Uma análise detalhada da situação fiscal dos municípios brasileiros mostra que 1.282 cidades não conseguem gerar recursos suficientes para custear nem mesmo despesas básicas, como salários de prefeitos e vereadores. O levantamento foi divulgado nesta quinta-feira, 18, pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).

O estudo considera dados de 2024 referentes a 5.129 municípios, que concentram 95% da população do país. Para avaliar a saúde fiscal dessas prefeituras, foi utilizado o Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), que varia de 0 a 1, sendo maior quanto melhor o equilíbrio entre receitas e despesas do município.

A pesquisa analisou quatro dimensões principais: 1) liquidez, que indica se a cidade honrou suas obrigações financeiras no ano; 2) gasto com pessoal, referente ao peso da folha de pagamento de servidores ativos e inativos no orçamento; 3) investimentos; e 4) autonomia, que mede a capacidade de arrecadar recursos a partir da economia local.

O quarto critério, relacionado à autonomia, revelou que os 1.282 municípios (25% do total analisado) não têm capacidade de gerar receita própria suficiente. A análise considerou a arrecadação de impostos vinculados à atividade econômica, como Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).

“No caso dessas 1.282 cidades, a receita local é menor do que o custo de existência dos municípios, que não têm autonomia para financiar o mínimo para que a prefeitura exista”, afirma Nayara Freire, especialista em estudos econômicos da Firjan. Ela ressalta que isso não significa que essas prefeituras deixam de pagar despesas básicas, mas que dependem de transferências do governo federal para isso.

Jonathas Goulart, gerente de estudos econômicos da Firjan, explica que grande parte da receita dessas cidades sem autonomia vem do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que distribui recursos arrecadados com o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), além de contribuições do Fundeb e emendas parlamentares.

“Isso mostra que o federalismo fiscal brasileiro não produz incentivo para que as prefeituras fomentem a atividade econômica local. A receita que vem via FPM é como se fosse um dinheiro que cai do céu”, afirma Goulart. “Se o objetivo do federalismo, proposto pela Constituição de 1988, era reduzir as desigualdades regionais, ele não conseguiu resolver esse problema.”

Ainda segundo o estudo, se a situação de autonomia econômica é considerada péssima para 25% dos municípios, ela é crítica para 52,8% das prefeituras, totalizando 2.708 cidades com nota inferior a 0,4, a menor do levantamento.

Cenário

Apesar de alguns municípios apresentarem quadro crítico, a média geral indica que as prefeituras brasileiras registraram uma “era de ouro das receitas”, contrariando o cenário observado no governo federal. Segundo a pesquisa, 64% das cidades analisadas, onde vivem 155 milhões de brasileiros, apresentaram situação fiscal boa ou excelente, enquanto 36% (46 milhões de pessoas) enfrentam quadro difícil ou crítico.

Entre as ressalvas do estudo, os especialistas apontam que os recursos do FPM não exigem contrapartida e que 20% do total distribuído não possui destinação definida. Sobre as emendas parlamentares, 50% vão para a saúde e quase 20% não têm função específica, caracterizadas como “emendas Pix”.

A pesquisa também aponta que os municípios assumiram papel central no investimento público, respondendo por 60% do total investido no país. Desde 2019, as receitas municipais cresceram e os aportes públicos mais que quadruplicaram.

“O novo federalismo fiscal brasileiro dá mais espaço para municípios sem que isso seja feito de maneira planejada”, afirma Jonathas Goulart. “Pode ser que não tenha eficiência nesses aportes. Precisamos de critérios mais técnicos e planejamento central mais objetivo para investir 60% de tudo o que setor público investe no país.”

O estudo ainda mostra que 413 prefeitos encerraram 2024 no “cheque especial”, ou seja, sem recursos em caixa para cobrir despesas postergadas para 2025.

Apesar do aumento de receitas, os gastos com pessoal cresceram em média 29% em termos reais em 2025, acima da inflação. A pesquisa indica que 540 prefeituras gastam mais de 54% da receita com pessoal, atingindo o limite de alerta da Lei de Responsabilidade Fiscal.

“Isso quer dizer que os municípios estão vulneráveis. Se houver uma mudança no ciclo econômico com queda da arrecadação, os prefeitos terão um orçamento ainda mais rígido e comprometido com a despesa de pessoal, que não pode ser reduzida”, conclui Nayara Freire.