O Tocantins sofreu um aumento de 22% no número total de conflitos agrários registrados em 2023, de acordo com dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Conforme os dados, o ano passado contou com 81 conflitos, em comparação com os 66 registrados em 2022. Além disso, o aumento no número de famílias afetadas foi ainda mais significativo. A CPT relatou que 20.464 famílias foram afetadas por conflitos no ano passado, em comparação com as 15.372 famílias afetadas em 2022, representando um aumento percentual de 33%.

A 38ª edição do relatório “Conflitos no Campo Brasil”, lançada pela CPT na segunda-feira, 22 de abril, detalha o panorama da violência relacionada a questões agrárias ao longo de 2023. Em todo o país, ocorreram 2.203 conflitos que envolveram quase 1 milhão de pessoas. A maioria desses conflitos diz respeito à terra (1.724), seguido pelo trabalho escravo rural (251) e conflitos relacionados à água (225), entre outros (3).

A falta de titulação de terras quilombolas, demarcação de territórios indígenas, destinação de terras públicas e desapropriação de latifúndios para reforma agrária, bem como a ausência de consultas livres, prévias e informadas, são apontadas pela Pastoral como fatores que contribuem para a categorização dos três níveis dos governos executivos como omissos e coniventes. A apresentação do relatório destaca que, em cerca de 260 incidentes de violência, o Estado foi identificado como um dos principais agentes causadores de violência contra povos do campo, das águas e das florestas em 2023.

Conflitos por terra predominam tanto no Brasil quanto no Tocantins, de acordo com o balanço da CPT. No estado, 62 conflitos por terra foram registrados no ano passado, afetando 3.412 famílias, seguidos por 38 casos de resgate de trabalho escravo rural e seis conflitos relacionados à água que impactaram 1.688 famílias. Durante esse período, também ocorreram seis ameaças de morte e seis manifestações. Confira todos os dados aqui.

Outro lado

O Jornal Opção Tocantins questionou o Instituto de Terras do Tocantins (Itertins) sobre o assunto. Paralelo a isso, o Itertins se contrapôs à Comissão Pastoral da Terra, informando que não há qualquer relato oficial junto ao Instituto sobre conflito em áreas de competência Estadual.

O Jornal Opção Tocantins também entrou em contato com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para tratar sobre a reforma agrária e demarcação de terras quilombolas; e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para falar sobre e territórios indígenas mas ainda não obteve retorno.

A Polícia Federal informou que está implementando o Projeto AMAS (Amazônia Segura e Soberania) com a missão de promover, de forma coordenada, colaborativa e integrada, na região compreendida pela Amazônia Legal no estado do Tocantins, um ambiente seguro, sustentável e de prosperidade aos povos indígenas, comunidades tradicionais e a população em geral.

“Neste contexto serão intensificadas as ações de policiamento ostensivo e repressivo, mediante o emprego de efetivo policial em regime ordinário e/ou extraordinário, com vistas a executar ações preventivas e/ou repressivas, em conjunto com os demais órgãos integrantes do Sistema de Segurança Pública, com o intuito de preservar a ordem pública, a paz social, proteger o patrimônio, garantir a segurança, o bem-estar e a tranquilidade social da comunidade ordeira deste Estado”, disse a PF.

Questionado sobre poluição de rios por agrotóxicos e pesca predatórias em áreas federais, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) respondeu que tem como principal missão fiscalizar e monitorar o cumprimento das leis ambientais, visando a proteção dos recursos naturais e a preservação do meio ambiente. E que suas atividades estão voltadas para o controle e combate ao desmatamento ilegal, à exploração não sustentável dos recursos naturais, à poluição ambiental, entre outras ações que afetam diretamente o equilíbrio ecológico. O Instituto não menciona os casos específicos desta reportagem.

Afetados

Os conflitos por terra afetam populações indígenas, quilombolas, posseiros, assentados e sem-terra, conforme demonstrado pelo relatório da CPT. Os conflitos relacionados à água são frequentemente motivados pela poluição de rios por agrotóxicos e pesca predatória, com comunidades exigindo a não utilização desses recursos por parte de agropecuaristas. Quanto ao trabalho escravo rural, as atividades incluem construção civil, criação de gado para corte, produção de carvão e plantação de soja.

A CPT revela que uma pesquisa realizada em 2023 na região do Cerrado, nos estados da Bahia, Maranhão, Piauí, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, revelou a presença de agrotóxicos nas águas de 100% dos territórios analisados, incluindo glifosato, 2,4-D e atrazina, com registro de até nove ingredientes ativos em uma única amostra.

A CPT relata que os conflitos estão dispersos em 31 municípios do Tocantins, incluindo Almas, Araguaína, Araguatins, Arraias, Babaçulândia, Barra do Ouro, Campos Lindos, Caseara, Centenário, Chapada da Natividade, Couto Magalhães, Dianópolis, Filadélfia, Formoso do Araguaia, Ipueiras, Itacajá, Lagoa da Confusão, Lagoa do Tocantins, Marianópolis do Tocantins, Mateiros, Nova Olinda, Palmas, Palmeirante, Paranã, Pium, Porto Alegre do Tocantins, Porto Nacional, Rio Sono, Sandolândia, Santa Tereza do Tocantins, São Bento do Tocantins e Tocantínia.

Criação de galinha na Gleba Tauá, em Barra do Ouro (Foto: Valéria Santos)

Movimentos

Para o coordenador estadual do Movimento Sem Terra no Tocantins e membro da Coalizão Vozes do Tocantins pela Justiça Climática, Marcos Antônio, em 2023, movimentos organizaram resistência, especialmente em comunidades quilombolas, mas enfrentaram repressão e desrespeito aos direitos constitucionais. Ele afirma que o Estado negligenciou questões fundiárias e ambientais, favorecendo grandes fazendeiros, gerando preocupação e tensão entre os envolvidos.

“O estado brasileiro, em vez de avançar em medidas de resolver essa questão fundiária, essa questão estrutural e esteja do lado do enfrentamento à grilagem, à pistolagem, à violência do campo, o estado prefere se colocar do lado do agronegócio, dos grandes fazendeiros que são responsáveis por altos índices de desmatamento do cerrado, inclusive no Tocantins. Isso é público, e o aumento do número de desmatamentos. Então, é preciso respeitar esses povos, suas existências, suas formas de organização e de lutas”, disse.