Tedson Souza: “O maior desafio da população negra é sobreviver e conquistar espaços”
20 novembro 2024 às 21h40
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Tedson Souza foi o primeiro professor negro a ingressar na Universidade Federal do Tocantins (UFT), em Palmas, por meio das cotas raciais. Doutor e Mestre em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), atualmente é vice-presidente da Comissão de Heteroidentificação da UFT. Nascido em Salvador, Tedson construiu uma trajetória inspiradora, marcada pela superação de desafios e pelo papel transformador da educação em sua vida.
Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Opção Tocantins, Tedson reflete sobre a importância do Dia da Consciência Negra, avalia os avanços e desafios da população negra no Brasil e fala sobre o impacto das cotas e outras políticas públicas na construção de uma sociedade mais inclusiva. Ele também compartilha sua visão sobre o racismo estrutural, suas consequências e o que ainda precisa ser feito para enfrentar essa realidade.
O que o senhor acha do Dia 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra?
Primeiro, é super importante. Porque é um dia que resgata um herói negro, um herói extremamente importante, ainda mais no país do povo brasileiro. Geralmente, não temos muitas referências de heróis negros. Zumbi dos Palmares é uma figura extremamente relevante. Ele foi um herói que resistiu até o fim à escravidão e às imposições do governo brasileiro, da coroa. Esse cara lutou até o fim.
A história dele é muito emblemática, porque ele foi entregue por um colega, um companheiro. Ou seja, foi a traição de um amigo que derrubou Zumbi. Por isso, acho extremamente importante resgatarmos esse herói. O povo negro precisa de heróis para criar referências.
Trazendo isso para a contemporaneidade, também é uma maneira de celebrar a resistência negra, especialmente das mulheres negras. Se olharmos, vivemos em um país onde a maioria das casas é sustentada por mulheres negras que atuam, em sua grande parte, no trabalho doméstico. Então, há muito o que comemorar nesse dia, como, por exemplo, nosso ingresso nas universidades e em espaços de poder.
Mas também há muito o que reivindicar.
Precisamos, de certa forma, dizer: “parem de nos matar”.
Se você observar as estatísticas de mortes causadas por policiais, a maioria das vítimas são jovens negros e periféricos, e isso ocorre em todo o Brasil. Esse dia é importantíssimo para refletirmos sobre o racismo.
Falando sobre a inclusão da cultura afro-brasileira no currículo escolar, o senhor acredita que isso deveria ser mais amplamente implementado?
Com certeza. Aliás, já é lei há mais de uma década o ensino de história e cultura africana nas escolas. No entanto, muitas instituições não cumprem isso. Na maioria das vezes, fazem ações pontuais apenas em novembro, no chamado “Novembro Negro”.
Essa falta de implementação nos deixa para trás na produção de conhecimento. Não estamos produzindo conhecimento sobre a África, sobre as populações negras, e isso faz com que os estudantes negros não se vejam representados no ensino.
Muitas vezes, as narrativas sobre nós são feitas por outras pessoas, o que perpetua a visão de uma cultura negra como inferior.
Quais são os maiores desafios que a população negra enfrenta hoje no Brasil?
Sinceramente, eu morro de medo por meus sobrinhos adolescentes quando eles saem de casa. O trajeto deles em uma cidade grande já é um risco.
Outro grande desafio é conseguir emprego, mas não apenas um emprego qualquer. Falo de empregos qualificados e espaços de poder, cargos de gestão.
O trabalhador negro precisa ser três vezes melhor que um trabalhador branco para ser reconhecido.
Além disso, a violência policial é assustadora. Se olharmos as estatísticas, é quase como se vivêssemos uma guerra civil. O racismo estrutural impacta diretamente nessas oportunidades.
Como o senhor avalia o racismo estrutural no Brasil em comparação com outros países?
Nosso racismo é mais sofisticado e mais cruel. Em outros lugares, como nos Estados Unidos, o racismo é mais explícito, com segregações claras. No Brasil, criamos uma relação que remonta à Casa Grande e à Senzala.
Aqui, existe uma estratégia de escolher alguns negros para serem “os negros da Casa Grande”, colocando-os em posições privilegiadas, mas sob condições que os alienam do restante da população negra. Isso nos divide e perpetua a desunião.
Quais políticas públicas poderiam ser implementadas para combater o racismo?
Precisamos de mais ações afirmativas, como cotas, assistência estudantil e permanência nas universidades. Não basta colocar os jovens negros nas instituições; precisamos garantir que eles permaneçam lá. Isso inclui suporte psicológico e financeiro.
Além disso, é necessário punir severamente o racismo.
No Brasil, o racismo é tratado de forma branda. Muitas vezes, os casos resultam apenas em “cancelamento” na internet, sem punições efetivas. Isso precisa mudar.
O senhor mencionou as cotas. Como avalia o sistema de heteroidentificação?
É um processo extremamente constrangedor, especialmente para quem é de fato negro. Mas é o único meio para descobrir fraudes, infelizmente. O fraudador chega sem o menor pudor e tenta passar pelo sistema. Precisamos que a Justiça puna quem frauda as cotas.
Para finalizar, conte um pouco sobre sua trajetória e sua história até chegar na universidade.
Minha história pessoal é fruto da força das mulheres negras da minha família. Minha mãe e minha avó sempre acreditaram na educação como um caminho.
Minha mãe trabalhava até às 3h20 da manhã, mas nunca deixou de me incentivar a estudar.
Hoje, sou doutor em Antropologia e professor universitário. Essa vitória não é apenas minha, mas de todas as mulheres negras que me moldaram. No entanto, é um caminho árduo. Ainda somos poucos nos espaços de poder e nas universidades. Espero que, no futuro, sejamos muitos mais, porque a diversidade é essencial para a construção do conhecimento.
Muito obrigado, professor Tedson, por essa conversa.
Tedson Souza: Eu que agradeço. Estou à disposição.