Monik Carreiro: “O dia que o mundo for bom com as mulheres, vai ser bom para todo mundo”

31 agosto 2025 às 15h57

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O Tocantins registrou, de janeiro a agosto de 2025, 4.028 ocorrências de violência contra a mulher, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP). Embora o número seja menor do que em 2024, quando foram contabilizados 6.640 casos, o problema continua a ser uma realidade dura para milhares de tocantinenses. Entre as ocorrências, 2.575 foram ameaças e 1.453 se referem a lesões corporais – tanto leves quanto graves. As cidades com maior número de registros são Palmas (1.023), Araguaína (479) e Gurupi (232).
Nesse cenário, a Casa da Mulher Brasileira de Palmas, inaugurada em março de 2025, passou a desempenhar papel estratégico no enfrentamento ao problema. De 28 de março a 27 de agosto, a unidade já realizou 988 atendimentos, com picos de procura nos meses de abril (217), maio (224) e junho (249). Só em agosto, até o dia 27, 85 mulheres haviam buscado acolhimento no local.
Localizada na Quadra ACSE-90 (902 Sul), a Casa ocupa um terreno de 6.825 m², com 1.349,48 m² de área construída. O investimento foi de R$ 6,6 milhões, sendo mais de R$ 1 milhão da Prefeitura de Palmas e o restante financiado pelo Ministério das Mulheres.
Para entender de perto o funcionamento da Casa, seus serviços e as dificuldades que ainda marcam o dia a dia da instituição, o Jornal Opção Tocantins ouviu a superintendente responsável
A superintendente e sua trajetória
À frente da unidade está Monik Carreiro, formada em Direito pela Universidade Federal do Tocantins (UFT) e com especializações em gestão e projetos sociais. Sua aproximação com a causa começou em 2018, quando passou a atuar na promotoria especializada do Ministério Público do Tocantins (MPTO).
“Quando eu cheguei na promotoria, eu entendi porque eu passei por tudo aquilo, né? Porque realmente Deus tava me direcionando para uma missão, um propósito. Que era trabalhar em prol de mulheres, de crianças, de famílias”, contou.
Ela afirma que a maternidade foi determinante para sua atuação:
“Eu falo assim, que a maternidade trouxe para mim esse senso, assim, de buscar um mundo melhor para os meus filhos. E é o que me move mesmo é a maternidade. O dia que o mundo for bom com as mulheres, vai ser bom para todo mundo.”
Estrutura e gestão compartilhada
A unidade funciona em modelo de gestão tripartite, com participação do Ministério das Mulheres, do Governo do Estado e da Prefeitura de Palmas, que hoje concentra 80% da responsabilidade por meio da Secretaria da Mulher. As decisões estratégicas são tomadas em colegiado gestor, com representantes do Ministério Público, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Secretaria de Segurança.
O coração da Casa: acolhimento psicossocial
Segundo Monik, a principal porta de entrada do serviço é o setor psicossocial. “O coração da casa hoje é o apoio psicossocial, porque elas é que vão fazer essa triagem do que a mulher precisa”, explica.
As demandas são variadas: algumas vítimas querem registrar ocorrência, outras buscam acompanhamento processual, apoio psicológico ou fortalecimento de autonomia financeira. “Nós perguntamos: ‘Tem interesse em participar de atividades em grupo?’ Se tiver, ela é convidada. Se precisar de autonomia financeira, encaminhamos para cursos”, afirmou.
Ainda assim, a adesão a cursos de capacitação é um desafio. “Recentemente nós oferecemos curso de marketing digital, design de sobrancelha e depilação egípcia e maquiagem. Muitos desses cursos nem preencheram as vagas. Eu percebo que a mulher em situação de violência vive como se estivesse numa cúpula fechada. Muitas vezes ela não percebe a potencialidade que tem enquanto mulher.”
A experiência mostra que o impacto das políticas públicas depende tanto da disponibilidade de serviços quanto da capacidade de aproximar essas mulheres dos recursos que lhes são oferecidos.
Abrigamento ainda é desafio
Apesar de possuir quartos equipados, brinquedoteca, kits de higiene e alimentação, a Casa ainda não conseguiu colocar em funcionamento o abrigamento emergencial, que prevê acolhimento de até 72 horas.
Enquanto isso, vítimas que precisam de proteção são encaminhadas à Casa Abrigo do município. Monik lembra de um caso em que a unidade atuou de forma decisiva:
“Foi toda uma articulação. Conseguimos retirar essa mulher de casa, colocá-la na Casa Abrigo e hoje ela está a salvo da violência.”
A superintendente reforça que o diferencial da Casa é reunir em um só local todos os atendimentos necessários, evitando que a vítima precise circular por várias instituições. “Antes, em Palmas, a vítima rodava por vários serviços. Hoje, tudo está reunido em um só lugar”, disse.
Ela também destaca a necessidade de ampliar a divulgação e as ações educativas:
“Muita gente ainda não sabe o que é a Casa da Mulher Brasileira. A gente tem levado essa informação, investido em rodas de conversa e palestras. É preciso educar, conscientizar a sociedade desde cedo.”
O futuro
Apesar de já ter atendido quase mil mulheres em menos de seis meses, Monik aponta gargalos urgentes: “O principal hoje é a questão do atendimento 24 horas e de profissionais qualificados, especialmente na área psicossocial. Precisamos de pessoas comprometidas com a temática.”
Ao avaliar o significado do espaço, a superintendente é enfática: “Eu sou suspeita para falar porque sou apaixonada pela Casa da Mulher Brasileira. Ela representa um avanço. O dia que a gente conseguir oferecer todo o atendimento completo em um só lugar, vamos ter dado um passo muito importante no combate à violência contra a mulher.”