Marcello de Lima Lelis é o atual secretário do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Tocantins. Natural de Inhumas (GO), chegou a Palmas em 1992 e desde então tem uma trajetória marcada pelo engajamento em políticas ambientais e pelo protagonismo político no estado. Casado com a deputada estadual Cláudia Lelis, com quem tem quatro filhos, Marcello é também empresário no ramo de hotelaria e turismo e entusiasta de esportes como atletismo e ciclismo.

Seu primeiro cargo público foi a Superintendência de Parques e Jardins de Palmas, em 1993. Em 2002, assumiu a presidência da Agência Municipal de Meio Ambiente e Turismo (Amatur), onde idealizou o projeto Amigos do Meio Ambiente (AMA), que beneficiou mais de dois mil jovens com ações socioeducativas e ambientais, sendo reconhecido com prêmios como o Itaú Unicef, Gestão Pública e Cidadania e Feira de Soluções Criativas.

Na política, foi eleito vereador de Palmas em 2004 e, dois anos depois, deputado estadual, sendo reeleito em 2010. Liderou o Partido Verde (PV) no Tocantins por mais de uma década, presidindo o diretório regional entre 2005 e 2017. Hoje, integra a Executiva Nacional do partido.

Além de suas pretensões políticas, na entrevista desta semana, o secretário Marcello Lelis detalha ao Jornal Opção Tocantins o funcionamento do programa REDD+ no Tocantins, destacando que o estado é atualmente o mais avançado do mundo entre os entes subnacionais em relação à certificação de créditos de carbono. O programa contabiliza a redução de desmatamento e degradação florestal em todo o território estadual, com o objetivo de gerar créditos que possam ser vendidos no mercado internacional, como parte dos compromissos globais de mitigação das mudanças climáticas.

Lelis explicou que os recursos obtidos com a venda desses créditos serão repartidos entre três grandes grupos: 50% para o governo estadual, 25% para os povos e comunidades tradicionais e 25% para o setor agropecuário. A divisão está sendo construída com base em oficinas participativas com os beneficiários e em audiências públicas.

O secretário também enfatizou que o REDD+ não trabalha com medição individual por propriedades, mas sim com resultados globais do estado, o que garante a participação de comunidades quilombolas, indígenas e agricultores familiares, mesmo sem titulação fundiária.

Ele abordou ainda a importância de parcerias com empresas como a Mercúria, esclareceu as etapas de validação internacional dos créditos e rebateu críticas vindas de setores do agronegócio, defendendo que o Tocantins tem competência técnica e política para liderar iniciativas ambientais. Para ele, à medida que os recursos começarem a chegar e os benefícios forem materializados, a resistência tende a diminuir.

Samir Leão – Queria que o senhor desse um panorama da gestão do governador Wanderlei Barbosa na área de meio ambiente até aqui. O que o senhor destacaria? Qual foi o posicionamento do governador nesse setor? Quais os principais pontos e avanços da política ambiental na atual gestão?

Eu penso que existe um lema que o governador estabeleceu desde o início, desde o momento em que me convidou, e que norteia todo o fortalecimento da política ambiental que temos hoje.

Quando ele me convidou, chamou também o secretário Jayme Café, da Agricultura, para a reunião. Disse o seguinte: “Marcello, você entende que o Estado do Tocantins é agro?” Eu disse que sim. Ele continuou: “Você entende que devemos valorizar o agronegócio no Tocantins e reconhecer sua importância para o PIB [Produto Interno Bruto] do Estado?” Eu confirmei.

Então ele virou para o secretário Café e disse: “Você entende que o agronegócio no Tocantins precisa produzir respeitando as regras ambientais? Você entende que o desenvolvimento que queremos para o Estado é o desenvolvimento sustentável?” Esse foi o norte da política.

O governador tem, no meu ponto de vista, uma característica muito positiva: a sabedoria. Ele equilibra bem as coisas. Em alguns momentos, ele articula com o setor agro, estabelece políticas, assina decretos, apoia o agronegócio. Em outros, fortalece o meio ambiente.

Governador Wanderlei Barbosa e Marcello Lelis | foto: Adilvan Nogueira/Governo do Tocantins

Esse equilíbrio entre produção e preservação é a principal marca da gestão nessas áreas e a base para o fortalecimento da política ambiental.

Se formos analisar o que foi feito, há muitas ações importantes. Na área de recursos hídricos, por exemplo, temos todo o trabalho de monitoramento de nível e qualidade da água em todas as bacias hidrográficas do Tocantins.

Temos um programa de restauração de nascentes chamado Plantando Água. Estamos restaurando 200 hectares em todas as regiões do Estado. Já há uma decisão do Banco Mundial de financiar a duplicação dessa área de restauração.

Também temos trabalhos na área de resíduos sólidos, com o projeto Lixão Zero, em que estamos auxiliando todos os municípios a acabar com os lixões.

No eixo da Secretaria do Meio Ambiente, os focos são a redução do desmatamento ilegal e a redução do fogo. Houve avanços significativos.

Com recursos do programa de carbono do Estado, desenvolvemos a plataforma Cigma [Centro de Inteligência Geográfica em Gestão do Meio Ambiente] (cigma.to.gov.br). Trata-se de uma das mais avançadas do país e, entre os nove estados da Amazônia Legal, possivelmente a mais desenvolvida.

A plataforma é aberta ao público e usada internacionalmente. Traz dados de desmatamento e queimadas dos últimos 40 anos, por propriedade, cidade e região. Está conectada ao Corpo de Bombeiros, identificando onde o incêndio começa.

Pela primeira vez, temos a separação clara entre desmatamento legal e ilegal. E vamos além: conseguimos diferenciar o desmatamento ilegal propriamente dito – por exemplo, quando o proprietário ultrapassa o percentual permitido e não tem mais área para manter reserva legal-daquele chamado desmatamento deslocado, em que a licença é para uma área, mas o desmate ocorre em outra parte da propriedade.

5

Elâine Jardim – Por isso, talvez, haja uma certa diferença na atualização dos dados em relação a outras plataformas nacionais?

Exatamente. O desmatamento é monitorado de forma retroativa, porque o Cigma é abastecido por bases nacionais, como MapBiomas, Prodes [Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite] e o [Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real] Deter. As atualizações dependem dessas fontes.

Os dados são mais elaborados. Cruzamos todas essas bases e classificamos os dados. Também utilizamos informações do próprio Naturatins [Instituto Natureza do Tocantins] para verificar se há autorização para aquele desmatamento.

Outra vantagem do Cigma é o modelo de desenvolvimento. Diferente de sistemas contratados e depois abandonados pelas empresas, o Cigma é mantido por 11 técnicos dentro da Secretaria, coordenados pelo professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Marcos Giongo. O sistema está em constante aprimoramento.

Com o Cigma, já é possível comprovar a redução do desmatamento e das queimadas em comparação com anos anteriores.

Também executamos o maior plano de combate a incêndios da história do Tocantins, resultado de uma determinação do governador. Em parceria com o Corpo de Bombeiros e o Naturatins, estruturamos a maior equipe de brigadistas, adquirimos mais equipamentos e veículos, e destinamos o maior volume de recursos já investido nessa área: saltamos de R$ 7 milhões no ano passado para R$ 17 milhões neste ano.

Elâine Jardim – Talvez à frente de outros estados também?

É provável. No Naturatins, a chegada do Cledson da Rocha Lima [na presidência] trouxe um avanço importante. Ele é um executivo, e a instituição precisava dessa postura mais executiva. Estamos atuando nas pautas prioritárias definidas pelo governador e temos avançado bastante.

O plano de manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Ilha do Bananal, o plano de manejo do Parque Estadual do Cantão e a análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR) – que é um dos grandes gargalos. A análise do CAR é um problema nacional. Apenas São Paulo, que está mais avançado, conseguiu superar esse desafio. Mas o Tocantins está determinado. Estamos contratando o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig), da Universidade Federal de Goiás (UFG), com recursos do Fundo Estadual do Meio Ambiente, para atualizar a base de dados. Também trabalhamos com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no projeto CAR 2.0 para agilizar o processo.

Tudo isso está sendo feito com o Naturatins e a Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos atuando juntos.

Para vencermos essa etapa importante, que é a análise do CAR, é preciso destacar que ela une, voltando à fala inicial do governador, o setor produtivo e o setor de meio ambiente. Para nós, do meio ambiente, é fundamental ter o CAR analisado, porque as informações que usamos para definir políticas públicas vêm, em sua maioria, do Cadastro Ambiental Rural.

E, para o agronegócio, também é essencial ter o CAR analisado, porque os financiamentos bancários só ocorrem mediante essa apresentação. O CAR é uma ferramenta importante para ambos os setores.

Elâine Jardim –  Muitas vezes, uma fazenda pode estar ilegal por não ter o CAR, por exemplo?

Sim. Se não tiver o CAR, está irregular. Não necessariamente porque cometeu um crime ambiental, mas porque não tem acesso a nenhum mecanismo financeiro. Pode ser que a propriedade não tenha desmatamento ilegal, mantenha a reserva legal, esteja preservada. Mas, sem o CAR, não tem como provar isso.

O CAR é a carta de apresentação. Se o produtor chegar ao banco e pedir financiamento, a primeira exigência será: “Cadê o seu CAR analisado?” É por meio desse documento que o banco verifica se a propriedade está regular. Sem ele, o banco teria que buscar nos arquivos do Naturatins ou enviar um engenheiro ambiental à fazenda – algo inviável no mundo de hoje. O banco usa o CAR como referência. Então, mesmo que o produtor esteja regular, ele não terá acesso a financiamento sem essa comprovação.

Samir  Leão –  Secretário, antes de ocupar esse cargo, o senhor construiu uma carreira política. É conhecido em todo o estado e tem força dentro do partido, o PV. No caso de uma eventual renúncia do governador em abril, por exemplo, para disputar o Senado, o senhor acredita que esses avanços na política ambiental serão mantidos?

Acredito que sim. Esses projetos chegaram para ficar porque são muito sólidos. Foram analisados por todos os órgãos de controle – Procuradoria-Geral do Estado, Controladoria-Geral, Tribunal de Contas. São acordos firmados em bases sólidas. São políticas de Estado, não apenas de governo.

Claro que essas políticas foram implantadas porque houve uma decisão – corajosa –  de um governante que, como disse anteriormente, sabe equilibrar bem esse jogo. Um líder que reconhece a força do setor produtivo, especialmente do agronegócio, mas que também entende que, para garantir sustentabilidade, saúde para os tocantinenses, e qualidade de vida para esta e as próximas gerações, o desenvolvimento precisa acontecer respeitando as regras ambientais.

A partir dessa decisão, foram construídas políticas muito bem estruturadas. E, no meu ponto de vista, dificilmente serão interrompidas.

Samir Leão – O senhor acredita ou não na renúncia do governador?

Vou repetir o que ele tem dito: que permanece no cargo até o final do mandato. Acredito que é bem possível que ele fique.

Samir Leão – O senhor tem alguma pretensão política? Pretende se candidatar?

Tenho pretensões políticas… ambientais.

A Cláudia está na política, é candidata à reeleição como deputada. Eu me sinto muito bem representado por ela e por outros atores da política tocantinense. Sinceramente, estou muito feliz com essa oportunidade de trabalhar com algo em que realmente acredito. Eu não estou na cadeira de secretário pelo salário ou pelo cargo em si, mas porque acredito no trabalho.

Samir Leão –  Só uma última pergunta ainda sobre política: além da Cláudia, o PV vem com outros nomes para o cenário eleitoral?

Sim, o PV terá outros nomes, mas as chapas ainda não estão definidas – nem para deputado estadual, nem para federal. Estamos em processo de construção.

4

Elâine Jardim – O Tocantins tem sido citado como um dos pioneiros no projeto de implantação do REDD+. Quais são os principais desafios enfrentados na implantação do programa? Porque, apesar de não ser totalmente novo, ainda é pouco conhecido.

Muito obrigado pela pergunta. De certo modo, você já respondeu parte dela.

O maior entrave, como eu disse recentemente numa conferência em São Paulo – o Congresso Brasileiro de Clima e Florestas – é a comunicação. Uma pessoa da plateia me fez exatamente essa pergunta, e minha resposta foi a mesma: a maior dificuldade tem sido a comunicação.

Por isso dou tanto valor a oportunidades como esta. Nossa grande barreira foi – e ainda é – lidar com a desinformação. Lutar contra grupos que, por razões que desconheço, produzem desinformação. Acabei de ver, antes de vir para cá, um novo vídeo de fake news. Mas fake news mesmo, com deboche, distorcendo o projeto.

Não sei quais são as motivações desse pequeno grupo ligado ao agronegócio. E aqui deixo claro: falo de um grupo muito pequeno. A maioria do agro é séria e trabalha com responsabilidade. Mas essa minoria tem promovido desinformação. Por quê? Por questões políticas? Por promoção pessoal? Não sei. Só sei que essa desinformação é extremamente nociva para o estado.

Se pudéssemos voltar atrás, faríamos tudo como fizemos, com exceção de um ponto: teríamos dado mais atenção à comunicação desde o início. Isso teria minimizado os impactos das fake news. Porque sim, elas causam impacto.

Nos grupos do agronegócio, temos dificuldade de emplacar os vídeos com a informação correta. Afinal, como é que o governo vai “mentir” dizendo que o REDD+ não tem intenção nem poder de ser mais restritivo que o Código Florestal?

Não faz sentido. O Código Florestal Brasileiro é nossa base – nossa “Bíblia” da preservação e da produção. Não existe programa de REDD+ no planeta com mais força jurídica que o Código Florestal.

Enquanto isso, a indústria da desinformação espalha que o REDD+ vai acabar com o agronegócio, que não será mais possível abrir áreas no estado. Isso simplesmente não existe.

Aliás, uma das salvaguardas de um programa de REDD+ – uma das primeiras – é o respeito à legislação do país onde o programa está sendo implantado.  Então, comunicação foi – é – algo que a gente faria diferente, com mais força. Vamos então para o começo.


Elâine Jardim –  Quero que o senhor nos explicasse o que é REDD+, o que é REDD+ jurisdicional de uma forma muito didática, pois sabemos que são termos complexos e que muita gente ainda não compreendeu os conceitos desses projetos. 

Perfeito. Bom, o que ele é um programa de REDD+? Se você pegar a sigla em inglês e traduzir para o português, vai chegar a: Redução das Emissões dos Gases do Efeito Estufa por Desmatamento e Degradação. O “+” significa “mais as salvaguardas”. Vamos simplificar: desmatamento todo mundo entende o que é. Degradação, podemos traduzir por fogo. Então, REDD+ é redução do desmatamento e do fogo.

Como são gerados créditos? Reduzindo o desmatamento e o fogo. Você tem uma linha base, que é sua linha de referência, e a partir daí faz as medições. Se conseguir reduzir o desmatamento, o fogo e as queimadas, você gera créditos. Essa diferença é transformada em créditos de carbono.

Esses créditos são uma moeda internacional. Não tem a criptomoeda? O crédito de carbono é a moeda ambiental do planeta. 

Mas só existem projetos que geram crédito de carbono na modalidade REDD+?

Não. Existem dezenas de tipos de projetos que geram crédito de carbono. Por exemplo, se você trocar a frota de ônibus de uma cidade – movida a óleo diesel – para energia elétrica, você gera crédito de carbono e pode desenvolver um projeto nessa linha.

Hoje em dia, tem carbono do solo, carbono do mar – feito com a preservação de algas, nem sei direito como funciona essa modalidade. Mas há várias. Essa nossa é a redução do desmatamento e do fogo. E você gera crédito reduzindo o desmatamento e o fogo.

Entre 2020 e 2024, por uma ação de todos os tocantinenses – todos os atores envolvidos, o governo, que trabalhou muito, povos originários e tradicionais, agricultores familiares, que também fizeram sua parte.

O próprio agro, que também contribuiu. O agro consciente preserva. No bioma Cerrado, são 35% de preservação; quando você soma com as áreas de APP [Área de Preservação Permanente], isso vai a 40%, 45% da propriedade regular preservada.

Então, o agro também contribuiu para isso. Nós conseguimos, entre 2020 e 2024, reduzir o desmatamento e o fogo. E é isso que estamos trabalhando há três anos: cálculos infindáveis.

Conseguimos, por meio de metodologia internacional, com muito trabalho técnico, envolvendo gente do mundo todo – nossa equipe da Semarh [Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos], a Superintendência de REDD+, comandada pela Marli Santos, e a Secretaria, que é a cabeça -, fazer isso. Quem manda no processo somos nós. Nós não abrimos mão da nossa soberania.

Mas há pessoas no mundo todo ajudando tecnicamente a fazer o programa, a fazer cálculos. A rede foi estabelecida. E nós chegamos a algo que gira entre 13 milhões – talvez um pouco mais – de toneladas de carbono provenientes da redução do desmatamento e do fogo entre 2020 e 2024.

É isso que estamos batendo muito na tecla, especialmente para um pequeno setor agro entender que isso já é patrimônio nosso. Já é um dinheiro nosso.

Cabe destacar que não estamos trocando o PIB que o agro gera no Tocantins pelo programa de REDD+. Não estamos fazendo isso. Estamos somando.

Se você fizer o cálculo com 13 milhões de toneladas a 10 dólares a tonelada, você chega a algo em torno de R$ 1 bilhão de reais. Dez dólares é um valor conservador. Acredito plenamente que vamos vender nossos créditos por um valor bem superior. Mas, trabalhando com 10 dólares, estamos falando de 13 milhões de toneladas vezes 10, o que dá 130 milhões de dólares – vezes R$ 5 e pouco (a cotação), você chega a quase R$ 1 bilhão de reais.

E é um dinheiro que não é empréstimo. Não vamos dever nada. É um dinheiro que chega para somar com tudo o que todos nós queremos. O agro não quer que as propriedades onde produzem hoje continuem sendo produtivas para os filhos, netos, bisnetos? Queremos desenvolvimento sustentável. Não queremos barrar a produção. Não vamos ser mais restritivos que o Código Florestal Brasileiro.

Elâine Jardim – E outra: tem uma máxima que diz que produzir bem não é sempre abrir mais área. Às vezes, é melhor aproveitar a área existente. Produzir mais dentro da área já disponível.

Concordo plenamente com você. Mas, como estamos nessa polêmica toda, nem estou discutindo isso. Estou discutindo a lei.

A lei é: o REDD+ não pode ser mais restritivo – nenhum centímetro a mais – do que o Código Florestal Brasileiro.

Aí o agro pergunta: “Beleza, Marcello. Então, tá bom. Nós temos 13 milhões de toneladas do passado que já são nossas. E esse R$ 1 bi?” Esse 1 bi vai ser distribuído entre o agronegócio, os povos originários, os tradicionais, os agricultores familiares, o governo.  Todos os atores responsáveis por essa preservação terão parte na repartição de benefícios, desses recursos.

Elâine Jardim – E como esses créditos vão ser gerados no futuro?

Se é com a redução do desmatamento e do fogo, a primeira coisa que precisa ser dita é: Quem, no Tocantins, é contra uma política cada vez mais forte de combate ao fogo? Tem alguém?

O agronegócio talvez seja quem mais sofre prejuízo com o fogo. Quando uma fazenda queima – se for lavoura -, demora três anos para o solo se recuperar. Estou ficando especialista porque ouço muito isso. Eles falam: “Três anos”. Se queimar um curral, o prejuízo é enorme. Pode queimar a casa. E por aí vai.

Então, ninguém é contra o emprego de recursos do REDD+ para combate ao fogo. Isso vai gerar créditos. Vamos ter mais eficiência, vamos diminuir as queimadas, diminuir as emissões de gases oriundos do fogo, e transformar isso em crédito de carbono.

Hoje, 21% do desmatamento no nosso estado ainda é ilegal. Esses 21% ilegais vão ter dificuldades, porque vamos estar muito estruturados para combater o desmatamento ilegal. É assim que vamos gerar crédito.

WhatsApp Image 2025-07-27 at 12.29.47 (1)

Samir Leão – Mas vocês já fizeram essa venda?

Não fizemos venda nenhuma. Não há venda ainda. Não houve venda ainda porque a venda só se concretiza com a existência dos créditos. O que temos hoje é uma promessa de compra dos créditos por parte da Mercúria, com base no acordo que assinamos. Mas você só pode vender algo que existe. Os créditos ainda não existem. Eles só passarão a existir quando finalizarmos o processo de certificação.

Estamos terminando esse processo? Estamos. E o que falta para a certificação?

Precisamos concluir as consultas públicas, especialmente as oficinas. Com os povos originários e tradicionais, temos 47 oficinas previstas. Já realizamos 26, e agora estamos na Ilha do Bananal, com toda a equipe lá. São oficinas robustas, com três dias de duração cada uma.

Na primeira parte da oficina, explicamos o conceito do REDD+. Na segunda parte, tratamos da repartição de benefícios: como cada ator quer utilizar os recursos.

Então, ainda precisamos concluir essas oficinas. Também temos que finalizar um documento chamado TMR, que é o Termo de Monitoramento e Reporte, onde constam todos os cálculos.

Para vocês term uma ideia, foi contratado um supercomputador que realizou 1 trilhão de cálculos para determinar a quantidade de carbono armazenada em cada região do estado, considerando cada fitofisionomia. Por exemplo, em um cerrado ralo, a densidade de carbono é diferente de uma mata mais densa. Todos esses dados precisam ser consolidados.

Depois de concluídas as oficinas, há um prazo de 30 dias em que todo o programa de repartição de benefícios ficará disponível no site para a população tocantinense, para contribuições e sugestões. Após esse período, será realizada uma audiência pública, com a presença de todos os atores envolvidos.

Elâine Jardim – Então ainda vai ter audiência pública?

Sim, ainda vamos realizar a audiência pública para finalizar todo o processo. A partir dela, finalizamos o documento de repartição de benefícios.

Elâine Jardim –  Eu sei que esse valor ainda está sendo calculado. O senhor falou que o computador ainda está trabalhando para chegar ao número final. A A estimativa atual é de 13 milhões de toneladas, que gerariam algo em torno de R$ 1 bilhão de reais, considerando 10 dólares por tonelada de crédito. Esse número corresponde ao período de 2020 a 2024?

Exato. Isso corresponde ao que já foi feito, ao que já foi alcançado. Esse é o resultado do passado.

Elâine Jardim – Mas há alguma estimativa anual para o futuro?

No futuro, tudo depende de nós. Depende da nossa competência e capacidade de manter e ampliar as reduções. Não há nada garantido para os anos seguintes. O que temos agora são essas 13 milhões de toneladas de 2020 a 2024, que já foram reduzidas. Agora estamos apenas finalizando os cálculos para certificar os créditos. Já sabemos que será algo entre 13 milhões e um pouco mais – menos do que isso, com certeza não será. E esse valor de 10 dólares por tonelada é conservador. Eu acredito que conseguiremos um valor bem maior.

Samir Leão –  Secretário, a Mercúria é a empresa parceira?

Sim. A Mercúria é uma empresa suíça que assinou conosco esse acordo. O contrato estabelece duas coisas principais: primeiro, a promessa de compra dos créditos quando forem certificados; segundo, um pré-investimento.

Quando lançamos o edital de chamamento público – que seguiu rigorosamente a legislação brasileira, sendo uma modalidade de licitação -, dissemos ao mundo: “Temos um programa de carbono muito avançado aqui no Tocantins. Precisamos de uma empresa que queira firmar uma promessa de compra e que tenha coragem de fazer um pré-investimento, ou seja, antecipar recursos para que possamos dar andamento às atividades necessárias para a certificação.”

Estamos falando de 47 oficinas de três dias, com tradutores para línguas indígenas, com estrutura completa. Tudo isso exige recursos, que dificilmente viriam do governo.

Então dissemos: “Precisamos de alguém que antecipe esses recursos.” E mais: essa empresa precisa assumir todo o risco. Caso algo dê errado e os créditos não sejam certificados, o Estado não perde um centavo. Essa cláusula está no contrato. Se o mundo virar de cabeça para baixo – o que, com a graça de Deus, não vai acontecer – e os créditos não forem certificados, o risco é totalmente da empresa. O Estado não será penalizado. É um contrato bem amarrado.

WhatsApp Image 2025-07-27 at 12.29.47

Elâine Jardim –  E como está sendo a participação da sociedade civil na construção desse programa? 

Veja, transparência e governança são palavras-chave para qualquer programa de carbono.

A metodologia do REDD+ não foi definida por nós, pelo Estado. Esse mecanismo foi construído internacionalmente ao longo das Conferências das Partes (COPs), a partir de discussões entre países, como forma de reduzir emissões provenientes de desmatamento e degradação.

Essa metodologia internacional define exatamente como o programa deve funcionar. Por exemplo, está previsto que os povos devem ser consultados e dizer como querem usar os recursos. As 47 oficinas com povos indígenas e tradicionais fazem parte dessas exigências metodológicas.

E, como falei, governança e transparência são bases do programa.

Samir Leão – E o dinheiro do REDD+ vai para onde? Para o Tesouro?

Não. Por determinação da metodologia do programa, criamos um fundo específico: o Fundo Clima, instituído por lei aprovada na Assembleia Legislativa.

O Fundo Clima tem um Conselho Gestor. Todos os recursos só poderão ser utilizados após aprovação desse conselho. Esse conselho é formado por representantes de secretarias de Estado, da Embrapa, de uma instituição acadêmica do Tocantins (que pode ser a UFT, a Unitins ou o IFTO, ainda a ser definido), da sociedade civil, os trabalhadores, as comunidades tradicionais,os povos originais, setor agropecuário e organizações não governamentais (ONGs). 

Além disso, dentro do Fundo Estadual de Meio Ambiente, existe uma comissão chamada Cevat –  Comissão Estadual de Validação, Acompanhamento e Transparência – com membros do poder público, universidades, sociedade civil e Embrapa.

Portanto, temos duas instâncias formais de governança e transparência. Acho que não há nenhum outro programa no Tocantins com tanta governança e transparência. E não fomos nós que inventamos isso. Estamos apenas cumprindo uma regulamentação internacional.

Elâine Jardim –  E quando esse dinheiro cair na conta do Fundo Clima, como ele será dividido? Já tem uma porcentagem definida?

Estamos justamente realizando as 47 oficinas para isso. Já fizemos 26. O objetivo dessas oficinas é duplo: primeiro, explicar o conceito do REDD+ de forma didática, adequada ao público; e depois, discutir a repartição de benefícios.

Por exemplo, estive em Itacajá com o povo Krahô. E questionamos: o que eles querem? Como gostariam de utilizar os recursos que receberão? Quais são as prioridades da comunidade? Isso vale também para os povos quilombolas, agricultores familiares e o agronegócio.

Elâine Jardim –  Com o agro também?

Claro. São seis oficinas com o setor agropecuário, cinco já foram realizadas, falta apenas uma. Já temos que saber, desde já, como esse dinheiro será usado? Já vem carimbado? Sim, ele já vem “carimbado”, digamos assim. Mas não é um carimbo detalhado. O que sai das oficinas são as diretrizes gerais – como um guarda-chuva – sobre como o recurso pode ser utilizado.

Em Augustinópolis, os agricultores disseram que gostariam de usar os recursos para criar uma brigada de incêndio, com caminhões-pipa, sob coordenação do sindicato rural.

Como será feita essa brigada? Isso será detalhado no projeto que o sindicato apresentará ao Fundo Clima. O Conselho Gestor analisará o projeto e decidirá se aprova ou não.

Mas para isso, o tema “combate a incêndios” precisa constar entre as prioridades apontadas na repartição de benefícios pelo agro.

Samir Leão – Então, primeiro vem o guarda-chuva. Depois, os projetos detalhados?

Exatamente. As diretrizes gerais vêm primeiro, e os projetos específicos são construídos a partir disso.

Elâine Jardim –  E se, por exemplo, uma comunidade quiser uma estrada? Isso pode?

Pode. Porque o que importa é a finalidade. No REDD, há uma parte dos recursos que vai para os povos, para o agro, e uma parte que vai para o governo. O governo, por sua vez, envolve nove secretarias diretamente ligadas ao programa. Da mesma forma que está ocorrendo a repartição por meio das oficinas com os povos para entender suas prioridades, também estamos realizando oficinas internas no governo – são 16 no total. Já fizemos 12 com os órgãos. A pergunta é: como essas secretarias querem usar a parte dos recursos que lhe caberá? 

Se uma comunidade indígena aponta que, para eles, o mais importante é uma estrada de acesso, podemos atender esse pedido com a parte dos recursos correspondente. Então, estradas não estão descartadas. O que o REDD não pode financiar em hipótese alguma? Desmatamento. Está completamente fora de cogitação. Todo o resto, desde que embasado em uma política de desenvolvimento sustentável, pode ser financiado.

Sobre a distribuição: ainda não está definida completamente. Está sendo construída com base nas oficinas e na consulta pública. Mas já existe uma previsão inicial de repartição baseada na contribuição de cada setor para a preservação e redução das emissões por desmatamento e degradação. A ideia é: 50% dos recursos para o governo, 25% para os povos e 25% para o agro. É mais ou menos essa a lógica sendo colocada na mesa.

Elâine Jardim – Em relação às comunidades quilombolas que ainda não são regulamentadas, como vai funcionar? 

Essa é uma excelente pergunta. Isso nos leva a uma discussão parecida com a do agro. O que o agro diz? “Vocês estão entrando na minha propriedade e vendendo os créditos de carbono da minha reserva. Quem autorizou isso?”

E estamos tentando explicar, incansavelmente, que o REDD não opera propriedade por propriedade. Ele contabiliza a redução de desmatamento no território como um todo. Essa é a grande diferença do REDD jurisdicional. Jurisdicional significa considerar toda a área do estado do Tocantins. Nós contabilizamos a redução do desmatamento e do fogo em todo o território, não por fazenda, comunidade ou aldeia específica.

Ou seja, quem mora naquela região vai receber da mesma forma. Não importa se a comunidade é regularizada ou não. Todos os tocantinenses serão impactados. A divisão dos recursos – 50% estado, 25% povos, 25% agro – independe da localização exata ou da regulamentação de cada grupo. 

O exemplo do Povoado Mumbuca é válido: não vamos calcular o quanto de carbono existe lá e mandar o valor correspondente. A análise é do estado inteiro. A partir dessa radiografia do Tocantins, constatamos que houve uma redução de 13 milhões de toneladas entre 2020 e 2024.

Como vamos repartir esse benefício? Identificando os atores principais da redução do desmatamento e da degradação. O estado é um deles: fiscaliza, formula políticas públicas, promove desenvolvimento sustentável, regula terras, presta assistência técnica, entre outras funções. Por isso, o estado recebe 50%.

Os povos tradicionais, por estarem nos territórios e manterem práticas milenares de preservação – como a roça de toco ou o uso do fogo controlado – também são reconhecidos. A lei garante isso. Eles preservam, portanto recebem.

O agro consciente também é reconhecido como ator importante. Por isso, o agro recebe 25%. Reforçando: não é por território. Não haverá PIX na conta de uma comunidade. Por isso, é tão importante a participação nas oficinas. O que for dito nelas vai para o quadro de uso dos recursos. Tudo é documentado, filmado, assinado, com ata e registro de participação.

Sobre a Mercúria: ela não precisa se mudar para o Tocantins. Ela está comprando créditos de carbono – uma moeda. Pode usar essa moeda para compensar suas próprias emissões ou revender a outras empresas. Há críticas sobre isso: “A Europa devastou tudo e agora quer impedir que a gente produza.” Mas isso não é verdade. Os países desenvolvidos já têm metas definidas de redução de emissões e legislações que as regulam.

O Brasil aprovou sua própria lei de mercado de carbono há poucos meses. A lei define que empresas, como a Vale, por exemplo, devem reduzir suas emissões ao longo do tempo. Nesse processo, podem comprar créditos para compensar. Esse é o mercado regulado. O REDD é um mecanismo global de transição até 2030, quando os países devem atingir economias de baixo carbono.

Portanto, os países industrializados têm obrigações legais de reduzir suas emissões, mas, neste período de transição, podem adquirir créditos de regiões como a nossa. Não é que eles estejam “terceirizando” o problema. Estão pagando para que façamos a nossa parte – algo que também é do nosso interesse.

Sobre os repasses: após as oficinas, o resultado será colocado em consulta pública por 30 dias na internet, seguido de uma audiência. Isso encerra a parte da repartição de benefícios. Esse processo deve levar cerca de dois meses. Paralelamente, estamos finalizando um documento exigido internacionalmente, o TMR. Já contratamos uma empresa verificadora e validadora (VVB), que virá ao Tocantins para verificar se tudo o que declaramos foi de fato realizado – visitas, oficinas, escuta dos povos.

Constatada a veracidade, os créditos serão certificados – como uma escritura em cartório. A partir daí, começamos a receber. A previsão é que, no primeiro semestre do ano que vem, os créditos estejam certificados e os recursos comecem a entrar no Fundo Climático.

Elâine Jardim – Sobre a relevância do REDD: Ele pode tornar o Tocantins uma referência nacional e internacional?

Na verdade, isso já está acontecendo. O Tocantins é o estado subnacional mais avançado do mundo em REDD. Não é o primeiro a certificar, mas está mais avançado que todos os demais. Guiana e Costa Rica já certificaram, mas são países. Entre os estados, o Tocantins é pioneiro e tende a ser o primeiro a certificar créditos REDD.

Recentemente, participei da Semana do Clima em Londres. Houve um jantar no Museu de História Natural. O Tocantins foi protagonista, com apresentação em telão e discurso em inglês. Na segunda-feira seguinte, estive no Congresso Brasileiro de Clima e Carbono, em São Paulo. Mais uma vez, o Tocantins foi destaque. Estamos fazendo escola.

Sobre críticas do agro: não é o agro como um todo. É um grupo pequeno, três ou quatro pessoas, que espalham desinformação. Dizem: “Como o Tocantins pode ser protagonista?” – como se nos faltasse competência.

Temos vontade política, temos um governador comprometido com o desenvolvimento sustentável, temos técnicos de excelência. A Marli, superintendente do REDD, é uma das maiores autoridades do Brasil no tema. Temos parceiros internacionais confiáveis. Por que não podemos?

Acredito que, com a chegada dos resultados concretos, as pessoas vão começar a mudar de mentalidade. Por enquanto, tudo parece abstrato. Mas quando os benefícios se tornarem visíveis, a percepção certamente mudará.