O Ministério Público do Tocantins (MPTO) instaurou inquérito civil para apurar a contratação direta, por mais de R$ 500 mil, do escritório Bezerra Lopes Advogados Associados pela Prefeitura de Aliança do Tocantins, sob gestão do prefeito Elves Moreira Guimarães (Republicanos). A portaria, assinada pelo promotor Marcelo Lima Nunes, cita possível incompatibilidade da terceirização de serviços da Procuradoria Jurídica municipal quando há possibilidade de manter corpo próprio de procuradores, o que, segundo o órgão, contraria princípios constitucionais.

A investigação começou a partir de denúncia anônima protocolada em 13 de fevereiro deste ano, apontando que um dos sócios do escritório, José Augusto Bezerra Lopes, foi prefeito de Peixe e afastado do cargo em 2020 pela Operação Direct, da Polícia Federal, que investigou fraudes no transporte escolar e contratos de mais de R$ 13 milhões. A representação afirma que o contrato firmado com a Prefeitura de Aliança poderia viabilizar um suposto esquema de propinas e desvio de recursos públicos.

Além do vínculo societário, a reportagem do Jornal Opção Tocantins apurou que o escritório Bezerra Lopes Advogados prestou serviços à campanha de Elves Guimarães em 2024, recebendo R$ 20 mil por “serviços advocatícios na eleição”, segundo registros oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Dois contratos em 2025

Documentos levantados pela reportagem mostram que, em 2025, o município assinou dois contratos com o mesmo escritório, cada um no valor de R$ 254.530,08 e vigência anual. Ambos foram assinados pelo sócio Rogério Bezerra Lopes. O primeiro, nº 002/2025-ADM, tem como objeto assessoria e consultoria jurídico-administrativa (extrajudicial). O segundo, nº 003/2025-ADM, prevê o patrocínio e defesa de causas judiciais em todas as instâncias, além de representação junto ao Tribunal de Contas e outros órgãos.

Somados, os dois contratos totalizam R$ 509.060,16, valor mencionado pelo MPTO ao instaurar o inquérito. O montante representa um aumento expressivo frente a 2023, quando a prefeitura pagava R$ 207 mil por ano pelo mesmo tipo de serviço. Em 2024, o contrato foi apenas prorrogado.

Troca de promotor

Antes da instauração formal do inquérito, o caso passou por mudança de titular. O promotor André Henrique Oliveira Leite, da 8ª Promotoria de Justiça de Gurupi, declarou-se suspeito para atuar no procedimento, alegando “imperativo ético-funcional” e a necessidade de resguardar a credibilidade institucional. Com base no art. 145 do Código de Processo Civil e na Lei Orgânica do Ministério Público, ele pediu para que os autos fossem encaminhados ao substituto imediato. A investigação passou, então, para a condução do promotor Marcelo Lima Nunes.

Diligências iniciais

Na portaria, o MP requisitou à Câmara Municipal de Aliança cópia da lei que cria cargos de procurador jurídico e informações sobre eventual autorização para a contratação direta do escritório. Ao Tribunal de Contas do Estado, solicitou cópia de procedimentos ou consultas sobre o contrato.

O órgão também ressaltou que a terceirização de funções da Procuradoria é “incompatível com a natureza das atividades e com as necessidades do Município”, defendendo que a gestão deve manter quadro próprio para exercer essas atribuições.

Histórico do sócio

José Augusto Bezerra Lopes, sócio de Rogério Bezerra Lopes no escritório, administrou Peixe até 2020, quando não conseguiu a reeleição. Em agosto daquele ano, foi afastado do cargo por decisão judicial a pedido da Polícia Federal, na Operação Direct, que investigou supostas fraudes em licitações e pagamento de propinas no transporte escolar. O afastamento foi revertido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região no mesmo ano, sob o argumento de que não havia provas de que o então prefeito usava o cargo para obstruir as investigações.

A defesa dele negou qualquer irregularidade na época, e a prefeitura de Peixe afirmou que todos os procedimentos licitatórios eram feitos dentro da legalidade.

Posição da prefeitura de Aliança do Tocantins

Sobre o inquérito aberto pelo MPTO, a prefeitura de Aliança foi procurada com os seguintes questionamentos: qual a justificativa para a celebração de dois contratos distintos com o mesmo escritório no mesmo exercício, em vez de um contrato único abrangendo serviços judiciais e extrajudiciais; o município possui lei que cria cargos de procurador jurídico? Se sim, por que não há corpo próprio para desempenhar essas funções; houve processo de inexigibilidade ou dispensa de licitação para as contratações; existe relação entre a prestação de serviços na campanha eleitoral e a contratação do escritório para a gestão; e qual seria o posicionamento do prefeito Elves Moreira Guimarães sobre a investigação instaurada pelo Ministério Público do Tocantins?

Até o momento a gestão não retornou o contato.