Morre Mino Carta, fundador da Carta Capital, aos 91 anos em São Paulo

02 setembro 2025 às 10h03

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O jornalista Mino Carta, fundador e diretor de redação da revista Carta Capital, morreu nesta terça-feira, 2, aos 91 anos, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Ele enfrentava problemas de saúde e estava internado na UTI nas últimas semanas.
Nascido em Gênova, na Itália, Mino marcou a imprensa brasileira com a criação e direção de revistas como Quatro Rodas (1960), Veja (1968), IstoÉ (1976) e Carta Capital (1994). Também esteve à frente do Jornal da Tarde (1966), considerado inovador em linguagem e diagramação, e do Jornal da República (1979), lembrado como marco na abertura política.
Ao longo da carreira, enfrentou embates com a ditadura militar, especialmente após reportagens da Veja sobre tortura, que sofreram censura. Em seus últimos anos, expressava críticas à política nacional e ao impacto da tecnologia no jornalismo, que considerava “escravizado pelas novas mídias”.
Mino via na Carta Capital sua maior realização, construída sobre os princípios de fidelidade aos fatos, espírito crítico e fiscalização do poder. A revista completa 31 anos em 2025.
Além do jornalismo, dedicou-se à literatura, com obras como Castelo de Âmbar (2000), A Sombra do Silêncio (2003) e A Vida de Mat (2016), que mesclam memórias e reflexões filosóficas.
Raízes e chegada ao Brasil
Nascido em Gênova, na Itália, em 1933, Mino vinha de uma família ligada ao jornalismo. O avô materno, Luigi Becherucci, foi diretor do jornal Caffaro até ser afastado durante a perseguição fascista. Seu pai, Giannino, opositor de Benito Mussolini, chegou a ser preso em 1944, mas fugiu meses depois. Com o fim da guerra, recebeu um convite para trabalhar no Brasil, levado pelo industrial Francisco Matarazzo Júnior, que havia adquirido ações da Folha de S. Paulo.
Ao chegar a São Paulo, descobriu que o emprego não se concretizaria. Decidiu, ainda assim, permanecer no Brasil, temendo novos conflitos na Europa. Para sustentar a família, Giannino trabalhou como ilustrador de capas de livros. A primeira incursão de Mino no jornalismo foi precoce: aos 16 anos, escreveu artigos encomendados para jornais italianos sobre a Copa do Brasil, substituindo o pai, que detestava futebol. “Percebi que a felicidade não era tão cara e podia ser alcançada escrevendo”, recordou décadas depois.
O gênio das redações
Após breve retorno à Itália, onde trabalhou na Gazetta del Popolo e como correspondente para jornais brasileiros, Mino voltou ao país e, em 1960, aceitou convite de Victor Civita para dirigir a recém-criada Quatro Rodas. O curioso é que assumiu a tarefa sem saber dirigir e sem distinguir um Volkswagen de uma Mercedes — detalhe do qual se orgulhava ao contar.
Daí em diante, revelou-se um criador nato de publicações: lançou Veja em 1968, IstoÉ em 1976 e, por fim, CartaCapital em 1994. Também esteve à frente do Jornal da Tarde (1966), considerado revolucionário por sua diagramação moderna e pelo estilo literário das reportagens, que inspiraram gerações.
Seu maior fracasso declarado, o Jornal da República (1979), durou apenas cinco meses, mas ficou registrado como marco da abertura política ao reunir nomes de peso do jornalismo e confrontar os limites da censura.
A resistência na ditadura
A carreira de Mino se entrelaça com os embates contra a ditadura militar. Em 1968, ainda no primeiro número de Veja, uma capa com a foice e o martelo irritou os militares. No ano seguinte, a revista publicou uma reportagem sobre 150 casos de tortura, tornando-se alvo de apreensões, censura e ameaças diretas a jornalistas.
Mino foi interrogado duas vezes pelo delegado Sérgio Fleury e conviveu com pressões constantes. Apesar da perseguição, manteve a linha crítica. Recusou-se, inclusive, a aceitar a demissão de colaboradores exigida pelo governo, o que o levou a deixar a Abril em 1976. “Cristo foi traído por 30 moedas de prata; minha cabeça valia aparentemente um pouco mais”, ironizava.

Fundou a CartaCapital ao lado de um grupo de colaboradores históricos. Inicialmente mensal, a revista tornou-se quinzenal em 1996 e semanal em 2001. Para Mino, foi sua maior realização profissional: um veículo construído sobre três pilares — fidelidade aos fatos, espírito crítico e fiscalização do poder.
Ao longo de 31 anos, CartaCapital firmou-se como contraponto ao pensamento dominante na mídia, com reportagens marcantes sobre o racionamento de energia no governo Fernando Henrique, as denúncias contra o banqueiro Daniel Dantas, os grampos do BNDES e, mais recentemente, críticas pioneiras à Operação Lava Jato e à atuação do juiz Sergio Moro.

Ao longo de mais de seis décadas, Mino Carta se destacou como editor exigente, criador de talentos e defensor intransigente de um jornalismo independente e crítico. Sua obra permanece como referência para profissionais e estudantes da área, atravessando diferentes gerações.
Com ele, encerra-se um dos capítulos mais importantes da história da imprensa brasileira.