Lei do licenciamento abre brecha para avanço do agro em 120 mil imóveis dentro de áreas protegidas da Amazônia
17 dezembro 2025 às 15h35

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A aprovação da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei nº 15.190/2025) tende a ampliar a ocupação agropecuária na Amazônia, inclusive em áreas protegidas. A norma dispensa o licenciamento ambiental para atividades como cultivo agrícola e criação de gado extensiva e semi-intensiva, mesmo quando o imóvel rural ainda não teve o Cadastro Ambiental Rural (CAR) homologado.
Antes da mudança, empreendimentos agropecuários com mais de mil hectares — ou localizados em áreas ambientalmente sensíveis, como unidades de conservação (UCs) — estavam sujeitos à apresentação de Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Com a nova legislação, essas exigências foram eliminadas para uma série de atividades do setor.
O artigo 9º da lei lista como dispensadas de licenciamento práticas como a pecuária extensiva, a pecuária semi-intensiva, o cultivo de lavouras e pesquisas agropecuárias. Na prática, a medida amplia o espaço legal para a expansão de atividades como criação de gado e plantio de soja e milho, inclusive em propriedades ainda irregulares do ponto de vista ambiental.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a vetar o trecho que liberava essas atividades em imóveis com CAR não homologado, mas o Congresso Nacional derrubou esse veto — junto com outros 51 — dias após o encerramento da COP30.
Especialistas alertam que a nova lei também fragiliza a proteção das unidades de conservação. Embora o texto determine que os imóveis sobrepostos a UCs devem respeitar os planos de manejo, muitos desses documentos estão desatualizados ou sequer existem, o que aumenta a vulnerabilidade dessas áreas.
“Ao dispensar o licenciamento, o Estado transfere ao empreendedor a responsabilidade de proteger o meio ambiente. Isso reduz o controle, aumenta o risco de desmatamento, eleva as emissões de gases de efeito estufa e compromete a credibilidade ambiental do país”, avalia Adriana Pinheiro, assessora do Observatório do Clima.
Levantamento exclusivo da InfoAmazonia mostra que 120.319 imóveis com CAR não homologado estão sobrepostos a 394 unidades de conservação na Amazônia Legal. Juntas, essas áreas somam cerca de 414 mil quilômetros quadrados dentro de territórios protegidos.
Maranhão, Pará e Amazonas lideram em número de cadastros irregulares sobrepostos a UCs. O Amazonas, por exemplo, concentra 100 unidades de conservação potencialmente afetadas. Entre as áreas com maior extensão impactada estão a APA do Arquipélago do Marajó (PA), a Estação Ecológica da Terra do Meio (PA) e a APA da Baixada Maranhense (MA).
A nova lei também altera o papel do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que deixa de atuar de forma preventiva no licenciamento e passa a agir principalmente por meio de fiscalização após a ocorrência de danos. Em nota, o órgão criticou a mudança, afirmando que a legislação adota uma lógica “perversa”, ao priorizar a reação em vez da prevenção.
O presidente do ICMBio, Mauro Pires, classificou os impactos da derrubada dos vetos como “incalculáveis” e alertou para o aumento da pressão sobre parques e reservas. Já o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, apontou incertezas sobre a atuação dos órgãos ambientais e possíveis reflexos no acesso a crédito rural, uma vez que bancos costumavam exigir licença ambiental para financiamento.
Outro ponto de preocupação é o efeito da nova lei sobre as metas climáticas do Brasil. Dados do SEEG indicam que a agropecuária responde por 29% das emissões nacionais de gases de efeito estufa. Na Amazônia Legal, o rebanho bovino já ultrapassa 104 milhões de cabeças, contribuindo tanto para o desmatamento quanto para a emissão de metano.
Ambientalistas avaliam que a flexibilização do licenciamento ocorre em um contexto político desfavorável à proteção ambiental, marcado pela forte influência da bancada ruralista no Congresso e por tensões entre Legislativo e Executivo.
