Movimentos sociais, organizações da sociedade civil e pesquisadores divulgaram uma carta-manifesto que solicita a suspensão imediata do Programa de REDD+ Jurisdicional no Tocantins, denunciando o avanço do desmatamento no estado. O documento é resultado do seminário “Tocantins na Encruzilhada: Combate ao Desmatamento e Análise Crítica ao REDD+ Jurisdicional”, realizado nos dias 25 e 26 de setembro na Universidade Federal do Tocantins (UFT), em Palmas.

O encontro reuniu indígenas, quilombolas, camponeses e organizações socioambientais, que discutiram impactos do agronegócio, conflitos fundiários e as contradições do programa de REDD+.

Durante a programação, foram apresentados dados recentes sobre desmatamento, experiências de REDD+ em outros estados e denúncias de falhas no processo de consulta às comunidades tocantinenses.

Críticas ao REDD+ Jurisdicional

O programa de REDD+ Jurisdicional, defendido pelo governo como estratégia de contenção do desmatamento por meio da venda de créditos de carbono, foi alvo central das discussões. Movimentos sociais apontam falta de diálogo com povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, além de problemas de transparência semelhantes aos observados em outros estados, como Acre e Pará.

Maria Aparecida de Sousa, coordenadora da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO), destacou irregularidades no processo de consulta promovido pelo governo estadual junto às comunidades quilombolas. “O processo seguiu e percebemos que não é seguido nada do que foi pedido”, afirmou, reforçando a necessidade de respeito aos protocolos próprios de consulta elaborados pela COEQTO e associações locais.

A liderança indígena Apinajé Antônio Veríssimo, da Aldeia Cocalinho, também ressaltou a falta de informações durante o diálogo. “Nós não sabemos quem irá ser beneficiado, de que forma será beneficiado, nós não temos segurança nenhuma”, disse.

Na carta, os movimentos apontam o Estado brasileiro como responsável por transformar o Cerrado em um “bioma de sacrifício”, destinado à expansão do agronegócio, da pecuária extensiva e da mineração. O documento também critica o REDD+ como mecanismo de mercantilização da natureza que não enfrenta as causas estruturais do desmatamento e exclui povos e comunidades responsáveis pela preservação dos territórios.

Entre as propostas estão a suspensão do programa até que haja consulta livre, prévia e informada; revisão crítica das salvaguardas; revogação de leis estaduais que favorecem a grilagem; regularização fundiária de terras indígenas, quilombolas e camponesas; criação de uma plataforma pública de transparência fundiária; e fortalecimento da agroecologia e da agricultura familiar.

Acesse a carta aqui.

Panorama do desmatamento no Tocantins

Segundo dados do MapBiomas, a região conhecida como Matopiba, que abrange Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, concentrou mais de 80% do desmatamento do Cerrado em 2024. No Tocantins, foram perdidos 230,2 mil hectares de vegetação nativa em 2023, um aumento de 177,9% em relação a 2022.

Vanessa Lopes, professora da UFT e membro da Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática, comenta dados preliminares da pesquisa do Núcleo de Práticas Jurídicas de Arraias sobre o desmatamento no estado. Segundo ela, a Área de Proteção Ambiental (APA) Ilha do Bananal/Cantão, que deveria garantir maior proteção ambiental, registrou supressão proporcionalmente maior da cobertura vegetal natural em relação ao restante do Tocantins, indicando falhas na fiscalização e emissão de licenças.

No dia 9 de julho deste ano com a repercussão da adesão ao programa, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) se posicionou com a seguinte nota:

A Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) reafirma que o Programa Jurisdicional de REDD+ do Tocantins está sendo desenvolvido com transparência, inclusão e respeito aos direitos das comunidades tradicionais.

O processo de Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI), previsto na Resolução CONAREDD+ nº 9 e nas Salvaguardas de Cancún, está em andamento de forma íntegra e participativa. Quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, povos indígenas e outras comunidades tradicionais estão sendo ouvidos em oficinas que respeitam suas realidades e culturas, com espaços para escuta qualificada, definição de prioridades e escolha de representantes.

A Instrução Normativa nº 1/2025 estabelece as etapas dessa consulta, construída com base em diálogos técnicos e validações feitas diretamente com os públicos envolvidos. O calendário das atividades e os representantes são definidos pelas próprias comunidades.

Sobre a regularização de territórios quilombolas, que é de responsabilidade do governo federal, o Estado atua como parceiro, apoiando as comunidades. Um exemplo é a titulação do Quilombo Matão, em Conceição do Tocantins. Para acelerar esse tipo de processo, foi criada neste ano a Câmara Técnica de Governança Fundiária – Terras Quilombolas (CTGF), ligada ao Núcleo de Prevenção e Regularização Fundiária (NUPREF).

Também foi firmado o Acordo de Cooperação Técnica nº 250/2024 entre o INCRA, a Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais (Sepot), o Instituto de Terras do Tocantins (Itertins) e a Companhia Imobiliária de Participações, Investimentos e Parcerias do Estado do Tocantins (Tocantins Parcerias), com foco na regularização fundiária de comunidades quilombolas no estado.

Por fim, a Semarh ressalta que segue aberta ao diálogo e comprometida com o aprimoramento contínuo das políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável e à garantia dos direitos coletivos.

O Jornal Opção Tocantins entrou em contato com a gestão estadual solicitando um posicionamento atual da gestão a respeito e aguarda retorno.

Realização e apoio do evento

O seminário foi promovido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática, Centro de Assessoria às Comunidades Tradicionais do Tocantins (CACTTO/UFT), Tamo de Olho e Observatório do Matopiba, em parceria com a Articulação Tocantinense de Agroecologia (ATA), COEQTO e a Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural (PPGMader/UnB).