Todos os anos, o povoado do Bonfim, em Natividade, se transforma em um verdadeiro mar de peregrinos. A Romaria do Senhor do Bonfim atrai fiéis que percorrem dezenas de quilômetros em caminhada ou a pé, muitas vezes enfrentando sol, poeira e fadiga.

Se a festa atraiu cerca de 100 mil pessoas neste ano, são os relatos individuais que dão sentido ao coletivo: histórias de cura, superação e devoção que se entrelaçam na Romaria.

Para compreender a dimensão humana da Romaria, o Jornal Opção Tocantins ouviu diferentes romeiros, de várias idades e regiões do país durante o evento, que acontece entre os dias 6 a 17 de agosto.

O veterano de quase um século

Até pouco tempo atrás, um dos fiéis mais conhecidos da Romaria era Teodoro Nunes da Silva (Dozinho), 97 anos, que desafia a lógica ao permanecer ativo em um ritual que exige tanto do corpo. Ele começou ainda adolescente e coleciona histórias de graças, lembranças de um tempo em que o trajeto era percorrido a cavalo ou em burros, e até promessas feitas com o vigor da juventude.

Ele nunca esquece a maior bênção recebida: “Meu filho apareceu com tumores na cabeça, do lado esquerdo e do lado direito, que deformaram completamente o rosto dele. Ficou irreconhecível. O tempo foi passando, e o meu filho se curou. Eu digo que Deus operou ele. Ele voltou zerado, 100%. Todo mundo viu como ele saiu daqui e como ele voltou.”

Mas sua memória também guarda a imagem de uma Romaria bem diferente da atual:
“Antes essa romaria era pequena, mas já vinha gente de vários municípios. Naquele tempo o transporte era cavalo, burro, jumento. Era bonito! Vinha muita gente a pé, tocando, com chocalho batendo. Eu sentava na porta da minha casa só para assistir os romeiros passando. Era muita gente.”

E lembra de uma promessa que marcou sua juventude: “Saí daqui para Goiânia com 16 anos e disse que, se fosse feliz lá, prometia ao Senhor do Bonfim que iria rodar a igreja três vezes de joelho durante a missa. Arrancou todo o couro do joelho. Mas eu acredito muito no Senhor do Bonfim.”

Teodoro é viúvo da famosa tia naninha, do biscoito amor-perfeito em Natividade | Foto: Jornal Opção Tocantins/Flávio Dorta

Juventude na romaria

Nem só de idosos e promesseiros vive a Romaria. Na outra ponta da caminhada, Pedro Augusto da Livreira, de 19 anos, de Pindorama, representa a renovação da fé. Enquanto muitos jovens da sua idade se distanciam das práticas religiosas tradicionais, ele já participa há quatro anos da Romaria, ora de bicicleta, ora de cavalo, mas neste ano decidiu ir a pé.

“Já faz quatro anos que eu faço o percurso. Já fiz de bicicleta, de cavalo na tropeada, mas esse ano é a primeira vez a pé. É uma tradição familiar. Minha família toda está vindo aí atrás. Meu avô sempre vem e fica 15 dias acampado.”

A diferença entre Theodoro, com quase um século de vida, e Pedro Augusto, ainda no início da juventude, mostra como a Romaria se reinventa: é memória, mas também futuro.

Pedro Augusto, romeiro aos 19 anos | Foto: Divulgação

Promessas que nascem da dor

Alguns romeiros carregam histórias de sofrimento e cura. Ademir dos Santos, 70 anos, de Pindorama, guarda a lembrança de um dos momentos mais difíceis da família: a doença grave da neta.

“Uma bênção que eu tive foi a cura de uma neta minha. Ela estava com pneumonia, internada em Palmas. Então eu pedi ao Senhor do Bonfim a bênção dele e, na hora, eu senti que seria atendido. Subiu uma energia em mim. A previsão de alta dela era de dois dias, mas veio muito antes.”

Ademir é romeiro desde 1989 | Foto: Jornal Opção Tocantins/Flávio Dorta

Outro exemplo é de Edivã Gomes, 49 anos, de Pium, que transformou um acidente em promessa de fé: “Já tenho cinco anos fazendo o percurso. Foi uma promessa de uns amigos meus. Na época, fui picado por uma cobra e, de lá pra cá, começamos a romaria e não paramos mais. É pela bênção da minha vida.”

Caminhar em honra aos que já partiram

Há também quem carregue na caminhada não apenas pedidos, mas homenagens. Zelita Câmara, 58 anos, de Palmeiras das Missões (RS), viaja milhares de quilômetros todos os anos para honrar a devoção da mãe já falecida.

“Minha mãe era muito devota do Senhor do Bonfim. Há cinco anos eu venho aqui homenageando ela pela devoção e pelo carinho.Nós estávamos em 12 pessoas, e o Senhor do Bonfim nos deu força para cumprir essa missão e chegar até aqui.” Zelita sai do RS para São Valério do Tocantins e percorreu cerca de 120km até o Santuário do Senhor do Bonfim, foram 3 dias de caminhada.

Ela completa: “Minha mãe ficou muito doente, e a gente pediu muito por ela. Hoje ela não está mais aqui, mas fico feliz porque ela sempre pedia a Deus para não deixá-la sofrer. Ele atendeu. Ela se foi, mas nós seguimos essa missão em honra a ela.”

Zelita Câmara cominhou mais de 120km | Foto: Jornal Opção Tocantins/Flávio Dorta

Caminhar juntos: fé em grupo

Se há histórias individuais de dor e superação, a Romaria também se fortalece na coletividade. Um trio de Porto Nacional traz visões diferentes, mas que se completam.

Para Natália Viríssimo, 26 anos, a caminhada é oração em movimento: “Desde pequena eu venho aqui. A primeira vez que eu vim como romeira foi quando uma amiga minha sofreu um acidente. Fizemos uma promessa. Foi tão bom que continuamos.”

A enfermeira Daisy Parente, 37 anos, reflete sobre a cura de seu avô, que não veio como esperava, mas em outro sentido: “Meu avô tinha câncer, ele estava bem mal. Na época eu fiz a promessa pela cura dele. Mas infelizmente ele veio a falecer e isso eu digo que, em tese, ele foi curado, né? Está curado lá em cima, não foi a minha vontade, mas foi a vontade de Deus. É uma cura diferente, mas é.”

E, para André Stelita, 39 anos, a experiência ainda é novidade: “Essa é a minha primeira vez. Vim acompanhando a namorada. Já conhecia um pouco o Santuário, mas nunca tinha vindo exatamente no período da Romaria.”

André, Daisy e Natália, respectivamente | Foto: Jornal Opção Tocantins/Flávio Dorta

Mas por que tantas pessoas percorrem longas distâncias para participar da Romaria do Senhor do Bonfim? Para os fiéis, a peregrinação representa um momento de pedir perdão, agradecer graças recebidas e buscar mudanças na própria vida. É também um rito comunitário: famílias, amigos e pessoas de diferentes regiões se unem em um mesmo propósito, tornando a experiência não apenas religiosa, mas também social e cultural.

Retratos da fé

Entre joelhos feridos em promessas da juventude, pedidos de cura atendidos, famílias inteiras atravessando estados e jovens que transformam tradição em herança, a Romaria do Senhor do Bonfim revela seu maior patrimônio: os romeiros.

São eles que, ao transformar sofrimento em esperança, mantêm viva uma devoção de mais de 250 anos. Cada relato é um retrato da força de um povo que encontra, na caminhada ao santuário, uma resposta para a dor e um alívio para o coração.

A maioria dos romeiros carregava um terço consigo | Foto: Jornal Opção Tocantins/Júlia Carvalho
Romeiro carregando cruz nas costas durante romaria de 2025 | Foto: Jornal Opção Tocantins

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