Leandro de Alcântara vem se destacando no cenário do audiovisual tocantinense. Natural do Maranhão e estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Tocantins (UFT), ele atua como produtor cultural, diretor e montador de filmes. É também idealizador do Festival Cinetoca – O Grande Prêmio do Cinema Tocantinense, iniciativa criada para valorizar o cinema produzido no estado e oferecer um espaço de reconhecimento para realizadores locais.

Nos últimos meses, Leandro ganhou destaque nacional, principalmente com o documentário “Da Aldeia à Universidade”, produzido em parceria com Túlio de Melo, codiretor e roteirista natural de Brasília, com formação em Filosofia e Cinema, incluindo pós-graduações e mestrado. Contemplado pela Lei Paulo Gustavo, o filme retrata a resistência dos povos indígenas por meio da educação e conquistou importantes premiações, incluindo o melhor trailer/teaser do Concurso Interativo do Gramado Film Market, durante a 53ª edição do Festival de Cinema de Gramado, realizado em agosto.

A trajetória de “Da Aldeia à Universidade” é histórica para o cinema tocantinense: apenas três filmes do estado foram selecionados para o Festival de Gramado, e dois deles receberam premiação, incluindo este documentário. Além do reconhecimento em Gramado, o filme acumula menções honrosas em mostras no Rio de Janeiro, prêmios no Maranhão e já soma 14 seleções e sete prêmios em festivais nacionais e internacionais, trazendo o trabalho de Leandro e Túlio como referência na produção audiovisual local.

Leandro e Túlio no Festival de Cinema de Gramado | Foto: Arquivo Pessoaç

Mais do que o reconhecimento, a obra tem impacto social e cultural, sobretudo pela participação de Romário Sorowasde Xerente, personagem do documentário e assistente de direção, que fincou uma visibilidade e representatividade real da obra.

Com esse histórico de premiações e de ativismo cultural, Leandro de Alcântara se firma não apenas como um realizador, mas também como uma voz ativa no fortalecimento do cinema tocantinense, ao lado de Túlio de Melo, cujo olhar e experiência complementam a construção de obras que dialogam com pautas sociais importantes. Os dois juntos tem uma produtora, a GBM Filmes.

Ficha técnica do documentário premiado | Foto: Divulgação

A seguir, Leandro fala sobre sua trajetória, o Festival Cinetoca e o impacto de “Da Aldeia à Universidade” no cenário do cinema tocantinense, durante entrevista ao Jornal Opção Tocantins:

Como surgiu esse interesse pela área da produção audivisual, quem é o Leandro e como foi sua trajetória até aqui?

Minha trajetória começou em 2019. Já conhecia o Túlio, que estudava filosofia e cinema, e durante o período da especialização dele surgiu a oportunidade de não só estudar, mas também produzir. Ele me chamou para participar da produção do documentário Performance do Real, que foi nosso primeiro trabalho. A partir dali, fui me apaixonando pela área da produção e cada projeto que surgia eu estava junto com ele. Naquela época e até hoje, não havia curso de cinema na universidade, então acabei optando pelo jornalismo, que se adequava mais à produção. Entre as minhas referências, estão a Caroline Marcovitz, diretora de Carvão, assisti também Pedágio, filme brasileiro, e me inspirei nela. Aqui no Tocantins, como referência, diria a Eva Pereira, cujo filme O Barulho da Noite é muito bom.

E desde 2019, quais foram os seus prinicipais desafios ao embarcar nessa área?

O grande desafio é a falta de espaço para novos realizadores. Apostar num diretor que surge do nada e ganha um festival é difícil, porque o mercado ainda não está estruturado. Como Túlio defende, e eu concordo plenamente: o grande desafio no Tocantins é a falta de espaço para novos realizadores, já existe um certo grupo mais fechado o que bloqueia o acesso de pessoas novas que sonham em fazer cinema. Quem chega aqui e não consegue um edital, dificilmente consegue se incluir nesse cenário.

Túlio sugere que a criação de uma faculdade de cinema seria um passo fundamental para mudar isso, e eutambém acredito ser o caminho. Aqui na UFT, já existe uma especialização em Documentário Audiovisual no Campus de Porto Nacional, e isso pode servir como base para que, no futuro, possamos ter um curso completo de cinema.

Leandro de Alcântara e Túlio Melo | Foto: Elâine Jardim/Jornal Opção Tocantins

”Da Aldeia à Universidade” foi produzida com apoio da Lei Paulo Gustavo. Como foi a experiência de criar o filme com esse incentivo e como você enxerga a importância de políticas como essa?

Foi incrível. Construir uma ideia e ter recursos para realizá-la é um sonho. Sem a Lei não conseguiríamos realizar o projeto, mesmo com perseverança. O processo de submissão exige preparo: escrever bem, montar um portfólio, enfrentar a concorrência inicial. Então, querendo ou não, é um campo difícil de atuação, mas não é impossível. Quem tem vontade precisa arregaçar as mangas, assim como nós fizemos.

Ao todo demorou um ano para produzir o documentário com mais de 50 pessoas envolvidas que sem a Lei Paulo Gustavo não conseguiríamos custear, produzir cinema é caro.

Registro durante gravações do documentário | Foto: Arquivo Pessoal

A ideia de colocar em evidência a vivência de indígenas nas universidades surgiu como?

Na época em que Túlio estava na universidade, estudando Filosofia, ele percebeu que muitos alunos indígenas entravam na faculdade, mas não conseguiam concluir nem as disciplinas, quanto mais o curso completo. Foi a partir dessa observação que ele teve a ideia do roteiro. Como ele me contou, havia amigos próximos, inclusive do povo Xerente, e ele pensou: ‘Talvez a gente possa documentar isso para provocar uma reflexão sobre a permanência desses alunos’.

Túlio destacou dados importantes, como o do campus de Miracema da UFT: desde o início do sistema de cotas para indígenas, apenas oito alunos se formaram. Isso mostra que o problema não é apenas o acesso, mas também a permanência. Nós então produzimos o documentário com o objetivo de levantar essa bandeira, mostrando que políticas públicas são necessárias para que esses estudantes realmente permaneçam na universidade.

Além disso, a barreira linguística é um grande desafio. Muitos alunos indígenas não dominam a língua portuguesa, e isso contribui para que cerca de 80% deles abandonem os cursos. O sistema de cotas foi um passo importante, mas o foco do documentário não é criticar a entrada, nem o próprio sistema de cotas, e sim destacar a permanência e o apoio que esses estudantes precisam para concluir seus estudos.

Houve histórias marcantes durante a gravação ou no pós, como premiações?

O momento mais marcante foi devolver o documentário à comunidade. Fizemos exibição pública em Miracema, no campus de pedagogia, com os alunos indígenas. Eles se reconheceram no filme. Uma aluna chorou, dizendo que não desistiria do curso depois de ver a Sandra, personagem do documentário, superando desafios similares. Outra chorou por causa da distância da família. Uma acadêmica mais velha entendeu apenas no final do curso conceitos básicos, como resenha, mostrando as barreiras de aprendizado.

Exibição no Campus de Miracema | Foto: Arquivo Pessoal

Leandro, o Cinetoca tem se desenvolvido como um espaço de valorização do cinema local. Pode nos contar de onde surgiu a ideia de criar esse festival e qual foi a motivação por trás dessa iniciativa?

O Cinetoca surgiu a partir das nossas participações em festivais, e tem relação direta com um outro projeto que realizamos, chamado Zé Onça – Relato de uma Memória. Participamos de um festival em Trancoso, na Bahia, uma vilinha pequenininha, mas onde toda a cidade se mobilizou para construir o evento. Foi ali que eu pensei: Palmas é uma cidade tão grande e ainda não possui nenhum festival de cinema; isso é vergonhoso para a gente.

Durante a viagem de volta, saindo do festival, ainda no aeroporto, na sala de espera, idealizamos o Cinetoca do começo ao fim. Só que ainda faltava definir o prêmio: o que usar como troféu do festival? Na faculdade, sempre pesquisando, surgiram várias ideias. Pensamos inicialmente em algo como as corujas, inspiradas nas corujinhas que ficam nas rotatórias de Palmas.

Depois, participamos de outro projeto junto ao Infam, chamado Ouriversaria de Natividade, e foi lá que descobrimos que as Bonecas Carajás são o primeiro artefato indígena reconhecido como patrimônio imaterial nacional. Pegamos essa referência das bonecas e fizemos uma releitura para criar o troféu do festival, que acabou se tornando a nossa marca simbólica.

Bonecas Karajá (chamadas Ritxòkò) | Foto: Emerson Silva
Trófeu do CineToca | Foto: Iris Mayra

Depois de toda essa trajetória e do sucesso de ‘Da Aldeia à Universidade’ e do Cinetoca, quais são os próximos projetos que você planeja para o cinema tocantinense?

A gente tem uma produtora que realiza tanto os documentários quanto o festival. O objetivo é dar continuidade ao Cinetoca, tornando-o permanente como uma janela de exibição no estado, que ainda enfrenta muita carência nesse sentido. Essa carência não é só do Tocantins, mas de toda a região Norte. Inclusive, ontem, na abertura do festival, eu e o Túlio assumimos um compromisso com o público e com os realizadores presentes de que vamos trabalhar para que o Cinetoca se torne uma referência para a nossa região.

E falando sobre o que é o cinema pra mim, é difícil colocar em palavras, mas é como você pensar em uma ideia, colocá-la no papel e depois vê-la se concretizando, finalizando. A gente idealizou um filme inteiro, descrevendo cena por cena como tudo aconteceria, e depois ver o resultado na tela é surreal.

Lembro da primeira estreia no Rio de Janeiro: mesmo trabalhando na edição e vendo o material inúmeras vezes, quando você assiste na tela do cinema, é impossível não se emocionar. Ver aquilo que a gente imaginou e idealizou concretizado é uma sensação incrível, quase mágica.

Banner da edição de 2025 | Foto: Divulgação

Que conselho você daria para quem deseja começar no audiovisual, especialmente em um cenário ainda pouco estruturado como o do Tocantins?

É isso, é meter a cara e enfrentar tudo o que for possível, mesmo sabendo que os ‘não’ vão aparecer. Como o Túlio diz, o mínimo é assistir a muitos filmes, estudar. Eu acredito que, antes de mais nada, você precisa realmente gostar do que faz, porque vai lidar com pessoas, com egos, e com questionamentos do tipo: ‘Quem é esse garoto? Por que ele está falando sobre esse tema?’. Os ‘não’ vão surgir, mas não se pode se abater com eles; pelo contrário, essas situações devem servir de motivação para continuar seguindo em frente.

A produtora e a exibição dos filmes

A GBM Filmes, produtora de Leandro de Alcântara e Túlio de Melo, é especializada em produções que abordam temas sociais e provocam reflexão. Seus filmes tratam de questões como a invisibilidade de mulheres trans e travestis, a permanência de indígenas na universidade e a defesa de territórios indígenas, além de curtas infantojuvenis que discutem o uso excessivo de smartphones pelas crianças.

A produtora também atua como distribuidora, garantindo a circulação dos filmes em festivais e exibições em teatros e cinemas em todo o país, incluindo Manaus, Recife, Florianópolis, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Informações sobre exibições são divulgadas no perfil da GBM Filmes no Instagram, e o longa “Da Aldeia à Universidade” está disponível gratuitamente até 11 de setembro na plataforma Itaú Cultural Play, mediante cadastro.

‘Da aldeia à universidade’ recentemnet foi selecionado para exibição no III Encontros de Orí | Foto: Divulgação