Charleide Matos: “sou pré-candidata a prefeita de Palmas para representar as minorias invisíveis para o poder público”
24 julho 2024 às 14h14
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Charleide Matos (PSOL) tem 45 anos, é casada e mãe de cinco filhos. Natural de Porto Nacional e criada em Gurupi, veio para Palmas em busca de mais oportunidades. Começou o curso de direito na Faculdade Serra do Carmo e se divide hoje entre o trabalho de cabeleireira em um salão no centro da cidade e os cuidados com a Casa Pérolas Negras, no setor Jardim Taquari, onde realiza diversos projetos sociais com a população, por vezes, invisibilizada pelo poder público.
Focada em mulheres e a população negra, começou a lutar nos movimentos sociais quando percebeu que seus filhos, negros, precisavam ir para o centro da cidade para expressar sua culturalidade através de batalhas de rima. No Taquari, segundo ela conta, a repressão policial era grande e o público acabava sendo disperso e reprimido.
Candidata a vereadora em 2020 e a deputada federal em 2022 pelo Psol, neste pleito é pré-candidata a prefeita de Palmas pela Federação Rede Sustentabilidade-Psol. Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Opção Tocantins, Charleide fala sobre seus planos para a cidade e como pretende amenizar as desigualdades sociais para as minorias palmenses.
Quando a senhora tomou gosto pelos movimentos sociais?
A minha luta começou para que meus filhos e outros adolescentes tivessem a oportunidade de fazer a própria cultura em seu próprio território, sem que precisassem ser marginalizados e terem interferência policial, por morarem no Taquari. Um setor malvisto pelo poder público, local onde as políticas sociais pouco chegam.
Dessa forma, meus filhos e esses adolescentes acabavam indo fazer suas apresentações no centro de Palmas, ali no espaço cultural, onde a polícia já não interferia. O Estado já não interferia naquela cultura. Então digo que comecei nos movimentos sociais para proteger meus filhos. A partir daí, comecei a atuar como protetora de direitos humanos.
Com isso, percebi que essa proteção não precisava ser só para os meus filhos, mas que eu poderia atuar dentro desses movimentos sociais. E com o tempo, me fortaleci mais. Nessa mesma época, comecei a fazer o curso de assessores populares. Fazíamos várias audiências públicas. Esse assessor popular foi criado pelo Cedeca. Nós tínhamos um grupo de pessoas que militavam em defesa dos direitos da nossa região. Trabalhamos em prol dos direitos das crianças, adolescentes, mulheres. Depois disso, fui para a Casa 8 de Março, onde comecei a atuar no acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica.
Acolhíamos quando o Estado, na época, não tinha casa para acolher essas mulheres vítimas de violência doméstica. O espaço funcionava através de doações. Vendíamos roupas usadas, fazíamos bazares. E eu dava curso de manicure e corte de cabelo para as mulheres, para elas se recuperarem e entrarem no mercado de trabalho. Mas eu me fortaleci mais na época da pandemia, porque senti a necessidade de sair da Casa 8 de Março e abrir a Casa Pérolas Negras, que é uma casa minha.
A minha luta começou para que meus filhos e outros adolescentes tivessem a oportunidade de fazer a própria cultura em seu próprio território, sem que precisassem ser marginalizados e terem interferência policial, por morarem no Taquari
A Casa Pérolas Negras funciona para atender a população vulnerável do Jardim Taquari. Como é o trabalhando realizado por essa sua instituição?
A Casa Pérolas Negras começou a funcionar em 2020, na pandemia. No isolamento social, eu vi a necessidade de ajudar algumas mulheres. Nessa época do isolamento social, muitas pessoas ficaram em desespero, não conseguiram pagar água, luz nem aluguel. Entraram em uma ocupação dentro do Taquari. Quando entraram nessa ocupação, o Estado as tirou de lá sem dar nenhuma assistência. Foi quando eu acolhi as mulheres que não tinham para onde ir. Fizemos campanha nas redes sociais. Recebi apoio do grupo de mulheres feministas do Estado do Tocantins, que estão em um grupo privado no Facebook com 9 mil mulheres.
No grupo do Facebook eu falei que tinha essas mulheres lá, que não tinham para onde ir, e algumas mulheres disseram que poderiam ajudar. Elas fizeram uma campanha gigantesca. Foi quando meu nome apareceu, foram 9 mil mulheres fazendo campanha pela causa, que eu comecei a pedir. Com isso, meu nome começou a ganhar notoriedade na luta pela moradia. As mulheres faziam as doações, eu não sabia onde colocar, então abri a parte da minha casa para construir a Casa Pérolas Negras para acolher essas mulheres, dando alimento, encaminhando à Defensoria, pedindo moradia, fazendo encaminhamentos.
Comecei a oferecer os mesmos cursos da Casa 8 de Março. No isolamento, demos uma parada nos cursos, mas depois voltamos. Montamos uma biblioteca porque percebemos que muitas mulheres eram analfabetas, sabiam apenas assinar o nome. Começamos um grupo de alfabetização. Criamos um grupo de estudo, lendo livros de escritoras negras. Nomeamos a biblioteca como Carolina Maria de Jesus, uma renomada escritora negra que era muito era muito parecida com as mulheres que frequentavam ali. Também me acho muito parecida com ela, pois sou filha de um reciclador, que comprava latinhas. Carolina de Jesus também era recicladora e mãe. As mulheres se identificavam muito com ela. Em outubro do ano passado, a biblioteca pegou fogo. Estamos reconstruindo-a.
A senhora teria como mensurar a quantidade de mulheres atendidas na Casa Pérolas Negras?
Sim, há muitas crianças também. Muitas mães têm vários filhos. Agora, lembrando, atendemos mais ou menos um grupo rotativo. Algumas participavam do grupo de estudo, outras do grupo de corte e costura, outras de outras atividades. Cada uma tem um núcleo. Às vezes nem sempre conseguíamos atender todas as pessoas e passamos a atender quem mais precisava.
Estimo que atendíamos muitas pessoas, mas houve uma parada por causa do incêndio na biblioteca. O movimento era mais intenso lá. Todo sábado, tínhamos um grupo de estudo. Agora estamos apenas com o bazar, mas o bazar também foi impactado. Não estamos abrindo o bazar porque usávamos o bazar para arrecadar fundos e fazer o grupo de estudo. Com a pré-campanha, estamos querendo reabrir. Apesar do incêndio, outras partes da casa ficaram intactas.
E por que a senhora resolveu ser pré-candidata à prefeitura de Palmas? Isso pode mudar na pré-campanha?
Eu resolvi ser pré-candidata porque, nos movimentos sociais, não havia representante para fortalecer nossa luta. Quando íamos aos gabinetes, geralmente não éramos recebidos. Houve uma vez que fomos lutar pelos direitos das mulheres e não fomos recebidos pela presidenta da Assembleia Legislativa na época. As mulheres do movimento social disseram que eu precisava representá-las. Após mim, surgiram outras mulheres. Em 2020, fui a mais bem votada do grupo de mulheres dos movimentos sociais de vários partidos. Em 2022, fui novamente a mais votada.
Eu resolvi ser pré-candidata porque, nos movimentos sociais, não havia representante para fortalecer nossa luta. Quando íamos aos gabinetes, geralmente não éramos recebidos
Como a senhora avalia esses votos e o crescimento do seu nome nesses anos?
Avalio que as pessoas percebem que estou no local onde vejo as mazelas. Se eu ganhar, acredito que podemos virar a pirâmide de cabeça para baixo e começar a criar políticas públicas para quem realmente precisa.
O que a senhora observa como gargalo e dificuldade que Palmas tem hoje, analisando a cidade como um todo?
Sempre falo sobre a importância do transporte. O transporte público é um tema transversal. Se você tiver um transporte público de qualidade e gratuito, muitas coisas podem melhorar. Por exemplo, uma pessoa que é pobre, que está desempregada, ou que mora afastada, vai conseguir gerar emprego e renda, pois terá acesso ao trabalho. Ela também poderá ter uma boa educação, já que as escolas periféricas geralmente não oferecem boas condições. Com um transporte de qualidade, ela poderá chegar até essas escolas melhores. Além disso, terá acesso a uma boa saúde, pois poderá chegar aos serviços de saúde no centro da cidade e ser bem atendida.
Depois do transporte, o foco deve ser nas melhorias estruturais, como levar asfalto para as áreas periféricas e construir mais escolas. Essas são questões urgentes que precisam ser tratadas.
Como está nos bastidores? A senhora já escolheu o vice? Como está funcionando?
Nós ainda estamos finalizando as discussões sobre a candidatura. O partido Rede lançará alguns candidatos a vereadores, e nós estamos lançando outros, totalizando 24 pré-candidatos a vereador. No entanto, ainda não definimos se eu continuarei como candidata a prefeita. Existe uma grande possibilidade de eu ser eleita como vereadora.
Houve uma nova lei aprovada pelo Supremo Tribunal Federal, que foi proposta pelo PSOL, pelo Rede e por um partido menor. Essa lei determina que os partidos maiores, que concorrem com muitos candidatos, não terão mais a vantagem de levar todos os vereadores com base apenas na legenda. Agora, um partido grande pode levar um certo número de vagas, mas a disputa será mais justa. Eu não vou concorrer pela legenda, mas sim pela quantidade de votos.
Assim, eu competirei diretamente com partidos menores que não conseguiram eleger muitos candidatos. Acredito que, entre esses partidos menores, o meu partido, o Rede, é o que terá mais dificuldade em eleger candidatos. Porém, dos partidos pequenos, sou eu quem deve ter a maior quantidade de votos.
Então, se a senhora não for mais pré-candidata a prefeita, qual candidato apoiaria hoje?
No momento, o PSOL lançará uma candidata. Se não vier como candidata, teremos outra pessoa do partido. Ainda estamos acertando isso. Vai depender muito do Rede também.
Mas se a senhora tem o nome mais forte dentro desse núcleo, por que não continuar?
Nós podemos levar vereadores, mas a questão também envolve o fundo eleitoral, que é muito pequeno. Concorrer contra partidos grandes, que recebem quantias significativas, é um desafio. A situação é complicada, pois quando fui candidata a deputada federal, concorri com pessoas que tinham R$ 1,5 milhão. A concorrência é desleal, e isso me deixa triste. Estou um pouco indecisa sobre continuar a candidatura, especialmente se não houver um alinhamento nas conversas e no suporte financeiro. Prefiro sair como vereadora.
A questão do fundo partidário ainda não está resolvida, e não sabemos quanto receberemos. Alguns pré-candidatos já começaram a impulsionar suas campanhas, e é chato ver isso. Eu não estou fazendo pré-campanha, pois sem dinheiro é impossível. Por isso, não tenho coragem de continuar com a candidatura a prefeita de Palmas com recursos tão inferiores. Dependemos desse fundo eleitoral para decidir se continuamos ou recuamos para a candidatura de vereador.
Eu gostaria de saber a sua opinião sobre a gestão da Cinthia Ribeiro.
Eu acho que ela é uma boa prefeita. As pessoas a criticam muito, mas acredito que isso se deve ao fato de ela ser mulher. Muitas pessoas têm dificuldade em aceitar mulheres no poder. Por exemplo, ninguém critica o governador, e mesmo ele não está fazendo um trabalho tão bom assim. O problema é que ela tem cometido erros no transporte público, que é uma área que precisa de atenção. Fora isso, não vejo grandes problemas na gestão dela.
E quanto à Janad, como pré-candidata? Ela está liderando nas pesquisas. Como você a avalia como vereadora, deputada e empresária?
Eu tenho um certo receio em relação a ela. Quando foi candidata a vereadora, não apresentou projetos significativos ou fez algo relevante para as periferias. Ela só começou a aparecer agora, na pré-campanha. Como deputada estadual, não fez nada de relevante e já está se candidatando a prefeita. Me pergunto se ela está apenas trocando de cargos sem realmente contribuir para a comunidade. Não vejo realizações concretas dela e isso me preocupa.
Ela está associada à extrema direita, enquanto eu e meu grupo nos alinhamos com partidos de esquerda. Temos também um diálogo mais com o centro, mas não temos afinidade com a extrema direita.
A senhora teria algo a comentar que não tenhamos questionado?
Eu cheguei até aqui com o objetivo de criar políticas públicas efetivas. Comecei meu trabalho focando em crianças e adolescentes, e meu olhar é voltado para a experiência real de quem passou por dificuldades. Eu já vendi cheiro verde e bolo, sou filha de uma família pobre e criei meus filhos sozinha. Sei onde o sapato aperta e entendo as necessidades das famílias. Acredito que o eleitor deve escolher pessoas que se pareçam com eles, e não apenas aqueles que sempre estiveram no poder, como filhos, netos e esposas de pessoas ricas que não conhecem a realidade da população.