Em Palmas há pouco mais de sete anos, a empreendedora negra Cássia Gabriela Silva Pereira, de 25 anos, veio de Nova Olinda, região centro-norte do Tocantins, para cursar Ciência da Computação. Para se desfazer de muitas roupas que não utilizava mais, mas que estavam em bom estado, resolveu montar um brechó.

“Resolvi criar um brechó online no Instagram para vender essas roupas. Comecei a divulgar e logo apareceram as clientes. Notei que as pessoas gostavam de comprar roupas, e perfis atacadistas começaram a aparecer, oferecendo peças a preços bem baixos. Nunca pensei em vender roupas ou ter uma loja como um sonho, mas acabou se tornando um, porque vi a oportunidade e comecei a gostar”, conta.

Em seguida, Cássia pensou que poderia pegar essas peças no atacado e revender no brechó com valor acessível, só para ganhar uma renda extra. E assim nasceu a Coisa de Deusa, a loja de roupas femininas, com peças românticas, casuais e, claro, com preços acessíveis.

“E assim começou. Percebi que estava dando certo, o pessoal gostava de comprar as roupas, e eu conseguia tirar uma renda extra bacana. Na época, eu só estudava e não tinha planos de criar uma loja de verdade. Então, resolvi criar um Instagram só para a loja de roupas novas. Com o tempo, a loja foi crescendo, aparecendo mais clientes. Quando vi, já estava formada com a loja, que estava dando uma boa renda, e eu não estava muito interessada em procurar emprego, já que o que eu ganhava com a loja era bem mais. Resolvi focar na loja para crescer ainda mais”, disse.

Cássia Gabriela narra que no início as vendas ocorriam somente de forma online. “Não tinha loja física ainda. Às vezes, atendia algumas clientes em casa, pois muitas gostavam de experimentar as peças. Eu dividia o quarto com uma amiga e as clientes iam lá”, frisa. Ela lembra que, por dois anos, a loja funcionava em casa. Depois de dois anos e meio e conquistar uma condição melhor, criou um showroom, uma sala pequena onde as clientes podiam experimentar com mais conforto. A primeira loja física veio após três anos. Durante um ano o espaço foi mantido, até que Cássia voltou a ampliar os negócios e se mudou para uma acomodação maior, onde está atualmente.

Em 2024, ano em que a loja completou quatro anos de existência, Cássia Gabriela viu seu rendimento atual saltar 60 vezes nesse período. Tanto que precisou sair da modalidade Microempreendedor Individual (MEI) e subir para Microempresa (ME). “Sobre a mudança de MEI para ME, como empreendedora, a principal diferença é a responsabilidade e a burocracia. Com o MEI, era tudo mais simples, só precisava pagar o Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS) e fazer a declaração anual. Não precisava de contador. Já como ME, uma microempresa, há mais obrigações e impostos a pagar. Precisei contratar um contador, porque não conseguia administrar tudo sozinha. Mas, o lucro atual é muito maior”, pontua.

Cássia Gabriela ampliou e diversificou seu estoque, e enxergou nisso a possibilidade de aumentar seus lucros | Foto: Luiz Henrique Machado

Mulheres líderes

No Tocantins, aproximadamente 51.640 mulheres lideram as pequenas empresas, de acordo com dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Esse número representa 39,6% do total de empreendedores do estado, refletindo um aumento em relação ao primeiro trimestre de 2023, quando as mulheres representavam 37,1% da categoria. Em Palmas, a capital, das cerca de 50 mil empresas ligadas aos pequenos negócios, 18.896 são lideradas por mulheres, representando 39,52% do total de empreendedores locais.

Ao analisar os Microempreendedores Individuais (MEI), dos 76.803 empresários registrados, 31.839 são mulheres, o que corresponde a 41,5% do total de MEIs.

A empreededora Cássia Gabriela, que ampliou a loja e aumentou os estoques com a chegada de mais clientes | Luiz Henrique Machado

Finanças organizadas

Quando Cássia Gabriela começou o seu negócio, ela tinha dificuldade em separar o dinheiro da loja e o das finanças pessoais. Todo o valor que entrava era utilizado para pagar contas e comprar mais mercadorias, sem distinção clara entre lucro e investimento. “Isso resultava em uma desorganização financeira total. Demorou quatro anos para eu conseguir estabilizar as finanças, criando reservas tanto para a loja quanto para mim mesma. Hoje, consigo separar meu pró-labore e reinvestir de maneira organizada, o que foi essencial para o crescimento do meu negócio”, revela.

A rotina de Cássia Gabriela como empreendedora é intensa e exigente, já que faz tudo sozinha. “Diferente de um emprego CLT, onde há um horário de trabalho fixo, como empreendedora estou sempre envolvida em resolver algo relacionado à loja. Normalmente, chego à loja por volta das 8h30 ou 9h da manhã, mesmo que o horário oficial de abertura seja às 10h. Fico na loja o dia todo, almoçando por lá mesmo, e saio apenas às 19h. Quando preciso resolver questões pessoais ou tarefas externas, durante o horário comercial, contrato alguém para cobrir minha ausência na loja”, explica.

Ela conta ainda que essa dedicação total é desgastante, mas necessária para o sucesso do empreendimento. “Planejo contratar uma ajuda fixa para poder focar mais na administração e no crescimento estratégico da empresa”, diz Cássia Gabriela.

No início, a lojista não tinha grandes expectativas de onde poderia chegar com a loja. Era apenas uma fonte de renda extra, sem muitas ambições. Porém, ao se envolver mais e ver o potencial de crescimento, começou a planejar um futuro mais sólido para o negócio. “Hoje, meu objetivo é continuar expandindo e melhorando a loja, aproveitando as oportunidades que surgirem e adaptando-me às demandas do mercado”, cita.

A empreendedora acrescenta que essa jornada a ensinou a importância da organização e do planejamento financeiro. “Aprendi que, sem uma base sólida e organizada, é impossível crescer de forma sustentável. A experiência também me mostrou que o sucesso exige muita dedicação e uma visão clara de onde se quer chegar”, afirma.

Cássia Gabriela investiu na diversificação de sua vitrine, percebeu o quanto isso melhorou seu faturamento | Foto: Luiz Henque Machado

Recorte de raça

Como mulher negra no empreendedorismo, Cássia Gabriela afirma enfrentar mais desafios. “Muitas vezes, as pessoas não me reconhecem como a dona da loja, às vezes me reconhecendo apenas como uma funcionária. Isso reflete um preconceito enraizado que ainda existe, especialmente em setores como o da moda”, diz.

Além disso, Cássia Gabriela lamenta que sua autoestima às vezes é afetada, especialmente quando compara sua imagem com a de outras empreendedoras brancas. “Pois essas são consideradas mais bonitas pela sociedade e têm mais facilidade para se comunicar e promover seus negócios. Tento superar esses desafios focando no meu trabalho e buscando formas de melhorar minha autoconfiança”, destaca a empreendedora.

O empreendedorismo negro no Brasil está em ascensão, representando cerca de 33% dos investidores do país, segundo dados do Sebrae. Apesar do crescimento, os empreendedores negros enfrentam obstáculos como falta de acesso a recursos financeiros, capacitação e redes de contatos, além de discriminação racial. Mulheres negras empreendedoras enfrentam desafios, sendo apenas cerca de 24% dos empreendedores brasileiros. Elas lutam contra a interseção de discriminações raciais e de gênero, muitas vezes operando em áreas com infraestrutura precária e menos acesso a serviços básicos. Para superar esses desafios, muitas criam suas próprias redes de apoio e colaboração.

Entendendo como funciona

Francisco de Assis Dias Ramos, analista da Unidade de Articulação e Competitividade do Sebrae | Foto: Luiz Henrique Machado

O microempreendedor é o profissional que exerce atividades por conta própria dentro do seu próprio negócio. Já o empreendedor individual, também conhecido no mercado como pequeno empresário, apresenta algumas diferenças em relação ao microempreendedor. Embora haja semelhanças entre o Microempreendedor (ME) e o Microempreendedor Individual (MEI), eles não são a mesma coisa. As principais diferenças estão nas regras tributárias e fiscais ligadas a esses registros.

Francisco de Assis Dias Ramos, analista da Unidade de Articulação e Competitividade do Sebrae, explica que, primeiramente, é importante entender que o MEI (Microempreendedor Individual) recebe um tratamento diferenciado. Em geral, nos referimos a ele como MEI ou Microempresa de Pequeno Porte. Porém, é mais comum usar a denominação MEI, pois ele tem um faturamento bruto anual de até R$ 81.000,00, enquanto uma microempresa pode ter um faturamento bruto de até R$ 360.000,00 e uma empresa de pequeno porte, de R$ 360.001,00 a R$ 4.800.000,00. Se o MEI expandir seus negócios ou iniciar exportações, seu faturamento pode aumentar para até R$ 800.000 ou mais. No entanto, algumas atividades não se enquadram como MEI, como as realizadas por profissionais como educadores físicos ou personal trainers. Essas atividades exigem qualificação profissional e, geralmente, não se enquadram no regime do MEI”, informa Francisco.

Para essas atividades, como as exercidas por médicos, dentistas e engenheiros, que estão sob a jurisdição de conselhos profissionais, Ramos explica que o enquadramento como MEI não é possível. Nesses casos, é necessário abrir uma microempresa no enquadramento do Simples ou através do lucro real ou presumido, onde haverá a necessidade um contador. “É essencial que as microempresas estejam sempre em dia com suas finanças, independentemente do porte, seja MEI, microempresa ou empresa de pequeno porte. A gestão financeira é fundamental para garantir recursos adequados para o negócio e sua sustentabilidade ao longo do tempo”, pontua o analista.

O profissional explica que abrir um negócio próprio muitas vezes é visto como uma forma de escapar da rotina de trabalho, mas na prática, os empreendedores costumam trabalhar ainda mais. “Embora haja a possibilidade de aumentar os ganhos, também há mais responsabilidades e trabalho árduo envolvido. O sucesso como empresário exige dedicação constante e aprimoramento contínuo”, complementa.

Cerca de 51.640 mulheres lideram as pequenas empresas no Tocantins, de acordo com o Sebrae | Foto: Luiz Henrique Machado

Em relação aos impostos, Ramos explica que o MEI paga mensalmente um valor de 5% do salário mínimo, que é a contribuição previdenciárias e uma taxa fixa mensal, que não é ajustada desde sua criação em 2007, independentemente do faturamento, que é no valor para serviços de r$ 5,00 e para comércio e indústria r$ 1,00. “Além disso, há impostos específicos para microempresas e empresas de pequeno porte, como o Simples Nacional, que engloba vários tributos, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) e contribuições federais”, relata.

Em termos de tributação, o MEI possui uma carga tributária diferenciada, sendo incluído no regime tributário Simples Nacional. A arrecadação é feita por meio do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS), com uma taxa fixa mensal. Já o microempreendedor (ME) tem a opção de escolher entre três regimes tributários: Simples Nacional, Lucro Presumido e Lucro Real.

Para abrir uma microempresa (ME), o empreendedor precisa seguir alguns passos essenciais: Definir o modelo de ME, escolher o regime tributário, determinar a atividade exercida, conforme a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE); elaborar o contrato social; registrar o contrato social em um Cartório de Registro de Pessoa Jurídica para obter o NIRE (Número de Identificação do Registro da Empresa); obter o alvará de funcionamento na prefeitura; conseguir a inscrição estadual e aguardar a emissão do CNPJ, após dar entrada nos pedidos na Junta Comercial.

Para se destacar no mercado, ele acrescenta com os empreendedores devem focar na qualidade do produto ou serviço oferecido, no atendimento ao cliente e na organização da empresa. “Inovação e diferenciação são fundamentais para se manter competitivo e atrair clientes”, finaliza.