Atualizada às 14h, de 06 de agosto de 2025.

O Ministério Público do Tocantins (MPTO) instaurou um Procedimento Preparatório para apurar denúncias de obstrução de estrada pública na região da Gleba Tauá, zona rural de Barra do Ouro, norte do Tocantins, que estaria comprometendo o transporte escolar de dezenas de crianças. A estrada, segundo relatos, teria sido destruída por tratores da Fazenda Unigel e bloqueada com cercas e cadeados, impossibilitando o tráfego de ônibus escolares.

Em entrevista ao Jornal Opção Tocantins, um morador, que não quis se identificar por temer sua própria segurança, confirmou as denúncias e relatou que os atos são recorrentes. “Eles passam a grade e destroem as estradas da rota escolar. Proíbem até a prefeitura de arrumar as vias, mesmo com ordem do juiz. Quando tentam fazer algum reparo, são impedidos”, afirmou.

A fonte relata que há cerca de 50 crianças prejudicadas na região. “As mães reclamam direto. Os ônibus não têm acesso, e as crianças perdem aula, perdem prova. É um descaso”, disse. Segundo ele, vivem atualmente na gleba cerca de 300 pessoas, distribuídas em mais de 140 famílias, muitas das quais dependem exclusivamente do transporte público escolar para garantir a frequência dos filhos nas escolas.

Ainda segundo o morador, a fazenda em questão seria controlada por um grupo de grileiros, que divide a área em várias propriedades registradas em nome de laranjas. “Eles transformaram a Gleba em 15 fazendas diferentes para dificultar a ação da Polícia Federal”, acusou.

Ele também denunciou que moradores têm sido ameaçados, inclusive com ações de pistoleiros. “Já tentaram me matar lá dentro. E a própria Polícia Militar de Barra do Ouro, que está proibida judicialmente de entrar na Gleba, continua prestando serviço para os fazendeiros. É como se fosse uma milícia rural. A gente está desprotegido”, disse, acrescentando que os casos devem ser levados à esfera federal por falta de confiança nas autoridades locais.

O Procedimento Preparatório foi instaurado no dia 31 de julho pela Promotoria de Justiça de Goiatins, com base em uma Notícia de Fato encaminhada pelo Conselho Tutelar ainda em março deste ano. A promotora Jeniffer Medrado Ribeiro Siqueira destacou que a situação pode configurar violação ao direito à educação e que será apurada a responsabilidade dos envolvidos.

Entre as diligências determinadas pelo MPTO está a intimação do motorista da rota escolar para prestar esclarecimentos. Também foi solicitada manifestação da Secretaria Municipal de Educação resposável pelo transporte escolar.

A reportagem tentou localizar representantes da Fazenda Unigel e dos supostos proprietários da área, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. O Jornal Opção Tocantins também tenta contato com a Prefeitura de Barra do Ouro, a Polícia Militar, a Polícia Federal e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O espaço segue aberto para manifestações.

O que diz a PM

Em resposta à solicitação de informações sobre a atuação da Polícia Militar do Tocantins (PMTO) na região da Gleba Tauá, município de Barra do Ouro, e acerca de procedimento instaurado pelo Ministério Público, a corporação esclarece:

A PMTO tem conhecimento da complexa situação de conflito agrário na referida localidade e informa que, por meio da 3ª Companhia Independente (3ªCIPM), se faz presente na região sempre que acionada, atuando de forma imparcial e com o devido respeito aos Direitos Humanos. Todas as intervenções realizadas são devidamente registradas por meio de Relatórios de Ocorrência Policial.

Sobre a alegação de restrição de acesso, a PMTO informa que não existe qualquer decisão judicial que proíba a presença ou a atuação da corporação na Gleba Tauá. A situação jurídica da área é mediada por um Termo de Conciliação judicial, que estabelece regras de convivência entre as partes envolvidas no litígio. A atuação da PMTO se dá no estrito cumprimento de seu dever legal de manter a ordem pública e atender às solicitações de todos os cidadãos.

A corporação ressalta que denúncias com teor semelhante já foram objeto de apuração anterior por parte da Promotoria de Justiça da comarca de Goiatins. Na ocasião, o procedimento investigatório foi arquivado após a realização de diligências, incluindo a presença da representante do Ministério Público na localidade, que não constatou irregularidades na conduta da Polícia Militar.

A PMTO reafirma seu compromisso com a legalidade e a imparcialidade em todas as suas ações, garantindo a segurança e os direitos de todos os envolvidos, e permanece à disposição das autoridades para prestar os esclarecimentos necessários.

O que diz a Prefeitura de Barra do Ouro

Atualmente, a Prefeitura de Barra do Ouro, por meio da Secretaria Municipal de Educação e da Secretaria de Infraestrutura, não possui registro formal de obstruções ou interrupções graves no transporte escolar que atinjam diretamente a comunidade do assentamento Tauá. No entanto, ressalta-se que o município está atento a qualquer demanda emergente e realiza, de forma contínua, o monitoramento das rotas escolares, especialmente em regiões com histórico de dificuldade de acesso em períodos chuvosos ou durante a execução de obras de manutenção viária. Qualquer ocorrência pontual está sendo devidamente acompanhada e solucionada pelas equipes responsáveis.

Quando identificada a necessidade de articulação intermunicipal, especialmente em áreas que ultrapassa os limites territoriais entre Barra do Ouro e o município de Goiatins, a Prefeitura busca estabelecer diálogo institucional com os respectivos entes para garantir o pleno atendimento às crianças e adolescentes em idade escolar, respeitando os limites legais e a competência de cada município.

Informamos que as estradas já estão em manutenção na região do Assentamento Tauá. [O município] não possui rota oficial na região Fernandão. A região conhecida como “Fernandão” está contemplada nas rotas oficiais de transporte escolar organizadas pela Secretaria Municipal de Educação do município de Goiatins, mais próxima do Povoado Campos (Barra Vermelha) no qual pertece ao território de Goiatins e não está na área com cobertura do município de Barra do Ouro.

Com relação às stradas, a gestão municipal reconhece a importância estratégica de manutenção de rotas escolares não só da região do Tauá, mas das demais rotas que está sob responsabilidade do município para o atendimento educacional e informa que as estradas da região do Assentamento Tauá já se encontram em processo de manutenção, com equipes atuando para garantir a trafegabilidade segura e eficiente. Essa ação visa assegurar a continuidade do transporte escolar sem prejuízo aos estudantes, principalmente no retorno às aulas do segundo semestre.

O que diz a Polícia Federal

A Polícia Federal  informa que no momento não poderá se manifestar acerca de inquéritos em andamento, na região infracitada. Nos colocamos a disposição para eventuais demandas.

Contexto

A Gleba Tauá é um território tradicional localizado no município de Barra do Ouro, Tocantins, ocupado por famílias camponesas há mais de 100 anos, originárias principalmente dos estados do Maranhão e Piauí. A região, caracterizada pelo bioma do Cerrado, tem passado por diversas mudanças nas últimas décadas, com a expansão de monocultivos de soja, milho e eucalipto, além de áreas destinadas à pecuária.

Na década de 1980, o governo federal promoveu a regularização fundiária da área, titulando cerca de um terço da terra, enquanto grande parte permaneceu sem titulação oficial. Desde então, o território tem passado por conflitos fundiários envolvendo famílias tradicionais, posseiros e novos proprietários, que disputam a posse e a regularização das terras.

Denúncias de práticas ilegais, como desmatamento e pressões sobre moradores, foram registradas em órgãos públicos, e decisões judiciais e administrativas têm buscado solucionar a situação, com avanços e retrocessos