Durante análise da coleção de entomologia da Universidade Federal do Tocantins (UFT), em Porto Nacional, pesquisadores descobriram uma espécie inédita de vespa no estado. A espécie recebeu o nome de Masona uau, inspirado na surpresa e entusiasmo do pesquisador Alvaro Doria dos Santos, pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (PPGBEC/UFT).

Segundo Doria, localizar o exemplar foi um momento marcante: “Até 2019, esse gênero de vespas era conhecido apenas na Austrália. Naquele ano, um colega encontrou o primeiro registro para o Brasil, baseado em um único exemplar, o que surpreendeu toda a comunidade científica. Desde então, eu vinha procurando por esse gênero em coleções de insetos do Brasil inteiro. Quando comecei a trabalhar na UFT, em 2024, uma colega examinava amostras da coleção e me chamou a atenção para um exemplar. Olhei desconfiado… mas era justamente a vespa que eu buscava. Encontrar algo tão raro aqui no Tocantins foi motivo de grande alegria”, relata.

Diferente da imagem tradicional de vespas, com duas asas, corpo amarelo e ferrão, a Masona uau apresenta características distintas. O inseto mede apenas 1,7 milímetros. As fêmeas não possuem asas e o ferrão é utilizado apenas para colocar ovos em hospedeiros, sem oferecer risco.

Outro traço marcante são as pernas robustas, provavelmente adaptadas para deslocamento no solo, ambiente em que o exemplar foi coletado. A morfologia do grupo já havia inspirado, em 2019, o nome da primeira espécie brasileira do gênero, Masona popeye, em referência ao marinheiro Popeye. “As fêmeas desse grupo ainda têm uma característica única chamada cabeça prognata, com a mandíbula projetada para frente, o que facilita identificá-las entre tantas outras espécies”, explica Doria.

Masona uau
A escolha do nome também tem uma particularidade. “Eu vinha procurando por esse gênero há bastante tempo e fiquei realmente surpreso ao encontrar o exemplar. Além disso, em 2024, o coautor do trabalho descreveu a espécie Masona wow, inspirada na morfologia peculiar daquele inseto. Então aproveitamos para seguir essa ideia, criando uma pequena tradição de nomes ligados à surpresa. Isso aproxima a ciência do público e, ao mesmo tempo, reflete a paixão pela taxonomia e pela descoberta de novas espécies”, conta.

O pesquisador Alvaro Doria dos Santos durante os estudos que resultaram na descoberta da nova espécie de vespa | Foto: Divulgação

Segundo o pesquisador, a descoberta contribui para o entendimento da fauna de solo do Brasil, especialmente do Tocantins e da Amazônia, regiões sob pressão do desmatamento. As vespas desempenham papéis ecológicos relevantes, como o controle biológico de hospedeiros e fornecimento de informações sobre a evolução dos parasitoides. O gênero Masona, por exemplo, já passou por diversas reclassificações, mudando de família duas vezes nos últimos 30 anos.

Primeiro exemplar
“Estudar essa espécie ajuda a esclarecer questões sobre origem, relações filogenéticas e a história evolutiva do grupo. Isso reforça o quão enigmática e complexa é a biodiversidade dos ecossistemas de solo”, destaca Doria.

O exemplar descrito tornou-se o holótipo da espécie, ou seja, o indivíduo de referência para a descrição oficial. Ele está depositado na Coleção de Entomologia da UFT, sob curadoria do professor Tiago Kütter Krolow. O professor explica que “ter holótipos fortalece a UFT como instituição de pesquisa, aumenta o valor científico da coleção, atrai colaborações nacionais e internacionais e mostra a responsabilidade da universidade em preservar esse patrimônio natural. Isso evita que pesquisadores precisem se deslocar para grandes centros, já que temos aqui no Tocantins um material de alta confiabilidade para estudo”, afirma.

Outro ponto destacado é a presença da Masona uau no Tocantins, sugerindo que o estado ainda pode abrigar diversas espécies inéditas. “Eu trabalho principalmente com a família Ichneumonidae. Oficialmente, há apenas um registro dela para o Tocantins, enquanto estados mais estudados, como Amazonas e São Paulo, têm mais de 150 espécies registradas. Imagine a riqueza que o Tocantins pode ter? Só podemos preservar aquilo que conhecemos, e esse trabalho mostra como ainda há muito a ser descoberto”, avalia.

Curiosidades
O pequeno tamanho do exemplar exigiu cuidados especiais durante os estudos. Com apenas 1,7 milímetros, qualquer descuido poderia comprometer a análise. “A vespa é tão pequena que até o ato de respirar poderia fazê-la voar e se perder. Por isso, ela foi acondicionada em um pote especial para garantir sua segurança. O material ainda foi levado ao Museu de Zoologia da USP, onde utilizamos microscopia eletrônica de varredura em baixo vácuo. Essa técnica permite observar detalhes minúsculos sem danificar o inseto, o que é fundamental, já que ele é único”, conta Doria.

A pesquisa é uma iniciativa do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade, Ecologia e Conservação e contou com colaboração de instituições nacionais e internacionais, demonstrando como mesmo um inseto minúsculo pode gerar conhecimento relevante. O trabalho foi publicado na revista internacional Biologia, em coautoria com o pesquisador Davide Dal Pos (University of Central Florida).