Primeiro indígena Xerente conclui doutorado em Educação na Amazônia pela UFT

04 junho 2025 às 16h14

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Armando Sõpre Xerente tornou-se o primeiro indígena Xerente a obter o título de doutor. Ele concluiu o doutorado em Educação na Amazônia pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), por meio do Programa de Pós-Graduação em Educação na Amazônia (PGEDA/Educanorte). A tese tem como tema “A educação tradicional do povo Akwẽ e o processo de formação dos jovens na era Warã”, com ênfase na participação dos anciões no processo educativo.
Durante a defesa, Sõpre argumentou que os anciões devem ser considerados no ensino formal. “Eles (os anciões) são doutores no conhecimento tradicional”, afirmou. Ele também mencionou: “antigamente, os anciões é que eram os professores nas aldeias. Eles tinham que contar tudo, ensinar aos jovens. É por isso que me interessei de pesquisar esse tema, para que possamos trazer de volta esses anciões, para o ensino no mundo moderno”. De acordo com Sõpre, essa reintegração deve ocorrer também em escolas indígenas. “Até porque a nossa escola é um centro de ensino médio (o Centro de Ensino Médio Indígena Xerente Warã – Cemix) e precisamos de nossos anciões lá dentro”, declarou.
A tradução de conceitos da língua xerente para o português foi apontada por Sõpre como o principal desafio da pesquisa. “Eu tive de me concentrar bastante, pegando a informação da língua materna e traduzindo para a língua portuguesa. Tive de me deslocar para ir coletar os dados diretamente com os anciões sobre o warã. Foi o maior desafio que enfrentei”, relatou. O pesquisador já havia atuado em trabalhos de tradução do Novo Testamento da Bíblia para a língua xerente, com apoio dos missionários batistas Günther Krieger, Vanda Krieger, Rinaldo de Matos (falecido) e Gudrum Matos.
Esse trabalho inicial contribuiu para a escolha da área de formação acadêmica. “Fiz Ciência da Linguagem na Universidade Federal de Goiás (UFG); continuei estudando e decidi também fazer mestrado na área, para conhecer mais a estrutura da língua portuguesa. Os pastores Gunther e Rinaldo foram instrumento para mim, me incentivaram a estudar”, informou. Segundo Sõpre, os dados da pesquisa podem servir de subsídio para políticas públicas voltadas à educação escolar indígena. “Esse trabalho, inédito, serve também para provocar as autoridades, para servir de base para educação escolar indígena de nosso povo, e buscar a reintegração do ancião, como antigamente, com direito a receber salário, como nós; afinal, eles também são mestres e doutores”, disse.
A defesa da tese foi realizada no Centro de Ensino Médio Indígena Xerente Warã (Cemix), localizado no território indígena de Tocantínia, município a 86 quilômetros de Palmas. A escolha foi autorizada pela coordenação do programa de pós-graduação. “A comunidade me acolheu, os pais dos alunos, enfim, e a imagem influencia, é a minha imagem de professor em que os alunos podem se espelhar com minha trajetória e os desafios que enfrentei para chegar até aqui”, explicou.
A professora doutora Neila Osório, orientadora da tese e coordenadora do programa de extensão Universidade da Maturidade (UMA/UFT), declarou que a universidade deve considerar diferentes formas de produção e transmissão do conhecimento. “A universidade precisa aprender a se abrir para outras formas de comunicação e expressão, linguagem, conhecimento e metodologia. Quem mais ganha com isso, nesse momento, certamente é a universidade.”
A professora Jocyléia Santana, coordenadora do Doutorado em Educação (PGEDA/UFT), afirmou que a evasão de estudantes indígenas é um desafio, especialmente na graduação. “Na pós-graduação, o perfil do estudante é mais maduro, mas as dificuldades ainda são grandes: deslocamento, custo de vida nas cidades, exigências acadêmicas elevadas e o racismo institucional”, apontou. Segundo ela, a UFT apresenta crescimento no número de estudantes indígenas, tanto na graduação quanto na pós-graduação, mas ainda enfrenta limitações institucionais para atender às especificidades desses estudantes.
A banca de avaliação foi composta pela orientadora Neila Osório; o coorientador Luiz Sinésio Silva Neto; Djanires Lageano Neto de Jesus (UEMS/Profeduc); Rui Miguel Duarte Santos (Instituto Politécnico de Leiria/Programa de Pós-Graduação em Direção de Organizações de Intervenção Social); Rosilene Lagares (UFT/PGEDA); e Reijane Pinheiro da Silva (UFT/PGEDA).