30 dias de Laurez Moreira no comando do Tocantins: cortes, pressões e velhas práticas

03 outubro 2025 às 12h42

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A virada de mesa que levou Laurez Moreira (PSD) ao comando do Palácio Araguaia veio em 3 de setembro, com a segunda fase da Operação Fames-19. O afastamento de Wanderlei Barbosa (Republicanos), somado à exoneração da primeira-dama e à devassa em gabinetes de deputados, abriu espaço para o vice, até então escanteado, assumir o posto. A transição foi abrupta e marcada por um recado do Superior Tribunal de Justiça (STJ): era preciso “limpar” o primeiro escalão. Laurez obedeceu, mas deixou claro que não faria uma caça às bruxas generalizada nos cargos comissionados.
Dois atos deram o tom inicial. Primeiro, a exoneração coletiva dos secretários. Depois, o rompimento sem ônus do contrato de R$ 20 milhões anuais para uso de jato executivo. O corte foi vendido como símbolo de austeridade, mas gerou ruído: logo circularam fotos de Laurez e aliados em aeronaves, o que o obrigou a garantir que jamais usou o jato contratado. Faltou, no entanto, detalhar qual a frota de aviões o estado mantém e como o governo se desloca num território extenso como o Tocantins.
Acenos políticos
Se no discurso Laurez falava em enxugar a máquina, na prática multiplicou acenos políticos. O discurso de caça às bruxas ficou no papel, as exonerações vieram para abrir novos espaços a acomodações. O grupo Abreu, desafeto de Wanderlei, passou a ocupar espaço central no governo interino, o que pode ter levado o governador afastado a ter como certa sua tese conspiratória que Laurez era aliado do seu inimigo há muito tempo.
A família Dimas (Ronaldo e Tiago) também ganhou espaço, e agora comanda o Planejamento e interinamente as Cidades, além de ditar o ritmo da agenda fiscal. O PT, o grupo do pasto Amarildo Martins, líder evangélico próximo a Laurez e pai do deputado federal Filipe Martins (PL), e até o PSDB de Cinthia Ribeiro, estão no radar do novo inquilino do Palácio Araguaia.
O núcleo duro ficou recheado de ex-prefeitos e velhos conhecidos da política tocantinense, alguns com passagens por investigações rumorosas, como por exemplo, Raul Filho, ex-prefeito de Palmas, tem restrições jurídicas que o impedem de assumir posturas formais; por isso a entrada do grupo acabou se dando por meio do filho, uma solução tática que evita entrave judicial.
Há, ainda, nomes do entorno com histórico de apurações: Stalin Bucar, que assumiu a Junta Comercial do Estado do Tocantins (Jucetins), já foi alvo de ação de improbidade ligada à chamada “Máfia das Ambulâncias”, e César Halum, nomeado na Agricultura, chegou a responder a inquéritos que o ligaram a suspeitas como peculato e outros delitos. E, no meio disso tudo, pipocaram nomeações que carregam prontuário de polêmicas. De falas racistas e homofóbicas de Marcos Duarte (Secad) ao bolsonarismo conspiratório de Paulo Sidnei (AEM), passando por aliados investigados no passado. São escolhas que expõem contradição: o governo fala em reorganizar e dar transparência, mas escala quadros que trazem desgaste imediato e geram a impressão que a gestão soa mais como composição ampla para garantir base do que como renovação administrativa.
Retornos
Apesar da recomendação do STJ, Laurez acabou trazendo de volta ao governo pelo menos sete nomes ligados à gestão afastada, entre eles nomes do primeiro escalão do governo afastado como Beto Lima (Sics) e Bruno Azevedo (Segurança Pública). Questionado, o interino não deu explicações diretas, até aqui.
Comunicação para apagar incêndio
Se em qualquer governo a Secom é o espaço de construir narrativa, no de Laurez passou o mês inteiro na defensiva. A secretaria herdou um orçamento comprometido, começou sem caixa e, em vez de pautar, passou a ser pautada. O caso dos grampos, ainda sem explicação convincente, minou a narrativa de transparência.
Em seguida, a lista de sites que recebiam mídia institucional na gestão afastada veio a público sem que a atual equipe explicasse a origem do vazamento. A ausência de posicionamento deixou no ar a dúvida: foi descuido, disputa interna ou vazamento seletivo para desgastar o grupo de Wanderlei? Ao não oferecer resposta, a comunicação abriu espaço para especulação. Para completar, as redes oficiais oscilaram entre silêncio e posts burocráticos, sem conseguir impor a ideia de ruptura. Resultado: no balanço do primeiro mês, a Secom gastou energia apagando incêndios e deixou de entregar o que mais se espera dela: dar cara e discurso ao governo interino.
Educação
Se havia dúvida de onde viria a primeira crise, ela veio rápido: o Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração (PCCR) da Educação. Professores se mobilizaram, houve paralisação em Palmas e no interior, e o sindicato prometeu greve. O governo respondeu com discurso de “tempo para análise”, mas não apresentou cronograma. Ao mesmo tempo, prorrogar o concurso da Educação deu fôlego político e foi um raro momento de aplauso. Mas a categoria segue pressionando e Laurez ficou no meio da corda bamba.
Saúde
A área da saúde segue sem um diagnóstico público que mostra o atual quadro da área no estado. O episódio do HGP sem ar-condicionado em plena onda de calor apenas confirma um gargalo que não é novo, mas a conta da explicação já caiu na gestão interina, que deu uma posição oficial diferente da realidade mostrada dias depois de ser questionada e afirmar que a situação tinha sido regularizada, o que na verdade não tinha acontecido. O plano Servir, deficitário, também exige respostas, até agora, o governo só assegura que “os serviços estão mantidos”, sem detalhar como.
Ajuste fiscal
Se há uma frente em que Laurez tenta se diferenciar é a fiscal. A reunião com 17 deputados na Aleto mostrou articulação institucional. Ronaldo Dimas anunciou que o déficit projetado caiu de R$ 380 milhões para R$ 150 milhões, com meta de zerar até o fim do ano. É um discurso que agrada, mas ainda precisa se provar na prática, especialmente diante do histórico de gastos com shows e contratos pouco explicados da gestão anterior.
Em setembro, por exemplo, a secretaria de Turismo seguiu direcionando recursos para shows. O governo interino poderia explicar a natureza da fonte do recurso se são de deputados ou do próprio governo, mas parece aguardar uma crise bater à porta.
Balanço: promessa x prática
Trinta dias depois, não é tempo suficiente para uma análise profunda, mas são sinais que irão ditar o ritmo da gestão. O governo Laurez Moreira exibe um quadro misto: cortes simbólicos e discurso de austeridade de um lado; composições amplas, nomes polêmicos e falta de clareza em áreas sensíveis de outro. O interino tenta se vender como gestor técnico e político habilidoso, mas ainda carece de narrativa coesa e de respostas para crises concretas como Educação e Saúde, por exemplo.
O desafio é mostrar que a interinidade não será apenas uma troca de peças, numa espécie de composição ecumênica, mas sim uma oportunidade de reorganização real. Até aqui, os sinais são de que Laurez prefere jogar no campo da sobrevivência política, com aliados múltiplos e gestos simbólicos, enquanto o relógio da gestão corre e os problemas estruturais do Tocantins continuam à espera de solução.