Nesta quarta-feira, dia 3, a Polícia Federal deflagrou a Operação Fames-19, e o Superior Tribunal de Justiça determinou o afastamento do governador tocantinense. Documentos e mensagens obtidas pelos investigadores no celular do ex-marido da primeira-dama revelam detalhes da ação criminosa.

O governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa (Republicanos), a primeira-dama Karynne Sotero Campos, o ex-marido dela Paulo César Lustosa e dez deputados estaduais estão entre os investigados de um esquema de desvio de recursos públicos em contratos firmados durante a pandemia de Covid-19. A Polícia Federal deflagrou, nesta quarta-feira, a segunda fase da “Operação Fames-19” para aprofundar as investigações. Por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Wanderlei Barbosa foi afastado do cargo pelo prazo de 180 dias.  Diálogos foram obtidos em celular de PC Lustosa, ex da primeira-dama e apontado como intermediário de esquema de desvios de recursos públicos 

Segundo a PF, PC Lustosa, como é conhecido, é apontado como intermediário da execução do esquema e por ter acesso à cúpula do governo. As investigações apontam que ele recebeu valores altos de várias empresas, incluindo uma vinculada ao filho de Taciano Darcles Santana Souza, assessor especial de Wanderlei Barbosa. As mensagens levaram as autoridades a constatar que o ex-marido da primeira-dama negociava as propinas do governo e de prefeituras do estado.

Em uma das conversas encontradas no celular de Lustosa, ele mencionou ao irmão Wilton Rosa Pires que o esquema estava sendo estruturado “desde a transição” — a saída do governador Mauro Carlesse por acusações de corrupção, em 2021, e a posse do novo chefe.

  • PC Lustosa – Cara, sai da mão do CARLESSE entra na mão do WANDERLEI, meu do céu véi, cê não imagina o esquema que esses caras tão montando aí. Então assim, eu acho que tem que, tem que rever um monte de coisa aí viu bicho. Tá difícil, ficou um lugar difícil.
  • Wilton Rosa – Tá horrível, sai dum mala entra no outro […] Pelo que ouvi falar de algum pessoal aí é um cara que não aceita propina não, é um cara que não arma esquema não bicho. Junior geo. Na boa. Tô te falando a real bicho. Ele não faz conchavo não. Tô te falando, todo mundo fala isso para mim lá tá meu irmão, até com emenda tudo o cara é certíssimo véi…
  • PC Lustosa – Ah bicho, eu não sei não viu Wilton… É difícil o cara se manter no poder, com as facilidades que tem… Isso é, ele não aceita, mas ele tem gente que aceita por ele.
  • PC Lustosa: (encaminhada) Attachment: “Governador Wanderlei Barbosa prorroga estado de calamidade pública no Tocantins:
  • PC Lustosa: Caba tá guloso, rsrsrs
  • PC Lustosa: Dinheiro
  • Wilton Rosa: kkkk

A PF afirmou, que os diálogos comprovam a prática de fraudes em licitações, com indicação prévia de quais empresas deveriam ganhar cada certame. As investigações apontam que PC Lustosa se associou aos irmãos Ramalho Souza Lustosa Limeira Alves e Roberto Souza Alves, além de Taciano e do filho do assessor especial, Marcus Vinicius Ribeiro Santana (sobrinho dos Alves), para fraudar procedimentos licitatórios entre 2020 e 2024. 

Um diálogo de PC Lustosa com o representante da empresa Mari Alimentos, referenciado como Paulão Mari Alimentos, mostra o acerto em favor da empresa Portinari — ligada a Marcus Vinicius Ribeiro Santana — para o fornecimento de cestas básicas a órgãos públicos.

  • PC LUSTOSA: Bom dia, parceiro. Preciso de uma proposta pra Aparecida. 100 kits Porchete, esquezzer 02 máscaras.
  • PAULÃO MARI ALIMENTOS: SÓ UMA? O KIT 02 COMPLETO?
  • PC LUSTOSA: como o layout. 43,00. Unidade. Tu coloca as especificações no orçamento.
  • PAULÃO MARI ALIMENTOS: Ok. Já as 3 propostas.
  • PC LUSTOSA: Manda as 3 propostas. Sim.
  • PAULÃO MARI ALIMENTOS: Quem ganha?
  • PC LUSTOSA: Portinary. Pode ser.
  • PAULÃO MARI ALIMENTOS: Sim. Qual a data?
  • PC LUSTOSA: Pode ser hoje mesmo.
  • PAULÃO MARI ALIMENTOS: OK

Em seguida, Paulo César dos Santos encaminha três propostas, com indicação de menor valor para a empresa Portinari. Segundo ainda a PF, em maio de 2024 Ramalho Souza Alves teria comunicado a Lustosa que deixou procuração em cartório para que ele abdicasse dos poderes concedidos, em 2022, por Taciano Darcles, o assessor especial gozava de “plena confiança” do governador, diz a acusação.

Wanderlei Barbosa se pronunciou para comentar sobre o afastamento do cargo, dizendo ter sido “precipitado” e que a investigação não comprova sua responsabilidade. Além disso, o ex-governador  pretende acionar a Justiça para retomar o cargo. Já a Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (Setas) afirmou, também em nota, que tem colaborado com as investigações e encaminhado informações aos órgãos de controle internos e externos para instruir as tomadas de contas que foram instauradas.

O esquema

Mandados foram cumpridos no Palácio Araguaia e na Assembleia Legislativa do estado desde as primeiras horas da manhã desta quarta-feira, 3. De acordo com a PF, mais de 200 agentes cumprem 51 mandados de busca e apreensão e outras medidas cautelares. O objetivo é reunir novos elementos para esclarecer o uso de emendas parlamentares e o suposto recebimento de vantagens indevidas por agentes públicos.

Segundo a PF, haveria na Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social – SETAS, um “esquema sistemático” de desvio de recursos públicos. Por conta de arranjos político-partidários, a pasta havia sido politicamente atribuída a Wanderlei Barbosa enquanto ele ainda era vice-governador. A partir de então, a maior parte da verba destinada ao enfrentamento das consequências da pandemia foi direcionada para tal secretaria.

 As investigações tramitam sob sigilo no Superior Tribunal de Justiça. Segundo a PF, há “fortes indícios” do esquema entre 2020 e 2021, quando os investigados teriam “se aproveitado do estado de emergência em saúde pública e assistência social para fraudar contratos de fornecimento de cestas básicas”.

Além disso, os investigadores afirmaram que parte dos recursos ilicitamente auferidos pelo governador foram direcionados para a Pousada Pedra Canga, em construção na Serra de Taquaruçu. O empreendimento foi registrado em nome de Rérison Antônio Castro Leite, o que ratifica indícios de lavagem de capitais por parte de Wanderlei Barbosa para as autoridades.

No total, as investigações apontam que foram pagos mais de R$ 97 milhões em contratos para cestas básicas e frango congelado. O prejuízo aos cofres públicos é estimado em mais de R$ 73 milhões. Os valores teriam sido desviados e depois ocultados por meio da construção de empreendimentos de luxo, compra de gado e pagamento de despesas pessoais dos envolvidos.

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