O Tribunal de Contas do Estado do Tocantins (TCE/TO) concluiu uma auditoria operacional sobre o fornecimento de alimentação ao sistema prisional e identificou fortes indícios de crimes contra a Administração Pública. O relatório final, publicado na segunda-feira, 13, propõe o encaminhamento das irregularidades ao Ministério Público Estadual (MPTO), conforme o art. 133, parágrafo 1º, do Regimento Interno do TCE.

A fiscalização teve como foco o Contrato nº 72/2020, firmado pela Secretaria de Cidadania e Justiça (Seciju) com a empresa Vogue Alimentação e Nutrição Ltda., que já movimentou cerca de R$ 40,7 milhões e passou por seis aditivos desde sua assinatura. A auditoria foi instaurada pela Portaria nº 771/2025, é relatada pelo conselheiro titular da Primeira Relatoria Manoel Pires dos Santos, e realizada entre agosto e setembro de 2025, abrangendo as unidades prisionais de Palmas, Miranorte, Guaraí, Araguaína e Augustinópolis.

De acordo com o relatório, o caso mais grave envolve a Unidade Penal de Miranorte, onde foram identificados superfaturamento nas planilhas de fornecimento de alimentação e adulteração ou falsificação de documentos apresentados à administração pública. Na cidade, o TCE apurou um prejuízo de R$ 579.084,03 entre janeiro e julho de 2025. As planilhas de controle apresentadas para pagamento eram “completamente diferentes – nos quantitativos e nas assinaturas – das planilhas arquivadas na unidade penal e obtidas em cartório”.

O valor pago pelo Estado correspondia à alimentação de 127 custodiadas, embora a unidade tivesse apenas 20 a 21 detentas no período, o que levou os auditores a classificarem a irregularidade como “ilícito de natureza criminosa” e a recomendarem a remessa integral do material ao MPTO para investigação.

Segundo o relatório, a Vogue Alimentação e Nutrição Ltda. subcontratou uma empresa sediada em Natividade para atuar em Miranorte, prática considerada irregular por configurar quarteirização. Segundo o relatório, as adulterações podem envolver tanto a empresa contratada e a subcontratada, quanto servidores da unidade penal e da própria Seciju, responsáveis pelo recebimento e conferência das marmitas e pela análise dos pagamentos.

A auditoria também encontrou uso indevido de recursos públicos, com a empresa utilizando água, energia e instalações da unidade penal sem previsão contratual. Em Miranorte e Guaraí, o café da manhã consistia apenas em pão, café e leite frequentemente com mau cheiro, em desacordo com o contrato e as normas do CNPCP. Agentes penais relataram falta de refeitório adequado, sendo obrigados a se alimentar em espaços improvisados.

A auditoria também analisou a situação da Unidade de Augustinópolis, incluída no escopo de fiscalização a partir de um ofício da 2ª Promotoria de Justiça do município (nº 242/2025), que apontava possíveis irregularidades na execução do contrato. Segundo o TCE, havia indícios de uso indevido de recursos públicos e de mão de obra de presos sem respaldo legal ou compensação financeira.

Falhas na gestão contratual e nos controles da Seciju

O relatório final mantém as conclusões do relatório preliminar, segundo o qual o contrato apresenta falhas na gestão, o que compromete também a economicidade e a fiscalização do gasto público. Também apontou fragilidades na verificação da qualidade nutricional e sanitária das refeições servidas aos detentos, em desacordo com o que determinam as normas do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).

Embora não tenha sido quantificado o valor exato de prejuízo ao erário, o TCE considera o risco elevado, dada a movimentação financeira superior a R$ 40 milhões e as falhas estruturais de controle interno da secretaria.

Encaminhamentos

O Tribunal propôs o encaminhamento integral da Seção II ao Ministério Público Estadual, para apuração de responsabilidade civil e criminal, além da adoção de medidas administrativas pela Seciju. O documento também recomenda ajustes nos mecanismos de fiscalização contratual e maior transparência na gestão dos recursos destinados à alimentação das unidades penais.

O Jornal Opção Tocantins solicitou nota à Secretaria de Cidadania e Justiça, questionando se a pasta já foi notificada sobre o relatório, quais providências foram ou serão adotadas e se há servidores ou empresas sob investigação. Confira o que diz a pasta:

A Secretaria da Cidadania e Justiça (Seciju) informa que, após a identificação de inconsistências nas planilhas de controle de refeições, determinou mudanças no procedimento de solicitação de alimentação nas unidades prisionais e socioeducativas. Desde então, os pedidos passaram a ser realizados pelos chefes das unidades, com antecedência mínima de um dia e mediante planilha assinada, encaminhada à Superintendência responsável (única instância autorizada a formalizar as solicitações junto à empresa contratada).

A empresa Vogue Alimentação e Nutrição Ltda. já foi notificada sobre possível descumprimento contratual e deverá apresentar suas justificativas dentro do prazo solicitado. O contrato segue vigente, uma vez que se trata de processo licitatório e as apurações ainda estão em andamento. Caso sejam confirmadas irregularidades, as medidas cabíveis serão adotadas dentro da legalidade.

A Seciju já recebeu o relatório da auditoria do Tribunal de Contas do Estado (TCE/TO) e está estabelecendo o plano de ação dentro do prazo determinado. Também foram enviados ofícios aos órgãos de fiscalização para reforçar a cooperação institucional e garantir transparência na apuração dos fatos.

Paralelamente, a Secretaria está implementando uma comissão permanente de fiscalização de contratos, que atuará em todos os contratos da pasta, não apenas nos de alimentação do sistema prisional e socioeducativo. Além disso, nutricionistas serão designados para as unidades a fim de acompanhar de perto a qualidade das refeições, verificando se estão de acordo com o cardápio e os padrões exigidos.

A atual administração reafirma seu compromisso com a transparência, o fortalecimento dos mecanismos de controle e a correta aplicação dos recursos públicos, colaborando integralmente com os órgãos de fiscalização.