Prefeituras com o pires na mão: crise fiscal aproxima municípios de deputados e reforça dependência por emendas de custeio

20 outubro 2025 às 11h02

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Às vésperas de completar um ano de mandato, prefeitos tocantinenses, reeleitos ou em início de gestão, enfrentam o mesmo dilema: fechar as contas. A crise fiscal que atinge os municípios se agravou neste segundo semestre de 2025 e ameaça provocar uma nova onda de demissões e cortes de gastos em todo o estado.
O presidente da Associação Tocantinense de Municípios (ATM) e prefeito de Cristalândia, Big Jow, alertou que a queda nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) comprometeu o pagamento de servidores, fornecedores e até serviços essenciais. “Nas próximas semanas, diversas prefeituras terão que cortar na carne”, afirmou.
Segundo dados da ATM, o FPM, principal fonte de receita de mais de 120 cidades, apresentou queda de 3,86% no último decêndio de setembro e de 6,12% no início de outubro. “As receitas diminuem mês a mês, enquanto as despesas continuam crescendo. No ano passado, 54% das prefeituras fecharam no vermelho. Infelizmente, a alternativa agora é reduzir despesas e exonerar servidores”, completou Big Jow.
De Palmas aos pequenos municípios
No Tocantins, há realidades opostas em escala, mas semelhantes em desafio. De um lado, pequenas cidades com pouco mais de 1.200 habitantes, cuja máquina pública depende quase integralmente de transferências constitucionais. De outro, a capital Palmas, com mais de 300 mil moradores e uma estrutura complexa de secretarias, órgãos e contratos.
Mesmo entre as maiores, o cenário é de aperto. Em Palmas, o prefeito Eduardo Siqueira Campos (Podemos) anunciou um pacote de contenção de despesas que inclui fusão e extinção de 12 órgãos municipais, redução de 20% nos salários de cargos comissionados e revisão geral de contratos. O plano emergencial prioriza investimentos em saúde, educação e infraestrutura essencial.
Em Porto Nacional, cerca de 200 servidores foram exonerados, e a prefeitura registrou queda de R$ 7 milhões na arrecadação entre janeiro e maio. Em Paraíso do Tocantins, a gestão reduziu gratificações e revisou contratos administrativos, além de anunciar leilões de bens inservíveis e busca por novas linhas de crédito.
Municípios cada vez mais dependentes de emendas
Com a arrecadação em queda, cresce a dependência das prefeituras das emendas parlamentares de custeio, recursos indicados por deputados para cobrir despesas correntes, como combustível, manutenção de veículos, material de expediente e pagamento de serviços terceirizados, por exemplo.
Cada deputado estadual tocantinense tem à disposição cerca de R$ 10 milhões anuais em emendas individuais, totalizando R$ 240 milhões por ano no orçamento estadual. Esses valores vêm se tornando essenciais para o funcionamento de boa parte dos municípios.
O levantamento de 2025, feito pelo Jornal Opção Tocantins, com base em dados da Secretaria de Planejamento e Orçamento, mostra um retrato ainda mais claro dessa dependência. Cidades como Aguiarnópolis, Ananás, Araguacema, Crixás do Tocantins, Chapada da Natividade, Divinópolis do Tocantins e dezenas de outras receberam repasses de custeio que variam de R$ 150 mil a R$ 600 mil por indicação.
Em Aguiarnópolis, por exemplo, o município contou com duas emendas de R$ 300 mil cada, uma do deputado Valdemar Júnior (Republicanos) e outra de Léo Barbosa (Republicanos), ambas para custeio da administração local, que na prática, significa: o dinheiro usado para que a prefeitura continue funcionando, pagar contas, manter os prédios, abastecer veículos e garantir o básico do dia a dia administrativo.
Em Ananás, 14 parlamentares destinaram recursos para o mesmo fim, custear despesas da gestão, somando mais de R$ 3,5 milhões em um único exercício, em repasses individuais que variam de R$ 50 mil a R$ 350 mil. Os valores bancaram desde manutenção de veículos até despesas hospitalares, com indicações de Amélio Cayres (Republicanos), Eduardo Fortes (PSD), Eduardo do Dertins (Cidadania), Ivory de Lira (PCdoB), Wiston Gomes (PSD), Moisemar Marinho (PSB), Nilton Franco (Republicanos), Jorge Frederico (Republicanos), Jair Farias (UB), Eduardo Mantoan (PSDB), Olyntho Neto (Republicanos), Claudia Lelis (PV), Gipão (PL) e Vanda Monteiro (UB).
No mesmo sentido, Araguacema recebeu mais de R$ 900 mil em emendas. Chapada de Natividade somou R$ 700 mil em transferências para despesas administrativas e de saúde. Divinópolis do Tocantins, Crixás, Figueirópolis, Palmeirante e Sandolândia também figuram entre os beneficiários de emendas voltadas ao custeio da máquina pública.
Prefeitos pedem socorro, deputados distribuem recursos
No atual desenho fiscal, o deputado se consolida como principal articulador de recursos junto às bases eleitorais, enquanto as gestões municipais se tornam cada vez mais dependentes de transferências externas para sobreviver.
Os recursos das emendas de custeio são aplicados em rubricas diversas, da compra de combustível à reposição de materiais de escritório. Como o custeio representa a espinha dorsal da operação administrativa, a falta desses repasses pode paralisar secretarias inteiras.
Para quem pretende disputar vagas no Parlamento em 2026, o cenário impõe um desafio adicional: enfrentar candidatos que já possuem forte presença nos municípios por meio da liberação de emendas e repasses diretos.
Um quadro que preocupa
A crise de receitas, o aumento das despesas obrigatórias e a crescente dependência das prefeituras das emendas parlamentares revelam um cenário de fragilidade estrutural das finanças municipais tocantinenses.
Enquanto os prefeitos se desdobram para pagar contas e manter serviços básicos, os deputados passam a exercer papel cada vez mais decisivo, não apenas como legisladores, mas como provedores de recursos que sustentam o cotidiano da administração pública nas pequenas cidades do estado.