprovado pela Câmara dos Deputados, promete impacto direto no orçamento das famílias do Estado. Entre as medidas, está a isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para rendimentos mensais de até R$ 5 mil, que se aprovado no Senado, começará a valer em janeiro de 2026, abrangendo retenções na fonte e a declaração de ajuste anual entregue em 2027. A declaração de 2026, referente ao ano-base 2025, continuará seguindo as regras atuais.
Para empresas e sócios, a proposta estabelece tributação de 10% sobre dividendos acima de R$ 50 mil por mês. Caso o limite seja ultrapassado, a alíquota incide sobre o total distribuído naquele mês. A regra de transição prevê que lucros apurados até 2025 permanecem isentos, desde que distribuídos até 31 de dezembro deste ano.
O projeto agora segue para análise do Senado Federal, podendo sofrer alterações antes de ser enviado à sanção presidencial. Embora ainda não haja efeito prático para os contribuintes, a proposta integra o conjunto de medidas da Reforma Tributária (Lei Complementar nº 214/2025), que busca reorganizar a arrecadação entre consumo e renda no país.
Em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, o contador e advogado tributarista Fernando Silva Marques de Oliveira avaliou o impacto das mudanças e compartilhou sua experiência na área contábil e fiscal.
Com mais de dez anos de atuação, Fernando é graduado em Direito e Ciências Contábeis, especialista em Direito e Processo Tributário e diretor operacional de uma empresa de contabilidade. Ele é autor do livro Os Impactos Práticos da Reforma Tributária para Contadores, além de integrar a Junta de Recursos Fiscais do Município de Palmas e é fundador do escritório Marques & Oliveira Advogados Associados.
Como a isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil mensais pode impactar os trabalhadores e aposentados aqui no Tocantins, especialmente em Palmas, onde o custo de vida é mais elevado?
A isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais representa um alívio direto no orçamento das famílias, especialmente para trabalhadores e aposentados que enfrentam um custo de vida crescente em cidades como Palmas. Na prática, significa que uma parcela significativa da população, que antes tinha parte da renda comprometida com o imposto, poderá direcionar esse valor para consumo, quitação de dívidas ou poupança, o que tende a movimentar a economia local.
No caso dos aposentados, o impacto é ainda mais relevante, já que muitos vivem com renda fixa e enfrentam despesas constantes com medicamentos e saúde. A isenção também reduz a defasagem histórica da tabela do IR, que não acompanhava a inflação e penalizava justamente quem tinha rendimentos médios.
Há uma estimativa de quantos contribuintes tocantinenses poderão se beneficiar dessa nova faixa de isenção?
Segundo projeções da Receita/Fisco estadual, até aproximadamente 69 mil tocantinenses poderiam deixar de pagar imposto por conta da nova faixa de isenção total, e outras cerca de 29 mil pessoas estariam em faixa de desconto proporcional, caso o projeto considere rendas entre R$ 5 mil e R$ 7 mil.
Na sua avaliação, essa mudança trará alívio no bolso da população ou o efeito será limitado pela defasagem da tabela nos anos anteriores?
Sim, essa mudança traz um alívio real para o bolso para os tocantinenses. A nova faixa de isenção até R$ 5 mil corrige, ainda que parcialmente, uma distorção acumulada ao longo dos últimos anos, já que a tabela do Imposto de Renda ficou praticamente congelada enquanto os salários e benefícios eram reajustados pela inflação.
Na prática, isso significa que milhares de trabalhadores e aposentados que antes eram tributados passarão a ficar isentos, ou terão um desconto menor. É uma medida que devolve poder de compra e gera impacto imediato no consumo das famílias, especialmente nas faixas de renda média e média-baixa.
Ainda que não resolva toda a defasagem histórica, o reajuste representa um passo importante na direção de uma tributação mais justa e alinhada ao custo de vida atual, sobretudo em cidades como Palmas, onde as despesas com moradia e alimentação pesam mais no orçamento.
A partir de 2026, quando a nova regra poderá entrar em vigor, como deve mudar o comportamento dos contribuintes locais em relação à retenção na fonte e à declaração do IR?
É importante ter cautela, porque a proposta ainda tramita no Congresso e pode sofrer ajustes até sua versão final. Mas, se o texto for mantido como está, a principal mudança será percebida diretamente na retenção na fonte, já que o desconto mensal de Imposto de Renda deixará de ocorrer para quem recebe até R$ 5 mil.
Na prática, esses contribuintes passarão a receber o salário integral, sem retenção de IR, o que representa um ganho líquido imediato. Já na declaração anual, muitos poderão deixar de ser obrigados a declarar, uma vez que a Receita Federal define anualmente os critérios de obrigatoriedade, como faixa de renda, valor de bens e participação em operações financeiras.
Ou seja, quem deixar de se enquadrar nesses critérios não precisará mais apresentar a declaração, embora alguns optem por continuar declarando voluntariamente para manter o histórico fiscal e facilitar comprovações de renda.
Para quem ultrapassa a nova faixa de isenção, a tabela reajustada deve reduzir o valor retido e, consequentemente, o volume de restituições. Assim, haverá um reequilíbrio: menos desconto na folha e menos devoluções no ano seguinte, com efeito líquido positivo para a maioria dos contribuintes.

Palmas tem um número crescente de pequenas e médias empresas. Como a tributação de lucros e dividendos acima de R$ 50 mil pode afetar esses negócios e seus sócios?
De fato, entre as pequenas e médias empresas de Palmas, não é comum a distribuição mensal de lucros acima de R$ 50 mil, especialmente porque grande parte está enquadrada no Simples Nacional ou em regimes de lucro presumido com margens ajustadas à realidade local.
No entanto, para aquelas que eventualmente ultrapassarem esse limite, a tributação de 10% sobre os lucros e dividendos excedentes representa um impacto direto no poder de compra e na capacidade de reinvestimento do empresário. Isso porque esses valores já foram tributados na pessoa jurídica, por meio de IRPJ, CSLL e contribuições, o que torna a nova incidência uma espécie de bitributação econômica.
Na prática, o empresário verá uma redução real na renda disponível, podendo adiar investimentos, contratações ou expansão. Em um cenário de juros ainda elevados, isso tende a desestimular a formalização e a geração de novos empreendimentos.
Por outro lado, é importante destacar que o limite de isenção de R$ 50 mil mensais protege a imensa maioria dos pequenos negócios, o que demonstra uma tentativa do governo de concentrar a tributação nos lucros mais expressivos, geralmente de empresas maiores ou de alta lucratividade.
Você acredita que a medida pode desestimular a formalização de empresas ou reduzir a distribuição de lucros no estado?
Sim, há risco de que a medida desestimule, em certa medida, a formalização de empresas e a distribuição regular de lucros. Sempre que há aumento de carga tributária sobre o resultado empresarial, o empresário tende a adotar uma postura mais conservadora, seja reinvestindo o lucro ao invés de distribuí-lo, seja repensando a melhor estrutura societária para reduzir impactos fiscais, dentro dos limites legais.
Além disso, como o lucro das empresas já é tributado antes da distribuição, essa nova cobrança pode gerar a sensação de dupla tributação. Na prática, o empresário pode enxergar menos vantagem em manter toda a renda formalizada. Por isso, é importante que a medida venha acompanhada de regras claras e estáveis, para que o ambiente de negócios no Tocantins continue favorável à geração de empregos e investimentos.
Para micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional, há algum reflexo prático dessa proposta ou o impacto será restrito a empresas maiores?
Para as micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional, o impacto prático deve ser muito limitado. Em geral, esses negócios não distribuem lucros acima do teto de isenção, e, por isso, não seriam alcançados pela tributação proposta sobre lucros e dividendos.
Na prática, a proposta afeta principalmente empresas de médio e grande porte, ou aquelas com estrutura societária mais robusta, que costumam registrar lucros mais expressivos e distribuição mensal superior a R$ 50 mil.
Essa tributação sobre dividendos pode afetar a atração de investimentos para o Tocantins, considerando o esforço do estado em diversificar sua economia?
Não acredito que essa medida afete a atração de investimentos para o Tocantins. O Imposto de Renda é um tributo federal, com regras que valem igualmente para todos os Estados. Por isso, não há perda de competitividade regional, já que o investidor analisará o cenário nacional como um todo.
Os fatores que realmente pesam na decisão de investir no Tocantins continuam sendo a oferta de incentivos estaduais, a localização estratégica, a infraestrutura logística e o custo operacional das empresas, pontos em que o Estado segue competitivo e em constante evolução.
Em termos de arrecadação, o Tocantins pode sentir algum reflexo indireto dessas mudanças federais, já que parte da arrecadação do IR é partilhada com estados e municípios?
Sim, parte do Imposto de Renda é partilhada com estados e municípios, o que poderia gerar algum impacto indireto. No entanto, no caso do Tocantins, esse efeito tende a ser mínimo e compensado pelo aumento da atividade econômica, já que a isenção amplia o poder de compra da população e estimula o consumo local.
Com uma economia menos densa e fortemente apoiada no comércio e nos serviços, o Estado deve sentir mais os efeitos positivos da movimentação econômica do que eventuais reduções marginais na participação do IR.
Os municípios tocantinenses, especialmente Palmas, podem esperar aumento de repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) caso o projeto seja sancionado?
Como a nova faixa de isenção do IR reduz ligeiramente a arrecadação federal, pode haver uma pequena queda nesses repasses.
No entanto, no caso do Tocantins, o impacto deve ser mínimo, pois o Estado tem baixa densidade populacional e pequena participação na arrecadação nacional do imposto. Além disso, o aumento do poder de compra das famílias tende a estimular o comércio e gerar compensações na arrecadação de tributos locais, como o ICMS e o ISS
Há alguma estimativa de quanto o Tocantins deixará de arrecadar, ou poderá ganhar, com essa reconfiguração da base tributária?
Por enquanto, não há estimativa oficial sobre quanto o Tocantins poderá perder ou ganhar com essa reconfiguração da base tributária. O impacto dependerá de fatores que ainda estão em discussão no Congresso, como as compensações previstas pelo governo federal e a forma como será estruturada a partilha do Imposto de Renda e dos novos tributos entre União, Estados e Municípios.
De todo modo, considerando o porte da economia tocantinense e sua baixa participação na arrecadação nacional do IR, a tendência é que os efeitos diretos sejam modestos, com eventuais compensações sendo sentidas mais pelo aumento do consumo e da arrecadação de tributos locais, como o ICMS e o ISS.
O projeto prevê uma regra de transição para lucros apurados até 2025. Que orientações as empresas tocantinenses devem seguir ainda neste ano para aproveitar o benefício da isenção atual?
Sim, o projeto prevê uma regra de transição importante. Os lucros e dividendos apurados até 31 de dezembro de 2025, cuja distribuição for formalmente aprovada ainda neste exercício, continuarão isentos da nova tributação, mesmo que o pagamento ocorra apenas em 2026.
Por isso, é fundamental que as empresas tocantinenses, especialmente as de médio porte e aquelas com lucros acumulados, organizem sua contabilidade e deliberem formalmente sobre a distribuição ainda em 2025, garantindo que a decisão conste em ata ou documento societário hábil. Essa providência assegura o direito à isenção atual, antes que as novas regras entrem em vigor.
As empresas locais já estão se preparando para adaptar seus controles contábeis e fiscais caso o projeto seja aprovado no Senado?
Ainda não. De modo geral, as empresas locais não iniciaram adaptações formais em seus controles contábeis e fiscais, porque o projeto ainda está em análise no Senado e pode sofrer modificações.
O sentimento predominante entre os empresários é de expectativa e esperança de que essa parte da proposta, especialmente a tributação de lucros e dividendos, não seja aprovada. Enquanto isso, a maioria adota uma postura de observação, aguardando definições mais concretas para avaliar eventuais ajustes.
Como o PL 1087/2025 se conecta com a Reforma Tributária em andamento (LC nº 214/2025) e o esforço do governo de reequilibrar a carga entre consumo e renda?
O PL 1087/2025 se conecta diretamente com a Reforma Tributária (LC nº 214/2025) porque ambos caminham na mesma direção: reduzir o peso dos impostos sobre quem ganha menos.
Enquanto a Reforma desonera o consumo de itens essenciais, como alimentos da cesta básica e medicamentos, o PL 1087 amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil, aumentando o poder de compra das famílias.
Em conjunto, essas medidas redistribuem a carga tributária, transferindo parte do ônus do consumo, que afeta toda a população, para a renda e o lucro, que se concentram nas camadas mais altas. É um passo importante rumo a um sistema mais progressivo e socialmente equilibrado.
Em sua opinião, essas mudanças caminham no sentido de tornar o sistema tributário mais justo para a realidade econômica do Tocantins e da região Norte do país?
Ainda é cedo para afirmar com precisão se essas mudanças tornarão o sistema tributário mais justo para o Tocantins e para a região Norte. O que se observa, por enquanto, é uma intenção clara de equilíbrio, com medidas que reduzem o peso dos tributos sobre o consumo e ampliam o poder de compra das faixas de renda mais baixas.
Vale ressaltar, porém, que boa parte dos tocantinenses já se encontrava dentro da faixa de isenção do Imposto de Renda, e portanto não sentirá mudança direta sob esse aspecto. O impacto mais perceptível virá pelos benefícios da Reforma Tributária, especialmente com a redução de tributos sobre itens da cesta básica, que afeta positivamente toda a população.
Por isso, é prudente aguardar os reflexos práticos nos próximos anos antes de conclusões definitivas, sobretudo porque o resultado final dependerá de como a economia local reagirá e de como se dará a compensação entre União, Estados e Municípios.