Fernando Maciel Vieira *

Se educação fosse roça, aqui no Tocantins já tinha era virado capoeira de tanto plantar e arrancar sem esperar a colheita. Cada governo que chega é o mesmo enredo: troca-se o secretário, troca-se o currículo, troca-se o discurso. É um eterno começar de novo, como se a memória fosse coisa descartável. O pobre professor que se vire, planejando um ano inteiro sem saber se, na semana que vem, a regra ainda vale. É o mesmo que pedir a um vaqueiro que dome boi brabo sem sela e depois cobrar que ele chegue inteiro na festa.

Darcy Ribeiro dizia que “a crise da educação não é crise, é projeto”, e parece que no Tocantins o projeto é justamente esse: viver de improviso. A cada mudança, a promessa é de revolução. Mas revolução de quê, se nada continua? O que ontem era prioridade, hoje é papel de gaveta. A escola fica sem norte, o professor sem chão, e o aluno sem futuro. Como bem lembra Saviani, política de governo não resolve, precisa é de política de Estado. Mas por aqui, cada secretário acha que reinventar a roda é mais importante que pôr o carro pra andar.

Enquanto isso, os professores — que são o coração da escola — ficam no fio da navalha. Paulo Freire já ensinava que ensinar exige rigor e planejamento. Mas planejar em terra de improviso é como riscar desenho na areia da beira do rio: basta uma onda de decreto novo e tudo se apaga. O mestre vira equilibrista de circo, tentando agradar coordenação, secretaria e comunidade, quando na verdade só precisava de respeito, condições e continuidade.

E quando a gente anda pelo interior, a cena dói. Na capital, escolas parecem shopping center: ar-condicionado, laboratório e até teatro. Já nas beiradas do sertão, o climatizador só abana poeira, o quadro chia de tanto pincel seco, e as paredes contam histórias de infiltração. É a desigualdade escancarada: educação de vitrine pra uns, de resistência pra outros. Moacir Gadotti já dizia que, sem justiça social, a escola não é libertação, é reprodução da exclusão. E no Tocantins, essa reprodução tá em cada tijolo mal assentado das escolas do interior.

O povo até tenta consertar, porque tocantinense têm a arte do “ajeitar” no sangue. Se falta atlas, o professor desenha mapa à mão. Se não tem material, a comunidade junta e improvisa. É bonito, é resistente, mas também é perigoso: quando a gambiarra vira regra, a gente se acostuma a não exigir o que é direito. Bauman falava da modernidade líquida, onde tudo escorre. Aqui o que escorre não é só modernidade, é o suor do professor e o futuro dos meninos.

Educação é obra de longo prazo. Não se faz escola sólida em um governo nem em dois. Mas se a cada novo secretário a gente arranca o que foi semeado, nunca vai nascer sombra de futuro. É como plantar mandioca hoje e arrancar amanhã, esperando que dê farinha. Paulo Freire insistia: educar é semear para colher mais tarde. Mas no Tocantins, parece que estamos sempre desplantando o futuro.

E aí, meu povo, eu pergunto: vamos continuar dançando nesse forró de sanfona furada, onde cada governo toca a melodia que bem entende? Ou vamos exigir continuidade, cobrar responsabilidade e parar de viver da ilusão do improviso? Porque, como diz o ditado, “quem planta vento colhe tempestade”, “cavalo que não tem sela cai na primeira carreira” e “telhado furado não segura chuva de janeiro”.

Improvisar é bom no repente, mas não na sala de aula. Política de ocasião não enche caderno de aluno. E se a gente não cobrar agora, vai ser sempre assim: escola de shopping para uns, escola de esperança para outros. A escolha tá na nossa mão. Ou a gente rompe com essa indústria do improviso, ou vai continuar aplaudindo a gambiarra como se fosse conquista.

E você, leitor, diga aí: tá bom desse jeito? Ou tá na hora de bater o pé e gritar que educação não é festa junina pra se tocar no improviso, mas obra séria, de futuro e de todos?

* Professor da rede pública estadual.